Publicamos uma análise do economista Francisco Enrich em seu artigo, com o título original de “Dilemas econômicos do chavismo”, no qual ele observa o condicionamento central da economia do país, ao afirmar que “a Venezuela tem sido um país puramente importador de produtos que, na época de bonança petroleira como a que viveu Hugo Chávez, permitiu alcançar altos níveis de desenvolvimento em indicadores sociais e econômicos do país, além de melhorias na qualidade de vida, desenvolvimento humano, redução da pobreza e expectativas para o futuro, mas com uma sustentabilidade questionada devido precisamente a essa natureza puramente importadora e sem articulações de estabilização institucionalizadas e transparentes”
Francisco Enrich *
Todo aquele que tente analisar a realidade econômica da Venezuela na atualidade, necessariamente deve incluir em sua análise o fator petróleo, o qual tem condicionado a economia do país a depender exclusivamente, durante décadas, da renda petroleira em desprezo da ativação de outros motores da economia.
Sob este condicionante têm atuado os distintos governos desde o descobrimento da commodity nos princípios do Século XX até a atualidade, sendo o petróleo o principal provedor de divisas do Estado venezuelano com quase 90% de cobertura dos ingressos.
Esta realidade de país rentista petroleiro, com uma economia base de corte capitalista importador, tem levado os distintos governos que o país teve a aproveitar seus períodos de turno para assumir o maior crédito político através do gasto e uso particular da renda, muitas vezes sem fazer os investimentos necessários para sustentar as contas públicas ou inclusive deixar de lado a responsabilidade de poupar para próximas gerações através de esquemas de estabilização para períodos de instabilidade, seja do mercado petroleiro ou do sistema político.
Da mesma forma, a Venezuela tem sido um país puramente importador de produtos que, na época de bonança petroleira como a que viveu Hugo Chávez, permitiu alcançar altos níveis de desenvolvimento em indicadores sociais e econômicos do país, além de melhorias na qualidade de vida, desenvolvimento humano, redução da pobreza e expectativas para o futuro, mas com uma sustentabilidade questionada devido precisamente a essa natureza puramente importadora e sem articulações de estabilização institucionalizadas e transparentes.
Este esquema não foi resolvido nem pelo governo de Hugo Chávez nem pelo de Nicolás Maduro. De fato, é provável que em termos quantitativos tenha se incrementado a dependência. É por isso que não é casualidade que uma vez que caem os preços do petróleo em 2015, o governo de Nicolás Maduro inicia uma das mais graves crises estendida até agora, que é acompanhada da ineficiência governamental, a falta de institucionalidade para a poupança e, claro, as medidas unilaterais dos EUA que foram crescendo de forma paulatina desde 2013 até o que é hoje o bloqueio que impede a livre comercialização e acesso a financiamentos.
Nessa ordem de idéias, a prática de resolver os problemas públicos através da importação de produtos com recursos da renda petroleira chegou ao fim. Apesar disso, o governo bolivariano empenhou-se em manter grandes investimentos sociais, enquanto em paralelo se armavam casos de corrupção milionários posteriores à morte de Hugo Chávez, caía o preço do petróleo e se iniciava a arremetida dos EUA para desestabilizar política e economicamente o país.
Além disso, o chavismo sofreu (e sofre) um dos males que parte da esquerda tem vivido ao priorizar a formação e o desenvolvimento da dimensão política e social, em detrimento do fator econômico toda vez que acontecia a época de maior bonança petroleira.
Atrás de manter bem-estar social, descuidou-se de forma crítica fatores econômicos como a impressão de dinheiro inorgânico, a inflação, a continuidade e inércia sobre o controle cambial e de preços; enquanto se dirigia sem maior critério econômico a política monetária e fiscal, o desempenho macroeconômico, a gestão das empresas públicas, acompanhado da opacidade ou tergiversação das estatísticas oficiais, tudo isso sob o respaldo de diversos fatores internos que sustentam dogmas considerados “socialistas”, sobre a direção econômica do país.
A ineficiência governamental atingiu tal estado, que a petroleira estatal que fornece quase a totalidade das divisas no país, PDVSA, hoje tem uma produção de 750 mil barris de petróleo diários, quando em 2013 alcançava 3,5 milhões. Ou seja, podemos inferir a significância que resulta semelhante queda da produção petroleira e a dificuldade para comercializar o recurso, com a qualidade de vida de uma população que depende quase exclusivamente da rentabilidade de dita indústria.
Hoje em dia, o governo atende vários destes dilemas econômicos, a maioria deles reconhecidos publicamente há um ano quando Nicolás Maduro anunciou o lançamento do Programa de Recuperação, Crescimento e Prosperidade Econômica. De fato, o governo – com relativa discrição – tem ido corrigindo alguns dos desajustes econômicos associados aos controles cambiários e de preços, à promoção do investimento privado nacional e internacional e o maior equilíbrio da política monetária e fiscal.
Não obstante, dito reconhecimento surge em fase posterior ao início da crise e junto com o início do bloqueio financeiro internacional, que ainda impede a comercialização de petróleo e quase qualquer outro produto, barra o acesso ao financiamento internacional necessário para reativar tanto a indústria petroleira como os demais motores da economia.
Desde a nossa perspectiva, a Venezuela e o governo de Nicolás Maduro não têm outra alternativa para superar a crise econômica que não seja através de um acordo que traga estabilidade política ao país, e deste modo poder avançar em direção à verdadeira recuperação econômica com um programa de reformas integral que destrave os distintos nós ocasionados pela ineficiência governamental e pelas medidas coercitivas internacionais.
* Cientista político venezuelano, mestre em Gerência Pública. O artigo foi publicado inicialmente na sexta-feira, 13, no Notícias de América Latina e o Caribe, Nodal, portal de informação dedicado aos acontecimentos políticos, sociais e culturais na região,