Os crimes do cartel do bilhão contra o Brasil (6)
(HP 21/08/2015)
CARLOS LOPES
A Refinaria Abreu e Lima (RNEST), em Pernambuco, sempre foi um projeto estratégico para o país.
Tanto do ponto de vista da oferta dos derivados de petróleo, estrangulada por décadas de política neoliberal irresponsável (a última inauguração de uma grande refinaria da Petrobrás – e do Brasil – foi em 1980, a REVAP, em São José dos Campos, São Paulo, portanto, há 35 anos), quanto do ponto de vista do desenvolvimento do Nordeste, quanto das relações com a Venezuela e a América Latina, essa refinaria sempre foi uma estrela especialmente brilhante nos projetos públicos e nacionais.
Hoje, publicamos uma pequena parte dos crimes do cartel do bilhão contra essa refinaria – portanto, contra a Petrobrás e o Brasil.
Como é um pouco difícil acompanhar a transmutação de valores descrita e provada pelos procuradores da República, acrescentamos uma tabela para facilitar o entendimento.
As obras da RNEST foram divididas em quatro grandes “pacotes”, e, depois, em “12 pacotes”, pelo gerente de Engenharia, Pedro Barusco, e seu superior, Renato Duque, diretor de Serviços. A refinaria estava, além disso, sob responsabilidade do diretor de Abastecimento, Paulo Roberto Costa.
Assim, o cartel se apossou das obras, repartindo-as entre as empresas do “clube do bilhão” – ou subcontratadas por empresas que dele participavam.
A Odebrecht e a OAS formaram o Consórcio RNEST-CONEST, para dois contratos: de implantação das UHDTs e UGHs (Unidades de Hidrotratamento e Unidades de Geração de Hidrogênio) e de implantação das UDAs (Unidades de Destilação Atmosférica).
Não reproduzimos a parte referente ao contrato para implantação de UDAs (Unidades de Destilação Atmosférica) porque o procedimento fraudulento – com uma única exceção, que já veremos – foi idêntico àquele ocorrido no caso do contrato para implantação de UHDTs e UGHs (Unidades de Hidrotratamento e Unidades de Geração de Hidrogênio).
Porém, a tabela abaixo resume os dois contratos.
Houve, somente nesses contratos, propinas que montaram no mínimo a R$ 140 milhões, 272 mil, 502 reais e 58 centavos, assim distribuídos:
1) Para Renato Duque, Pedro Barusco e o esquema do PT:R$ 93 milhões, 515 mil, um real e 72 centavos;
2) Para Paulo Roberto Costa e o esquema do PP:R$ 46 milhões, 757 mil, 500 reais e 86 centavos.
Ressaltamos que esses são valores mínimos, segundo a força-tarefa da Operação Lava Jato.
Acrescentamos, ao final, trechos de interrogatórios que achamos especialmente esclarecedores.
Quanto ao sobrepreço extorquido da Petrobrás: o primeiro contrato (UHDTs e UGHs) foi assinado por um valor +18,49% que a estimativa da Petrobrás – ou seja, R$ 497 milhões, 874 mil e 135 reais a mais.
Aqui, reside a diferença, que mencionamos, no contrato das UDAs: o Relatório Final da Comissão Interna de Apuração (CIA), estabelecida pela Petrobrás, constatou que, em relação às UDAs, existira uma licitação anterior, anulada “em decorrência de preços excessivos, quando, inicialmente, a estimativa da Petrobrás quedou-se em R$ 1.118.000.000,00 e a menor proposta, apresentada pelo Consórcio RNEST – CONEST, foi de R$ 1.899.000.000,00, ou seja, 69,8% superior”.
Na segunda licitação, a estimativa da Petrobrás era R$ 1.270.508.070,67 e a proposta do Consórcio da Odebrecht e OAS foi R$ 1.478.789.122,90, isto é, +16,4% que a estimativa da Petrobrás, ou seja, R$ 208 milhões, 363 mil e 323 reais a mais.
