Os crimes do cartel do bilhão contra o Brasil (20)
(HP 21/10/2015)
CARLOS LOPES
A confissão do sr. Fernando Antonio Falcão Soares – que, apesar de alagoano, tem o apelido de “Baiano” – mesmo em meio à fieira de confissões da Operação Lava Jato, é bastante incomum.
Abaixo, condensamos um dos vários depoimentos de Fernando Soares. Por mais que tentássemos, não conseguimos reduzi-lo a uma página. Por isso, os leitores terão, nesta e na próxima edição, esse relato, que parece um jorro vindo das entranhas da máfia.
Até aí, se fosse para ler alguma coisa sobre a máfia, seria melhor – ou mais agradável – recorrer a algum dos milhares de best-sellers norte-americanos sobre o assunto.
A diferença é que, no relato de Soares, entre os personagens, está o presidente da Câmara dos Deputados, o presidente do Senado, um ministro de Estado, senadores, deputados e toda uma corte do que se chama “vida política” no Brasil.
Essa é a situação a que nos levou a política de comprar apoio, instituída pelo dilmismo, para (supostamente) se perpetuar no poder – sem algo que se possa chamar de compromisso político, vale dizer, de um projeto para o país.
O estelionato eleitoral é apenas a face mais óbvia dessa política de compra e venda.
Evidentemente, com isso, o país foi entregue ao que existe de pior em todos os partidos governistas – inclusive, e sobretudo, ao que há de pior no PT.
A Operação Lava Jato apenas revelou – e ainda está revelando – essas consequências.
Na medida em que aparecem essas revelações, no entanto, a deterioração governista, a decomposição do que está no poder, torna-se mais acelerada. A catalisação do apodrecimento, uma vez revelado, é inevitável, quando se prefere a podridão – e ainda, para persistir nela, classifica-se o esgoto como o ambiente natural da “esquerda” ou da “democracia”.
Sobre isso, resta observar que não é à toa que Dilma substituiu os “trabalhadores” que estão no nome de seu próprio partido pela “classe média” – uma classe média de fantasia, não aquela que realmente existe – como suposto ideal. Naturalmente, essa substituição também nada tem a ver com alguma “classe média” verdadeira. É apenas um apelido para o lumpen, a base do fascismo, sempre manipulado pelo que há de mais reacionário, de mais retrógrado, de mais opressor, de mais monopolista.
Muito sintomática é a maneira que os órgãos dilmistas estão tratando a confissão de Fernando Soares.
Algo evidente em seu depoimento é que o governo – e aqui é especificamente o governo Dilma – deixou o sr. Eduardo Cunha locupletar-se a partir de 2011. É isso o que explica seu extraordinário poder de ajudar colegas a se elegerem, em 2014, que redundou em sua eleição à presidência da Câmara, um lugar onde já esteve um Ulysses Guimarães.
Essa tomada das instituições pelo lumpen é uma consequência direta da política seguida pelo PT no governo – convenhamos que Cunha na Câmara, Renan reinando no Senado, ou Kátia Abreu como ala esquerda do Ministério, é algo inédito, pela mediocridade, na História do país. Nem Collor conseguiu juntar tantas nulidades, ao mesmo tempo, em tantos lugares.
Porém, diz um dilmista sobre os depoimentos de Fernando Soares: “Baiano diz que iniciou negócios na Petrobrás no governo FHC”.
É verdade, mas, por que isso tornaria menos graves os crimes contra a Petrobrás cometidos ao abrigo dos governos posteriores?
Em absolutamente nada, exceto se a tese for a de que, se os tucanos roubaram, os neo-tucanos – isto é, os dilmistas – também estão liberados para roubar.
O fato da ação de Fernando Soares ter se iniciado no governo Fernando Henrique, apenas enfatiza que os dilmistas, mais uma vez, aproveitaram os restos do esquema dos tucanos. Em suma, nem no roubo conseguem ser originais.
Entretanto, mesmo assim há um problema: Fernando Soares, segundo seu depoimento, começou a operar dentro da Petrobrás para a Unión Fenosa, multinacional com sede na Espanha, que se aboletou aqui aproveitando-se das privatizações de Fernando Henrique.
Estavam aproveitando o “apagão” para ganhar dinheiro no ramo das termelétricas, às custas da Petrobrás, pois o único plano de Fernando Henrique para combater o apagão provocado por sua própria política de privatização, era fazer a Petrobrás arcar com uma série de termelétricas. A Unión Fenosa, nessa época, estava vendendo manutenção de termelétricas, enquanto açambarcava partes de estatais por preços amesquinhados, e, no caso da Companhia Estadual de Gás (CEG) do Rio, uma estatal inteira.
