Brumadinho, lembrou Marina Silva, é o sexto município de Minas Gerais atingido pelo rompimento de uma barragem com rejeitos de mineração (os outros rompimentos ocorreram em Itabirito, Miraí, Muriaé, Cataguazes, e, claro, Mariana).
Um professor da Universidade Federal de Juiz de Fora, Bruno Milanez, declarou que “temos uma série histórica em Minas Gerais: de 2002 para cá tivemos um rompimento a cada dois anos”.
Independente da conta, todos concordam em que, sobretudo a Vale, mas também outras mineradoras – em geral, estrangeiras – implantaram a lei da selva em Minas, no Pará e em outros Estados com grandes riquezas minerais, apesar do subsolo ser, pela Constituição, propriedade do povo brasileiro.
No entanto, desde 2011, houve um afrouxamento cada vez maior nas regras de licenciamento ambiental, inclusive na mineração.
O ápice (ou a fossa) está agora no governo, com um sujeito ridículo no Ministério do Meio Ambiente, cuja ideologia consiste em que a depredação do meio ambiente é benéfica ao meio ambiente – contanto que seja feita por um monopólio privado, por exemplo, a Vale.
Aliás, segundo declarou ele, “segurança de barragem não é tema do Ministério do Meio Ambiente” (v. a sua entrevista na Jovem Pan).
Toda a encenação – inclusive a de Bolsonaro e a de Mourão – em torno da punição da Vale pelo desastre de Brumadinho, é semelhante à outra, três anos atrás, em relação ao desastre de Mariana.
É verdade que, naquela época, Dilma levou uma semana para visitar Mariana – mas, como Bolsonaro, somente sobrevoou o local. A diferença, portanto, é muito pouca.
Dilma, no sobrevoo, anunciou que a multa sobre a Samarco, pelo rompimento em Mariana, iria ser de R$ 250 milhões – o mesmo valor que o ministro Salles, agora, anunciou que vai ser a multa sobre a Vale pelo rompimento em Brumadinho.
O que esperar disso?
Até hoje, a Samarco – subsidiária da Vale, em sociedade com a BHP, a quem pertencia a barragem de Fundão, em Mariana, cujo rompimento destruiu o distrito de Bento Rodrigues, matando 19 pessoas – não pagou um níquel, um único níquel, de multa (v. Mariana: três anos de impunidade da Samarco).
E isso é o mínimo, pois, como disse Marina Silva, é incorreto chamar o que houve em Mariana ou Brumadinho apenas de “desastre ambiental”.
Trata-se, na verdade, de um crime, de assassinatos pelos quais, até agora, ninguém foi condenado à cadeia. Aliás, nem preso, com exceção de alguns paus-mandados (v. Três funcionários da Vale e dois engenheiros de empresa alemã são presos).
VOTAÇÃO
O rompimento da barragem do Fundão, em Mariana, no mês de novembro de 2015, despejou 43 milhões de metros cúbicos de lama e refugo de mineração sobre a população circundante e sobre o meio ambiente, por 650 km – do Rio Doce ao Oceano Atlântico, no litoral do Espírito Santo.
A partir desse desastre, foi elaborado um projeto de lei estadual, que contou com a participação do Ministério Público, do Ibama, de 50 ONGs ambientalistas – e foi encaminhado à Assembleia Legislativa com 50 mil assinaturas, apresentado pelo presidente da Comissão de Minas e Energia da Assembleia, deputado João Vítor Xavier, do PSDB.
O projeto estabelecia normas para a mineração, com o sentido de evitar outra tragédia como a de Mariana.
No entanto, esse projeto foi derrotado, na própria comissão que o deputado Xavier preside, em julho do ano passado.
A explicação do deputado Xavier para essa derrota é lógica (aliás, é a única que, nesse caso, tem alguma lógica):
“Foi barrado por pressão das mineradoras. Elas preferem aumentar a margem de lucro a aumentar a margem de segurança”.
O deputado não disse, mas é evidente o que quer dizer com “mineradoras”: antes de tudo, a Vale (para o conjunto do problema, inclusive as mineradoras estrangeiras, v. A espoliação mineral no Brasil in América do Sol nº 1).
