“Aproximar-se da realidade econômica faria o Banco Central enxergar que, no atual contexto econômico brasileiro, uma das causas da inflação são os próprios juros mantidos em níveis estratosféricos”, aponta o presidente da Abradin
O economista Aurélio Valporto, presidente da Associação Brasileira de Investidores (Abradin), contesta neste artigo as alegações do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, para manter os juros básicos da economia em 13,75%, a maior taxa real do mundo.
“Demonstrando estar absolutamente desconectado da realidade econômica do país, o que o Banco Central do Brasil fez foi aumentar os juros de forma tresloucada, asfixiando a economia, sem combater a inflação, que não é de demanda. O aumento nos juros não conduz ao controle da inflação, pelo contrário, aumenta os custos financeiros de toda a economia e retrai ainda mais a demanda”, destacou.
“A inflação cedeu no segundo semestre do ano passado, mas não por causa dos juros, mas apesar deles, cedeu por causa da enorme queda nos preços internacionais do petróleo, que levaram à queda dos seus derivados, especialmente os combustíveis, a queda dos alimentos, também nos mercados internacionais, e a queda no preço da energia elétrica devido ao aumento no nível dos reservatórios das hidrelétricas”, explicou o economista. Confira o artigo na íntegra!
OS JUROS INFLACIONÁRIOS
AURÉLIO VALPORTO
A Americanas S/A, maior varejista de lojas físicas do Brasil e, portanto, a maior formadora de preços no varejo do país – a referência a ser seguida – em seu pedido de recuperação judicial enumerou diversas causas para a crise que assolou a empresa. Entre elas encontramos a alegação de que a indústria subiu fortemente os preços como reflexo da taxa de juros elevada, em seguida emenda que “as famílias brasileiras, endividadas e com poder de compra reduzido, deixaram de comprar itens mais caros”.
O que temos aqui então é que, de acordo com a própria varejista, a disparada dos juros ao longo de 2022, longe de combater a inflação, era importante componente da própria inflação. Os juros altos provocaram aumento dos preços! Isso se explica porque ao elevar os juros se eleva o custo financeiro das empresas e, portanto, financiar a atividade econômica passa a custar mais caro. O custo do capital de giro aumenta e mesmo para as raríssimas empresas que não têm passivo, que financiam toda sua operação com capital próprio, o custo de oportunidade dos produtos que ofertam sobe junto com os juros. Como se não bastasse, a Americanas informa ainda que, como o custo do endividamento e do crédito subiu, foi reduzido o poder de compra do povo brasileiro, que deixou de comprar produtos mais caros.
Em outras palavras e resumidamente, o que a mais importante formadora de preços no varejo do país alega é que os juros impostos pelo Banco Central Brasileiro são inflacionários e recessivos! É o testemunho prático do quão equivocada é a política monetária executada pelo Banco Central do país.
Inflação é um sintoma de alguma “doença econômica” e existem várias “doenças” que podem resultar neste sintoma. Segundo o raciocínio pedestre, os preços aumentam, causando inflação, porque as pessoas estão comprando muito e quem vende percebe que pode cobrar mais caro, uma vez que seus estoques estão acabando rapidamente. Essa seria a clássica inflação de demanda que o “terraplanismo econômico” costuma atribuir simplesmente à emissão de moeda pelo governo.
De fato, pode ocorrer inflação por excesso de demanda, mas esta é somente uma das inúmeras razões que podem disparar um processo inflacionário. A inflação de demanda pode ser combatida por restrição da demanda. Embora aumentar a oferta seja mais desejável, isso implica, em geral, em expansão da economia, que é o que todos queremos, mas é um processo demorado. Por esse motivo, o aumento nas taxas de juros, que aumenta o custo dos investimentos e do consumo, reduzindo a velocidade de circulação do agregado monetário, pode ser um remédio, embora amargo, a ser empregado, mas exclusivamente nesses casos.