Mas resta provar que o esquema daquela época tinha as mesmas características do esquema de hoje. Até gostaríamos que fosse assim, mas, infelizmente, as provas ainda não apareceram. Como o PT está no governo e o PSDB está fora do governo, não deveria ser difícil obter tais provas.
DÓLARES
Mas apareceram as provas do esquema atual. Vejamos o depoimento de Fernando Soares, no último dia 10 de setembro:
“… o depoente, em relação aos contratos de aquisição dos navios sondas Petrobrás 10000 e Vitória 10000, deveria receber, a título de comissão, a quantia total US$ 35 milhões de dólares”.
Já abordamos a aquisição desses navios. Foi a própria Petrobrás, em auditoria interna, que apontou a maior parte das irregularidades:
“Em curto período, houve reajuste de 3% (US$ 19 milhões) no preço de construção dos navios-sondas Petrobrás 10000 e Vitória 10000 pela SHI [Samsung], sem indicação de qualquer objeção ou questionamento pela Área Internacional. Ao final das construções, a diferença foi de 5% (US$ 31,5 milhões) num período inferior a 1 ano” (Petrobrás, “Relatório de Auditoria Interna R-02.E.003/2015”, v. HP 02/10/2015).
A comissão do operador era, portanto, até maior que a diferença de preço detectada pela Petrobrás.
Mas isso é apenas a comissão de Soares – e do PMDB. Além disso, havia a comissão do operador da Samsung, Júlio Camargo. Este confessou que distribuiu US$ 40 milhões em propinas, o que incluiria o que passou para Soares. No entanto, segundo o relato deste último:
“… entre 2006 e 2007 os valores foram pagos normalmente por Júlio Camargo;
“… porém, a partir de 2007, com a assinatura do segundo contrato de navio sonda (Vitória 10000), Júlio Camargo passou a ‘enrolar’ os pagamentos e, em 2008, com a saída de [Nestor] Cerveró da Diretoria Internacional, os pagamentos cessaram de vez;
“… o valor devido por Júlio Camargo neste momento (ou seja, em 2008), para o depoente, referente às duas sondas (Petrobrás 10000 e Vitória 10000) era de aproximadamente US$ 16 milhões de dólares;
“… do valor total de US$ 35 milhões de dólares que Júlio Camargo deveria repassar (US$ 15 milhões em relação à Petrobrás 10000 e US$ 20 milhões da Vitória 10000), ele havia pago aproximadamente US$ 19 milhões de dólares entre os anos de 2006 e princípio de 2008”.
Foi, então, que Fernando Soares recorreu ao deputado Eduardo Cunha:
“… o depoente conheceu o Deputado Eduardo Cunha em 2009, em um café da manhã no Hotel Marriot, no Rio de Janeiro, com um empresário angolano muito importante, chamado general João Baptista de Matos;
“… no ano de 2009, o depoente ligou para o gabinete de Eduardo Cunha e pediu para marcar uma audiência com ele;
“… esta reunião ocorreu em Brasília, no gabinete de Eduardo Cunha; o depoente afirmou, ao marcar a reunião, que queria conversar com ele sobre empresas espanholas que queriam desenvolver negócios no Brasil;
“… a partir daí teve mais algumas vezes com Eduardo Cunha, inclusive no escritório dele no Rio de Janeiro; o escritório de Eduardo Cunha ficava no Edifício De Paoli, na Avenida Nilo Peçanha, ocupando um conjunto de aproximadamente três salas;
“… a partir de 2010, em uma destas conversas, Eduardo Cunha perguntou se as empresas que o depoente representava não tinham interesse em fazer doações para a campanha dele;
“… então voltou a ter outra conversa com Eduardo Cunha, em 2010, no escritório dele no Rio de Janeiro, oportunidade em que o depoente explicou tudo o que tinha ocorrido na contratação das duas sondas;
“… disse a Eduardo Cunha que esta dívida girava em tomo de US$ 16 milhões de dólares na época;
