Os crimes do cartel do bilhão contra o Brasil (21)
(HP 23/10/2015)
CARLOS LOPES
Neste ponto, há algo misterioso – ou nem tanto assim: aparece o nome (e a ação) do ministro das Minas e Energia do primeiro mandato de Dilma:
“… alguns dias depois o depoente foi procurado por Júlio Camargo e estiveram pessoalmente em uma reunião no escritório dele;
“… Júlio Camargo disse ao depoente que teve uma conversa com o ministro Edison Lobão;
“… Lobão informou a Júlio Camargo, segundo este último, que iria tentar se inteirar sobre o tema e depois lhe daria uma posição;
“… Júlio disse ao depoente que Edison Lobão lhe havia orientado a procurar o depoente, porque Júlio Camargo tinha uma pendência com o depoente;
“… pelo relato de Júlio Camargo, Edison Lobão teria dito que a questão deveria ser solucionada diretamente com o depoente;
“… questionado se sabe se Eduardo Cunha e Edison Lobão trataram do tema, disse que nunca perguntou isto a Eduardo Cunha, mas acredita que sim, pois Edison Lobão pediu que Júlio Camargo resolvesse a questão com o depoente;
“… Júlio Camargo se demonstrava bastante assustado com o requerimento e, diferente das outras vezes, mostrava claramente que queria resolver o problema dos pagamentos atrasados;
“… Júlio Camargo sugeriu um encontro entre o depoente, Júlio Camargo e Eduardo Cunha, porque ele queria fazer uma negociação e esclarecer a Eduardo Cunha o motivo dos não pagamentos; Júlio Camargo não queria que Eduardo Cunha ficasse com a imagem dele de que fosse um mau pagador; o depoente disse que iria conversar com Eduardo Cunha, sobre a possibilidade de realizar a reunião, e retornaria para ele;
“… em seguida falou com Eduardo Cunha, que aceitou realizar a reunião;
REUNIÃO
“… marcou esta reunião no escritório de um advogado do depoente, que fica no Leblon, na Ataulfo de Paiva, esquina com Afrânio de Melo Franco;
“… o depoente foi buscar Eduardo Cunha na residência dele e, inclusive, o avisou por mensagem de celular, que estava indo buscá-lo;
“… o depoente é quem estava conduzindo o seu veículo, que era uma Land Rover; referido veículo estava em nome da sua empresa, da Hawk Eyes ou Techinis;
“… quando chegaram, Júlio Camargo já estava na porta;
“… os três subiram em uma porta lateral e o depoente abriu a sala; apenas participou da reunião o depoente, Júlio Camargo e Eduardo Cunha;
“… Júlio Camargo, então, fez todas as suas explicações, afirmando que não tinha pago porque não tinha recebido da Samsung, mas que queria resolver a situação, pois não queria ficar mal perante Eduardo Cunha;
“… Júlio Camargo fez uma proposta de um pagamento parcelado e chegar à redução do valor que era devido, pois o dinheiro iria sair do seu bolso;
“… em um primeiro momento, já houve uma divergência de valores, pois, nas contas do depoente, Júlio Camargo devia aproximadamente dezesseis milhões de dólares, enquanto ele falava que devia doze milhões de dólares;
“… independentemente do valor, Júlio disse que somente tinha condições de pagar dez milhões de dólares e a proposta dele foi de pagar este valor, de forma parcelada, e, conseguindo receber da Samsung, iria pagar os milhões de dólares restantes para o depoente;
“… na reunião, ficou claro a Júlio Camargo que metade do valor devido fosse para Eduardo Cunha; inclusive, Júlio Camargo inicialmente queria pagar apenas a parte de Eduardo Cunha, deixando para pagar posteriormente o valor de Fernando Soares;
“… Júlio Camargo inicialmente queria pagar tudo por meio de emissão de notas fiscais por intermédio das empresas do depoente e que ficasse encarregado de repassar os valores para Eduardo Cunha, o que não foi aceito pelo depoente, pois o depoente não tinha como receber isto pessoalmente e repassar a Eduardo Cunha;
“… depois de uma negociação demorada, o valor devido ao depoente seria pago através das empresas do depoente e o valor referente aos pagamentos de Eduardo Cunha seria feito em espécie;
“… Júlio Camargo disse que iria arrumar uma forma de entregar os valores em espécie para o depoente, para que repassasse a Eduardo Cunha;
“… no primeiro momento já iria pagar para Eduardo Cunha e concluísse os pagamentos de Eduardo Cunha até abril ou maio de 2012, porque, como era ano eleitoral, Eduardo Cunha usaria este dinheiro para as campanhas, para as eleições municipais;
“… o pagamento do depoente, segundo o cronograma, iria até setembro de 2012;
“… Júlio Camargo ficou de conversar posteriormente com o depoente sobre como seria o repasse dos valores em espécie para Eduardo Cunha;
“… após o final da reunião, o depoente levou Eduardo Cunha para a casa dele.”