O contrato foi, afinal, fechado em R$ 1.485.103.583,21, ou seja, +33% que o preço da primeira licitação ou +16,8% que a estimativa da Petrobrás na segunda licitação. Em termos monetários R$ 367 milhões, 103 mil e 583 reais a mais que a estimativa da primeira licitação ou R$ 214 milhões, 595 mil e 512 reais a mais.
Portanto, somando os dois contratos, eles foram assinados por um valor a mais do que a estimativa inicial da Petrobrás entre R$ 712,6 milhões e R$ 865 milhões, dependendo da estimativa inicial de referência.
Não desconhecemos a argumentação do cartel, de que a margem acima da estimativa da Petrobrás não constitui sobrepreço, mas uma adaptação aos custos reais, aos custos do mercado.
É possível que nem toda a margem acima seja sobrepreço, mas é claro que a maior parte é – se não fosse, para que pagar R$ 140,2 milhões (no mínimo) em propinas?
Será que o cartel queria contribuir para o gosto estético do Sr. Renato Duque (e ele, comprando falsificações de quadros, desperdiçou a oportunidade)?
Ou será que essas empresas tiraram as propinas do seu lucro normal – isto é, sem sobrepreço, portanto, diminuindo o seu lucro?
Além disso, as estimativas foram dos engenheiros da Petrobrás, que não são malucos nem vivem em Marte. Pelo contrário, sempre foram profissionais da mais alta qualificação.
Avisamos ao leitor que não está incluído, nas quantias, nenhum aditivo. Como vimos na edição anterior, no caso das obras na REPAR eles foram quase +30% do preço pelo qual fora assinado o contrato.
Para encerrar, todo mundo sabe que a essência do monopólio privado (e não existe outra razão para formar um cartel, exceto estabelecer um monopólio privado) é, exatamente, o sobrepreço.
C.L.
Nas obras da Refinaria Abreu e Lima (RNEST), em Pernambuco, o Consórcio RNEST-CONEST, integrado pela Odebrecht e OAS, venceu certames relacionados a duas obras: a “implantação das UDAs” [UDA = Unidade de Destilação Atmosférica] e a “implantação das UHDTs e UGHs” [UHDT = Unidade de Hidrotratamento; UGH = Unidade de Geração de Hidrogênio].
No caso das UHDTs, os administradores e diretores do Grupo Odebrecht, sob orientação de Marcelo Odebrecht, ofereceram e prometeram o pagamento de vantagens econômicas indevidas ao então Diretor de Serviços da Estatal, RenatoDuque, e ao Gerente Executivo, Pedro Barusco, correspondentes a, pelo menos, R$ 63.812.930,06, ou seja, 2% do valor do contrato original, para que favorecessem as empresas Odebrecht Plantas Industriais e Participações S.A. e Construtora OAS Ltda.
Em adição, ofereceram a Paulo Roberto Costa, Diretor de Abastecimento, diretamente e por meio de Alberto Youssef, R$ 31.906.465,03, ou seja, 1% do valor do contrato original, para, do mesmo modo, favorecer essas empresas.
Renato Duque e Pedro Barusco, bem como Paulo Roberto Costa, diretamente e por intermédio do operador Alberto Youssef, aceitaram tais promessas, passando, em seguida, a receber para si e para outrem, direta e indiretamente, as vantagens indevidas oferecidas/prometidas, no valor total aproximado de, pelo menos, R$ 95.719.395,09, quantia que corresponde a 3% do valor do contrato original.
Visando à “implantação das UHDT’s e UGH’s” da Refinaria Abreu e Lima – RNEST, obra vinculada à Diretoria de Abastecimento da Petrobrás, então comandada por Paulo Roberto Costa, em 02/04/2009 foi iniciado procedimento licitatório perante a Gerência de Engenharia, vinculada à Diretoria de Serviços da Petrobrás, respectivamente ocupadas pelos denunciados Pedro Barusco e Renato Duque.