Os votos contra o projeto apresentado por Xavier foram de deputados que não pertenciam, antes, à comissão, mas substituíram outros deputados, na votação, por indicação dos líderes dos partidos. Somente o deputado Xavier votou em seu projeto. Pelo regimento da Assembleia de Minas, o projeto foi arquivado, sem ir a plenário.
Sobre os estouros das barragens, o deputado diz algo importante:
“Essas barragens caem porque são verdadeiros legos que as empresas vão empilhando. Uma que é aprovada inicialmente para ter 10 metros, quando você vai ver, está com 100 metros de altura. Isso que aconteceu em Mariana”.
RISCO REBAIXADO
Uma reportagem de Daniel Camargos, do Repórter Brasil, observa que o único dos secretários de Fernando Pimentel (PT) mantido pelo novo governador, Romeu Zema, do Novo, foi, exatamente, o do Meio Ambiente, Germano Luiz Gomes Vieira (cf. Daniel Camargos, Secretário de Meio Ambiente reduziu critérios de risco de barragens e acelerou licenciamento ambiental em MG, Repórter Brasil, 26/01/2019).
Qual a façanha de Vieira que o credenciou a secretário tanto de um governo petista quanto de um governo presumivelmente anti-petista?
“O secretário de Meio Ambiente de Minas Gerais, Germano Luiz Gomes Vieira, assinou em dezembro de 2017 norma que alterou os critérios de risco de algumas barragens, o que permitiu a redução das etapas de licenciamento ambiental no Estado. A medida possibilitou à Vale acelerar o licenciamento para alterações na barragem da Mina de Córrego do Feijão, que rompeu na última sexta-feira (…).
“Nomeado pelo então governador Fernando Pimentel (PT), Vieira assinou a Deliberação Normativa 217 duas semanas após assumir o posto de secretário. Ele, porém, trabalhou na elaboração da medida desde maio de 2016, quando era secretário-adjunto de Meio Ambiente. A norma permite, em alguns casos, rebaixar o potencial de risco das barragens, o que pode levar à redução do processo de licenciamento para apenas uma etapa. Antes da medida, os casos de significativo impacto ambiental do Estado passavam sempre por três fases de aprovação: Licença Prévia, Licença de Operação e Licença de Instalação. Com os novos critérios de risco, mais flexíveis, as três licenças são concedidas simultaneamente” (cf. art. cit.).
E, especificamente sobre a barragem de Brumadinho:
“O rebaixamento do risco da barragem Córrego do Feijão veio à tona em 11 de dezembro do ano passado, quando a Vale levou à Câmara de Atividades Minerárias solicitação para novas operações na mina. O pedido incluía operações na barragem que rompeu, desativada desde 2015. O pedido da Vale foi aprovado por oito dos nove conselheiros, que seguiram parecer da secretaria de Meio Ambiente — comandada por Vieira. A secretaria rebaixou a classe de risco da mina de 6 (mais alto risco) para 4 (menor risco).
“Com o potencial destruidor rebaixado, a Vale escapou do licenciamento padrão, conhecido como trifásico, e conseguiu aprovar de uma única vez três licenças (prévia, operação e instalação). A medida agilizou as intenções da empresa, entre elas, a de reaproveitar os rejeitos da barragem que rompeu.
“O único voto contrário foi de Maria Teresa Corujo, representante do Fórum Nacional de Comitês de Bacias Hidrográficas (Fonasc). ‘Eles queriam transformar o rejeito em produto. Para isso, voltam a beneficiar os rejeitos e misturam com minério recém extraído’, explica Corujo”.
A dinâmica descrita a seguir é típica de um representante das mineradoras, colocado na Secretaria de Meio Ambiente pelo petista Pimentel – e, agora, confirmado pelo novista Zema:
“Entre fevereiro de 2017 e janeiro deste ano, apenas um projeto minerário — nas 40 reuniões realizadas — foi barrado na câmara técnica do Conselho Estadual de Política (Copam), órgão que engloba a Câmara de Atividades Minerárias. ‘O secretário [Germano Vieira] sempre atendeu os interesses da indústria, das empresas mineradoras e do agronegócio, por isso ele continuou no comando’, entende Corujo.