“… disse a Eduardo Cunha inclusive que teve pagamentos para políticos do PMDB por intermédio de Jorge Luz, referente à primeira sonda;
“… fez menção ao nome dos políticos Renan Calheiros e Jader Barbalho, como destinatários de parte dos valores referentes à primeira sonda;
“… o depoente disse a Eduardo Cunha que, caso lograsse obter o pagamento, repassaria 20% para a campanha dele;
“… Eduardo Cunha deu o de acordo e autorizou o depoente a usar o nome dele para cobrar os valores devidos de Júlio Camargo;
“… marcou, então, uma segunda reunião com Júlio Camargo, ainda em 2010, no escritório dele, na Rua da Assembleia;
“… disse a Júlio Camargo que se não desse uma resolução rápida à questão o depoente iria trazer o Eduardo Cunha para conversar com ele;
“… Júlio Camargo disse que iria tentar resolver e retomar as conversas com a Samsung, buscando ajuda da Mitsui nas cobranças e, em seguida, daria uma posição, mas ele buscou ganhar tempo e enrolar, como era natural dele;
“… houve uma segunda reunião com Júlio Camargo, ainda em 2010, na qual ele disse que a Mitsui estava conversando com a Samsung, buscando ajudá-lo no pagamento, e que havia possibilidade de melhor êxito;
“… ainda no segundo semestre de 2010, o depoente esteve com Eduardo Cunha, na casa dele, na Barra da Tijuca, no condomínio Park Palace; no referido condomínio há uma câmera logo que se chega, apontada para quem está dentro do veículo; após anotar a placa, se questionava qual seria o destino e então era feita uma ligação pelo funcionário da guarita para a casa de Eduardo Cunha, pedindo autorização para entrar; havia todo o procedimento de, ao menos aparentemente, estar sendo registrado; questionado onde é a casa dele, respondeu que, entrando pela portaria principal do condomínio, virando à esquerda, acredita que seja a quarta casa da rua, sendo uma casa amarela, com alguns detalhes brancos; é uma casa de dois andares, sendo uma casa aparentemente espaçosa; na casa de Eduardo Cunha, ao adentrar, o escritório onde se reunia com ele ficava na primeira porta do lado esquerdo, razão pela qual não teve muito contato com o restante da residência;
“… nesta reunião o depoente explicou a Eduardo Cunha que tinha feito duas reuniões com Júlio Camargo, assim como alguns contatos telefônicos, mas que Júlio Camargo ainda estava buscando ganhar tempo, ‘empurrando com a barriga’;
“… como estava no auge da campanha eleitoral, Eduardo Cunha disse que naquele momento não tinha como gastar tempo com aquilo, mas que iria pensar em algo e voltaria a falar com o depoente oportunamente;
“… depois disso só voltou a falar com Eduardo Cunha após as eleições, oportunidade em que esteve no escritório dele para parabenizá-lo pela reeleição, mas acabaram não tratando deste assunto, apenas de amenidades;
“… já em 2011, a partir de março, o depoente teve nova reunião na residência de Eduardo Cunha;
“… nesta reunião, o depoente perguntou se não poderia ser retomado o assunto de Júlio Camargo e o que Eduardo Cunha poderia fazer;
“… embora em um primeiro momento o acordo fosse de apenas usar o nome de Eduardo Cunha, nesta reunião o depoente falou para Eduardo Cunha que seria necessário uma pressão mais forte, como uma reunião em que ele estivesse presente ou outra coisa do tipo;
“… então o depoente propôs a Eduardo Cunha que, do valor que deveria receber na época, iria repassar 50% do que recebesse de Júlio Camargo para Eduardo Cunha;
“… o valor era, conforme dito, de US$ 16 milhões na época;
“… Eduardo Cunha disse ao depoente que iria pensar em algo que tivesse um resultado mais efetivo e voltaria a falar com o depoente”.