O valor da estimativa sigilosa da empresa petrolífera foi inicialmente calculado em R$ 2.821.843.534,67.
O procedimento licitatório foi nitidamente direcionado em favor do cartel, sendo que absolutamente todas (o pleonasmo, aqui, é necessário) as empresas convidadas pertenciam a ele.
As empresas convidadas foram: Construções e Comércio Camargo Corrêa S.A., Construtora Andrade Gutierrez S.A., Odebrecht Plantas Industriais e Participações S.A., Construtora Queiroz Galvão S.A., Construtora OAS Ltda., Engevix Engenharia S.A., Iesa Óleo e Gás S.A., Mendes Junior Trading e Engenharia S.A., MPE Montagens e Projetos Especiais S.A., SOG – Sistemas em Óleo e Gás S.A., Skanska Brasil Ltda., Techint Engenharia e Construções S.A., UTC Engenharia S.A., GDK S.A. e Promon Engenharia Ltda.
Em um primeiro momento, três consórcios e a Mendes Júnior apresentaram propostas, sendo que a menor delas, pelo Consórcio RNEST-CONEST, foi no montante de R$ 4.226.187.431,48, muito superior, portanto, ao valor máximo de contratação da Petrobrás (+49,7%).
[Nota MPF: O valor máximo de contratação pela Petrobrás é fixado em 20% sobre o valor da estimativa, o que, no caso concreto e considerado o valor final da estimativa, corresponderia a R$ 3.386.212.241,60.]
Vale destacar que as propostas apresentadas pelas outras quatro concorrentes, todas elas, ultrapassaram em muito o referido valor máximo de contratação, frustrando totalmente o caráter competitivo do certame.
Na segunda apresentação de propostas, a estimativa da Petrobrás foi reduzida para R$ 2.718.885.116,37.
[Nota MPF: Ressalte-se que, nos moldes verificados, a revisão de estimativa consiste em afronta às regras dos procedimentos licitatórios da Petrobrás, conforme apontou o relatório final elaborado pela Comissão Interna de Apuração instaurada para apuração de irregularidades atinentes aos procedimentos licitatórios da RNEST.]
A proposta apresentada pelo Consórcio RNEST-CONEST foi, novamente, a menor, R$ 3.260.394.026,95, muito próxima, portanto, ao valor máximo de contratação (+19,9%), enquanto as demais o ultrapassaram.
Em decorrência disso o ajuste previamente feito no âmbito do “Cartel”, que contou com o apoio dos referidos empregados da Petrobrás, prevaleceu.
[Depoimento de Pedro Barusco: “… indagado se possui provas relacionadas ao ‘cartel’ na Petrobrás, o declarante apresenta um documento oficial contemporâneo a julho de 2008, que se refere ao encaminhamento do pedido para instaurar doze pacotes para obras na Refinaria Abreu e Lima (RNEST); Que nestes processos que envolveram a contratação dos consórcios para obras na RNEST, o declarante entende que houve a atuação do cartel de empresas, pois os pacotes de obras foram divididos entre vários consórcios compostos pelas empresas do cartel e os contratos foram firmados com preços perto do máximo do orçamento interno da Petrobrás; Que, por exemplo, o pacote de obras para o UHDT – Unidade de Hidrotratamento, foi fechado a R$ 3,19 bilhões, cuja proposta foi do consórcio CONEST, composto pela Odebrecht e a OAS; Que os quatro grandes pacotes da RNEST foram efetivamente licitados, mas os contratos foram fechados no ‘topo do limite’” (Termo de colaboração no 02 – ANEXO 24).]
