O jornal chinês de língua inglesa, Global Times, destacou que as sanções econômicas contra a Rússia, decretadas a partir do conflito na Ucrânia, bem como a política monetária egoísta norte-americana, vêm conduzindo, como ressaltou o portal russo Sputnik, à fragilização do dólar como moeda global.
“Washington só pode culpar a si próprio pela crescente tendência de desdolarização”, afirma o artigo de Wen Sheng, que expõe alguns dos elementos dessa questão.
O artigo registra ainda que as sanções, usadas para coagir empresas e países que buscam negociar com o governo Putin, também têm afetado a cadeia produtiva.
A “política monetária egoísta” conduzida pelo Federal Reserve em beneficio dos especuladores de Wall Street, vem “criando altos e baixos cíclicos de liquidez e crises inflacionárias” como a atual, de mais 8,5%, um número “não visto há 40 anos”, acrescenta Wen.
Política que repercute nos países emergentes que sofrem fuga de capitais e são obrigados a suspender o pagamento da dívida externa, como aconteceu recentemente no Sri Lanka.
“Nos últimos anos, com o uso crescente do dólar como arma e a inclinação de Washington de usar o dólar para sancionar os chamados países ‘rebeldes’ aos olhos dos Estados Unidos, muitos países do mundo acordaram e começaram a experimentar negociar em suas próprias moedas nacionais e usar outros sistemas de pagamento e liquidação de transações, além do SWIFT (Sociedade para Telecomunicações Financeiras Interbancárias Mundiais), que está amplamente à disposição do governo dos EUA”, assinala o jornalista.
Exemplo disso é a própria Rússia, que, uma vez impostas as sanções, estabeleceu o pagamento das exportações de petróleo e gás, além de grãos e fertilizantes químicos, em rublos, o que ajudou a manter a estabilidade de sua moeda.
“O movimento altamente ousado e inovador da Rússia para estabilizar sua própria moeda em tempos de dificuldade tem incentivado outros governos a seguir o exemplo”.
Moscou também já vendeu quase todos os seus títulos em dólar, enquanto “as outras grandes economias do mundo começam a despejar títulos do Tesouro dos EUA e outros ativos em dólares americanos”, acrescenta.
Para o Sputnik News, a Rússia e China têm sido dois dos principais países do sistema internacional a buscarem a construção de alternativas à dependência da moeda dos Estados Unidos -conforme a própria mídia ocidental tem apontado, os dois países estão criando seu próprio sistema financeiro, independente do Ocidente.
O Novo Banco de Desenvolvimento, o banco do BRICS, é um claro exemplo dessa busca por uma nova ordem econômica. A desdolarização tem levado à realização de transações comerciais em outras moedas e à desvinculação das reservas internacionais do dólar, acrescenta.
DECLÍNIO DE DUAS DÉCADAS
Conforme o GT, essa tendência de desdolarização já era percebida “desde 2020”. Durante o quarto trimestre, os ativos em dólares dos bancos centrais mundiais caíram abaixo de 59%, enquanto no primeiro trimestre [de 2021] a queda continuou, segundo relatório do Fundo Monetário Internacional (FMI), observa Wen.
“Embora a presença da moeda no comércio global, dívida internacional e empréstimos não bancários ainda ultrapasse em muito a participação dos EUA no comércio, emissão de títulos e empréstimos internacionais, os bancos centrais não estão mantendo o dólar em suas reservas na proporção em que fizeram no passado”, registra o FMI, apontando para um declínio de duas décadas.
As tentativas de negar o crescimento econômico da China — incluindo boicotes tecnológicos —, a aquisição de dívida para lidar com a pandemia de Covid-19 e as mencionadas políticas monetárias restritivas são elementos que, segundo Wen, permitem que uma mudança monetária seja iniciada para questionar o predomínio do dólar.
ABAIXO DE US$ 1 TRI PELA PRIMEIRA VEZ DESDE 2010
Também segundo o Global Times, com base nos dados do Departamento do Tesouro norte-americano, em junho os títulos de dívida do governo dos EUA em posse da China caíram abaixo da marca de US$ 1 trilhão em maio, pela primeira vez desde junho de 2010. O continente chinês detinha US$ 967,8 bilhões de títulos do Tesouro dos EUA em junho, abaixo dos US$ 980,8 bilhões no final de maio.
Para o jornal chinês, o recorde de mínima renova a polêmica sobre o que está por trás da tendência de queda em meio à escalada das tensões entre as duas maiores economias do mundo e uma economia em crise nos EUA. “A retração do estoque indica os esforços contínuos do país para reestruturar suas reservas de divisas longe da dívida do governo dos EUA”, argumentaram alguns especialistas. Outros o interpretaram como um exemplo de “oscilação dos saldos em aberto”, no contexto de um ciclo de subida das taxas de juros.
A tendência de queda contínua sinaliza principalmente a realocação de suas carteiras forex do país, colocando-se em melhor posição para a cobertura de riscos, disse Tan Yaling, chefe do Instituto de Pesquisa de Investimentos Forex da China, ao GT na terça-feira. Ao invés de se fixar na dívida do governo americano, o país passou a diversificar suas reservas cambiais para ativos denominados em outras moedas, disse Tan.