O ACHAQUE
Fernando Soares descreve, então, a ideia de Eduardo Cunha para arrancar o dinheiro:
“… um tempo depois, por volta de abril de 2011, Eduardo Cunha mandou uma mensagem, pedindo para o depoente se encontrar com ele no escritório do Rio de Janeiro de Eduardo Cunha;
“… nesta reunião Eduardo Cunha disse ao depoente que havia tomado a decisão de fazer um requerimento na Comissão de Fiscalização da Câmara, pedindo explicações sobre os negócios de Júlio Camargo;
“… então Eduardo Cunha pediu ao depoente explicações mais detalhadas sobre os negócios de Júlio Camargo junto à Petrobrás;
“… o depoente afirmou que o negócio das sondas era algo pontual de Júlio Camargo e que ele não era um representante exclusivo da Samsung;
“… esclareceu a Eduardo Cunha que os negócios mais importantes de Júlio Camargo eram a atuação dele como representante da Mitsui e da Toyo junto à Petrobrás;
“… Eduardo Cunha disse ao depoente que faria alguns outros levantamentos de informações e comunicaria sobre os próximos passos;
“… um tempo depois, que não sabe especificar, Eduardo Cunha disse ao depoente que iria preparar um requerimento junto à Comissão de Fiscalização da Câmara, pedindo informações sobre a atuação de Júlio Camargo como lobista da Mitsui e da Toyo junto à Petrobrás;
“… neste requerimento, Eduardo Cunha disse que pediria informações não apenas sobre a atuação de Júlio Camargo como lobista destas empresas, mas também sobre os contratos destas empresas junto à Petrobrás;
“… o depoente pediu para Eduardo Cunha lhe dar um tempo, pois iria tentar obter uma última ação junto ao Júlio Camargo para obter o pagamento dos valores, fazendo menção a tais requerimentos que iriam ser feitos; Eduardo Cunha concordou com isto;
“… cerca de uma semana depois, o depoente teve contato com Júlio Camargo pessoalmente no escritório dele, na Rua da Assembleia, e explicou toda a situação;
“… disse a Júlio Camargo que estava ‘vindo como amigo’ e que Eduardo Cunha havia chegado ao limite e não estava mais disposto a dar mais tempo ao depoente;
“… disse a Júlio Camargo que, se não tivesse uma posição dentro de uma semana, de que Júlio iria pagar, o depoente iria lavar as suas mãos e a questão seria resolvida pelo pessoal como eles achassem melhor;
“… inclusive fez menção a Júlio Camargo à possibilidade dos requerimentos na Câmara dos Deputados;
“… aproximadamente uma semana depois o depoente ligou para Júlio Camargo e ele disse que ainda não havia uma posição favorável e que precisaria de mais tempo;
“… o depoente disse então que havia três anos que Júlio Camargo estava lhe pedindo mais tempo e que não havia mais como ajudá-lo e nem ficar como interlocutor nesta confusão;
“… então comunicou a Eduardo Cunha que não tinha obtido sucesso e ele disse que iria seguir em frente com a estratégia dos requerimentos;
“… Eduardo Cunha não comentou se seria ele quem apresentaria os requerimentos pessoalmente e apenas comentou que faria os requerimentos”.
EFEITOS
“… no final de julho ou começo de agosto de 2011, o depoente recebeu uma ligação de Paulo Roberto Costa, dizendo que precisava falar com o depoente; combinou com ele de se encontrar em um restaurante em um Shopping, em um dia à noite;
“… nesta oportunidade Paulo Roberto disse que queria comunicar ao depoente que havia chegado à Petrobrás um requerimento, vindo do Ministério de Minas e Energia, pedindo informações à Petrobrás sobre os contratos que a Mitsui e Toyo tinham junto à empresa e a atuação do Júlio Camargo como lobista dessas empresas;
“… o depoente esclarece que, conforme já dito em outro termo, Paulo Roberto Costa deveria receber um milhão de dólares em razão do primeiro navio sonda; inclusive, antes de falar com Eduardo Cunha, o depoente já havia feito uma similar proposta para Paulo Roberto Costa, no sentido de que, caso este último lograsse obter os dezesseis milhões de dólares devidos por Júlio Camargo, o depoente daria a Paulo não apenas a quantia de um milhão de dólares, mas cinco milhões;
“… neste encontro, ocorrido após os requerimentos de Eduardo Cunha, o depoente acredita que Paulo Roberto tenha tentado atribuir a si responsabilidade pelos referidos requerimentos, visando obter a quantia de cinco milhões de dólares;
“… então, o depoente esclareceu a Paulo Roberto Costa que já sabia dos requerimentos há algum tempo e que tudo isto tinha sido uma estratégia traçada com Eduardo Cunha;
“… disse a Paulo Roberto Costa que a responsabilidade pelos requerimentos era de Eduardo Cunha e o depoente já tinha um acerto com Eduardo Cunha;
“… Paulo Roberto Costa afirmou que já tinha informado pessoalmente a Júlio Camargo sobre os requerimentos e que Júlio Camargo estava muito assustado nesta conversa;
“… o depoente disse a Paulo Roberto Costa que, se as coisas avançassem no recebimento dos valores com Júlio Camargo, o depoente iria incluir nesta cobrança a parte de Paulo Roberto Costa, de um milhão de dólares;
“… Paulo Roberto tentou inclusive aumentar a participação dele, afirmando que estaria ajudando, mas o depoente disse que não teria condições de prometer nada além do que havia acertado;
“… quando tivesse maiores detalhes o depoente poderia conversar com Paulo Roberto novamente sobre o tema”.