Aberta nova oportunidade para apresentação de proposta, o Consórcio RNEST-CONEST fixou o valor de R$ 3.209.798.726,57, enquanto a Petrobrás reduziu a sua estimativa para o montante de R$ 2.692.667.038,77, de modo que o Consórcio chegou, novamente, a um valor bastante próximo à estimativa [máxima] da estatal (+19,2%).
A propósito, cumpre mencionar que a Comissão Interna de Apuração da Petrobrás instaurada para verificar a existência de não-conformidades nos procedimentos licitatórios para obras da RNEST identificou diversas irregularidades. Dentre elas, pode-se considerar, por exemplo, a alteração de percentuais da fórmula de reajuste de preços ao acolher sugestões de empresas licitantes, bem como a não-inclusão de novos concorrentes após o cancelamento de um procedimento licitatório por preços excessivos. Além disso, importante referir que os atos foram realizados anteriormente à aprovação da Diretoria Executiva, notadamente o início do certame e a alteração do modelo contratual.
Após as tratativas de praxe, foi celebrado, em 10/12/2009, o contrato entre a Petrobrás e o referido consórcio, no valor de R$ 3.190.646.503,15.
Todo o procedimento licitatório foi comandado pelo então Gerente Executivo de Engenharia, Pedro Barusco, responsável pela negociação e o efetivo recebimento das vantagens indevidas em nome próprio e como representante de Renato Duque.
Vejamos agora alguns trechos dos interrogatórios.
Primeiro, o interrogatório do doleiro Alberto Youssef:
“JUIZ FEDERAL SÉRGIO MORO: Depois consta aqui contrato na RNEST, Refinaria Abreu e Lima, CONEST, integrado pela empreiteira OAS.
YOUSSEF: Este contrato, sim, eu tratei.
JUIZ FEDERAL: Com quem o senhor negociou esse contrato?
YOUSSEF: Márcio Faria, da ODEBRECHT, e Agenor Ribeiro, da OAS.
JUIZ FEDERAL: O senhor participou de reuniões em que eles estavam juntos?
YOUSSEF: Os dois juntos.
(…)
YOUSSEF: A OAS pagou através do consórcio.
JUIZ FEDERAL: Do consórcio?
YOUSSEF: Foi emissão de notas. A Odebrecht pagou lá fora e pagou aqui em dinheiro efetivo.
JUIZ FEDERAL: Aqui na verdade são dois contratos do…
YOUSSEF: Somando os dois contratos seria 40 e poucos milhões e acabou virando, se eu não me engano, 20 milhões ou 25 milhões, alguma coisa nesse sentido.
JUIZ FEDERAL: Contrato para implantação da UHDT, UGH e depois um outro contrato da UDA.
YOUSSEF: É que somando os dois contratos dá 4 bi e pouco.”
Vejamos o interrogatório do ex-diretor de Abastecimento Paulo Roberto Costa:
JUIZ FEDERAL: Pois tem aqui a referência na obra da RNEST, obras de implantação da UHDT e UGH, que é o Consórcio RNEST CONEST, integrado pela OAS também. O senhor sabe me dizer se nesse caso houve pagamento de propina ou comissionamento?
PAULO ROBERTO COSTA: Provavelmente, sim.
JUIZ FEDERAL: Provavelmente ou teve?
PAULO ROBERTO COSTA: Todas as empresas que participavam do cartel tinham esse pagamento, agora é interessante se o senhor pudesse me falar quem mais integrava esse consórcio.
JUIZ FEDERAL: Seria aqui Odebrecht e OAS.
PAULO ROBERTO COSTA: Sim. A resposta é sim.
JUIZ FEDERAL: Também aqui há referência do contrato, também RNEST-CONEST para implantação das UDAs da Refinaria Abreu Lima. As mesmas empresas, Odebrecht e OAS.
PAULO ROBERTO COSTA: Sim.
JUIZ FEDERAL: O senhor sabe me dizer se houve aqui pagamento também de propina?
PAULO ROBERTO COSTA: Sim, sim.