“Na gestão de Vieira os licenciamentos ambientais passaram a ser feitos a ‘toque de caixa’, de acordo com o diretor de meio ambiente e saúde da União de Associações Comunitárias de Congonhas, Sandoval de Souza Pinto Filho.
“Os licenciamentos têm celeridade estranha, quase todos os processos têm parecer favorável às empresas e a análise técnica é inócua’, avalia Sandoval. Congonhas está a 90 quilômetros da barragem de Brumadinho, mas a cidade — tombada como patrimônio histórico da humanidade — é cercada por diversas barragens de rejeitos de mineração”.
Em Congonhas está o maior conjunto das obras de Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho – inclusive os doze profetas, esculpidos em pedra-sabão, do Santuário de Bom Jesus de Matosinhos.
Vieira, o secretário do Meio Ambiente, não é um inocente do Leblon (figura, aliás, cunhada por um poeta mineiro, Carlos Drummond de Andrade).
Ou não parece ser – o que, no caso, segundo os antigos romanos, é mais ou menos a mesma coisa que ser, porque ninguém é capaz de acreditar que não seja:
“O Movimento pelas Serras e Águas de Minas denunciou, em setembro do ano passado, um possível conflito de interesse do secretário. O irmão dele, Giovanni Abel Gomes Vieira, é funcionário da mineradora Anglo American. A denúncia foi enviada ao Ministério Público logo depois de o secretário ter sido acusado por entidades do terceiro setor de ter acelerado o processo de licenciamento de um pedido da Anglo American” (grifo nosso).
Quanto ao atual governador, Zema, esse é um adversário do licenciamento ambiental para as mineradoras, inclusive publicamente, na campanha eleitoral, com uma conversa idêntica (idêntica mesmo) a de Bolsonaro: “Precisamos preservar o meio ambiente, mas temos que parar de tratar como bandido ambiental qualquer pessoa que queira empreender em Minas Gerais”.
É óbvio que o objetivo dessa conversa não é promover os empresários sérios – que existem – mas, exatamente, os bandidos ambientais.
O que aconteceu em Brumadinho é apenas uma prova tão escandalosa, tão criminosa, quanto desnecessária.
CONGRESSO
De maneira geral, houve um afrouxamento nos critérios de licenciamento ambiental a partir de 2011 – isto é, do governo Dilma.
Fora do governo, o fato de seis projetos de afrouxamento desses critérios ingressarem no Congresso Nacional após o crime de Mariana, mostra a que ponto chegou a falta de limite de mineradoras e outras empresas.
Pois não é provável que nenhum dos parlamentares que assinam esses projetos tenham-no feito por ideologia – isto é, porque acham que é melhor depredar o meio ambiente do que preservá-lo ou cuidá-lo.
Dois desses projetos merecem um especial comentário.
Por coincidência, o autor de ambos é o mesmo: o senador Acir Gurgacz (PDT-RO).
O primeiro é nada menos que uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), a de nº 65/2016, que ficou conhecida como a “PEC da Samarco”.
Por essa proposta, qualquer obra ou projeto empresarial não poderia ser paralisado depois da apresentação do Estudo de Impacto Ambiental (EIA).
Como o EIA é apresentado pelas próprias empresas, a consequência é que essa PEC aboliria qualquer licenciamento ambiental.
Depois de relatado pelo senador Blairo Maggi (PR-MT), o “rei da soja”, a PEC passou pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado (CCJ) – mas ficou por aí, e acabou arquivado.
O segundo projeto, também do mesmo senador, suprime a obrigação dos Estados de seguirem as regras nacionais de licenciamento ambiental, além de outras restrições à legislação atual.
Ninguém no Congresso acredita que esses e os outros quatro projetos saíram espontaneamente da iniciativa dos seus autores.
O que se diz – e tem lógica – é que eles partiram de um grupo de mineradoras, tendo à frente (ou por trás) a Vale e a Anglo American, além de empresas – sobretudo monopólios multinacionais – de outros ramos.
E, aqui, temos mais um aspecto da ação da Vale após sua privatização: ela prefere se juntar a empresas estrangeiras – BHP Billiton, Rio Tinto, Anglo American – formando um cartel contra os interesses do Brasil, se isso aumenta seus ganhos de monopólio.
C.L.