Por outro lado, existem processos inflacionários em que a elevação dos juros não só não combate a inflação como, pelo contrário, a alimenta, apesar de provocar redução na demanda. Entre eles estão a inflação provocada por um desequilíbrio estrutural de preços relativos, que não vamos descrever aqui, e a inflação de custos, que ocorre quando há aumento nos preços básicos da economia com reflexo em toda sua estrutura de preços, alterando a relação de troca entre os produtos (os famosos preços relativos).
Preços básicos da economia são aqueles indispensáveis ao próprio funcionamento da economia, como energia (combustível e elétrica) e alimentos. Por serem essenciais, o preço desses bens impacta toda a cadeia produtiva e são chamados de inelásticos, porque sua demanda pouco se modifica diante do aumento de seus preços. É diferente de um picolé, por exemplo, cujo aumento no seu preço tem impacto virtualmente nulo sobre os demais preços e sua demanda se retrai significativamente diante de preços mais altos.
Pois bem, durante a pandemia assistimos a uma disparada nos preços de praticamente todas as formas de energia, fato agravado pelo início da guerra da Ucrânia, que elevou sobremaneira o preço do petróleo. Houve uma disparada também dos preços internacionais de alimentos e no Brasil assistimos a uma elevada desvalorização cambial, que impacta de forma decisiva os preços internos, como o dos próprios combustíveis, que seguem uma paridade internacional, assim como o dos alimentos.
Como são preços básicos, de produtos essenciais à economia, afetaram toda a estrutura de preços do país, que precisaram se reorganizar em novas relações de troca. Houve um aumento generalizado de custos de produção de bens e serviços e essa busca por novas relações de troca implicou em aumento generalizado dos preços, a temida inflação.
Ocorre que esta inflação de custos implica, necessariamente, na redução da demanda. Se os gastos com energia e alimentação aumentam, os custos de virtualmente tudo aumenta, como o custo de produção de vestuário, serviços de hotelaria, restaurantes etc. Por outro lado há cortes em despesas que podem ser consideradas supérfluas e este conceito varia de pessoa para pessoa. Isso resulta em redução do potencial econômico da sociedade, reduzindo a taxa de crescimento ou mesmo provocando retração.
Nesse contexto, em que os preços estão subindo por conta de um aumento generalizado nos custos de produção e a demanda já se encontra retraída por causa dos motivos que citamos, um aumento nos juros não conduz ao controle da inflação, pelo contrário, aumenta os custos financeiros de toda a economia e retrai ainda mais a demanda. Mas, demonstrando estar absolutamente desconectado da realidade econômica do país, foi exatamente isso que o Banco Central do Brasil fez. Aumentou os juros de forma tresloucada, asfixiando a economia, sem combater a inflação, pelo contrário. Sim, a inflação cedeu no segundo semestre do ano passado, mas não por causa dos juros, mas apesar deles, cedeu por causa da enorme queda nos preços internacionais do petróleo, que levaram à queda dos seus derivados, especialmente os combustíveis, a queda dos alimentos, também nos mercados internacionais, e a queda no preço da energia elétrica devido ao aumento no nível dos reservatórios das hidrelétricas. Preços básicos. De forma contrária ao processo anterior, isso resultou em uma redução generalizada nos custos da economia, fato que se refletiu nos índices de preços.
Hoje a economia brasileira não retornou à sua estrutura de preços relativos pré pandemia e está com sua capacidade de oferta muito superior à demanda. A indústria automobilística está paralisando por falta de compradores, a safra de 2023 vai bater todos os recordes de produção, mas temos um Banco Central alienado agarrado às crenças pedestres das causas inflacionárias, que sequer pesquisa junto aos grandes formadores de preços da economia o que está levando ao aumento destes. Aproximar-se da realidade econômica faria o Banco Central enxergar que, no atual contexto econômico brasileiro, uma das causas da inflação são os próprios juros mantidos em níveis estratosféricos, como a Americanas revelou em seu plano de recuperação judicial.