EM ESPÉCIE
Em seguida, começaram os repasses para Eduardo Cunha:
“… teve um encontro com Júlio Camargo no escritório dele, no Rio de Janeiro, umas duas semanas depois, no qual ele disse que o depoente iria ser procurado por [Alberto] Youssef, que se encarregaria de fazer os pagamentos em espécie que corresponderiam aos valores repassados a Eduardo Cunha;
“… nesta reunião Júlio Camargo já deu as datas e os valores das notas fiscais das empresas do depoente para um primeiro pagamento que Júlio faria ao depoente;
“… Júlio Camargo deu, inclusive, o e-mail de uma pessoa para quem deveria enviar as notas fiscais;
“… houve a emissão das notas fiscais, conforme combinado;
“… porém, Júlio Camargo fez o pagamento de algumas parcelas, em valor de aproximadamente quatro milhões de reais, mas logo passou a atrasar os pagamentos;
“… os valores recebidos por intermédio da emissão de notas de suas empresas eram destinados apenas ao depoente e não para Eduardo Cunha; todas as transferências que suas empresas receberam das empresas de Júlio Camargo foram para pagamento dos valores referentes à comissão das sondas;
“… em relação às quantias em espécie, Alberto Youssef entrou em contato com o depoente, oportunidade em que marcaram uma reunião pessoalmente; já conhecia Youssef, pois havia estado com ele cerca de quatro vezes, tendo sido apresentado a ele por intermédio de Paulo Roberto Costa, em 2010;
“… a reunião com Youssef ocorreu no escritório do depoente, no Rio de Janeiro, na Av. Rio Branco, ainda no mês de setembro de 2011;
“… Youssef veio e disse ao depoente que recebeu instruções de Júlio Camargo para repassar ao depoente valores em torno de sete milhões de reais;
“… Youssef disse que ainda estava operacionalizando isto, pois estava aguardando a realização de transferências de Júlio Camargo;
“… neste momento Youssef não especificou como seriam tais operações, mas um pouco depois ele disse ao depoente que se tratavam de transferências internacionais, feitas por Júlio para alguma empresa relacionada a Youssef, mas não mencionou o nome das empresas envolvidas;
“… Youssef disse ao depoente que, assim que estivessem formalizados tais pagamentos, entraria em contato com o depoente para a entrega dos valores;
“… aproximadamente duas ou três semanas depois, Youssef marcou uma ida dele ao escritório do depoente; Youssef esteve no escritório do depoente juntamente com Jayme, a quem Youssef chamava de Careca;
“… nesta oportunidade Youssef levou entre um milhão e um milhão e meio de reais em espécie;
“… imediatamente o depoente fez contato com Eduardo Cunha por mensagem, avisando que havia um valor disponível, e perguntou a ele onde poderia entregar o valor;
“… Eduardo Cunha disse ao depoente para procurar, no escritório dele, na Nilo Peçanha, uma pessoa de nome Altair;
“… o depoente foi pessoalmente ao escritório de Eduardo Cunha, levando a quantia em espécie recebida, ou seja, entre um e um milhão e meio de reais;
“… esta entrega ocorreu por volta de outubro de 2011; após isto, houve quatro ou cinco entregas; acredita que estas entregas ocorreram até abril ou maio;
“… no entanto, questionado ao depoente acerca do documento intitulado “Transcareca” – elaborado e apreendido em poder de Alberto Youssef para documentar as entregas feitas por Jayme Careca – sobre uma entrega ocorrida no dia 15 de junho de 2012, no valor de R$ 1.132.250,00, tendo como destinatário “BAIANO”, o depoente acredita que realmente a pessoa de “BAIANO” mencionada seja o depoente e que faça referência à última entrega feita por Jayme;
“… em todos esses casos, o depoente recebia os valores e em pouco tempo os repassava para Eduardo Cunha; todos os valores sempre no escritório de Eduardo Cunha, para a pessoa de Altair; apenas em uma oportunidade Eduardo Cunha pediu para uma pessoa retirar os valores no escritório do depoente; esta pessoa não era Altair, mas era um homem que possuía um nome diferente e que também trabalhava no escritório dele, pois já o tinha visto no escritório de Eduardo Cunha em outras oportunidades;
“… chegou a enviar uma mensagem para Eduardo Cunha questionando se ele queria que o depoente entregasse o valor na residência dele, tendo em vista que, assim como o depoente, Eduardo Cunha vive na Barra; Eduardo Cunha não quis que o depoente levasse o valor na residência dele, pedindo que procurasse e entregasse o valor a Altair na segunda feira seguinte;
“… o depoente acredita que não tenha mais tais mensagens trocadas com Eduardo Cunha, até mesmo porque trocava seus celulares regulamente e com a deflagração da operação Lava Jato se desfez de muita coisa;
“… o depoente tinha um aparelho celular específico que utiliza apenas para falar com determinadas pessoas, dentre elas Eduardo Cunha, sobre temas de valores ilícitos, que não gostava de falar nos outros aparelhos que utilizava regularmente;
“… Júlio Camargo também atrasou as entregas para Eduardo Cunha;
“… no ano de 2012, que era mais uma vez ano eleitoral, Eduardo Cunha passou a pressionar o depoente para cobrar Júlio Camargo;
“… tais cobranças foram feitas em reuniões pessoais com Eduardo Cunha;
“… nesta época Júlio Camargo já havia pago em torno de quatro milhões de reais, que era o valor recebido de Youssef;
“… então, o depoente passou a cobrar Júlio Camargo, não apenas os valores devidos a si, mas também valores para Eduardo Cunha;
“… Júlio Camargo começou a dizer que estava tendo dificuldade para disponibilizar dinheiro em espécie para pagar Eduardo Cunha;
“… então, o depoente sugeriu que Júlio Camargo fizesse uma doação oficial para Eduardo Cunha ou para o PMDB;
“… esta ideia em verdade partiu do próprio Eduardo Cunha;
“… Júlio Camargo disse que não tinha como fazer a doação, em razão dos limites de faturamento/doação impostos pela legislação eleitoral;
“… o depoente informou isto a Eduardo Cunha e então Eduardo Cunha pediu ao depoente para questionar se Júlio Camargo poderia, então, fazer uma doação para uma igreja;
“… o depoente então levou a questão para Júlio Camargo, que disse que dessa forma seria possível, mas que não poderiam ser valores muito altos, pois seria difícil justificar uma doação de um valor alto sem ser um frequentador da Igreja;
“… o depoente conversou com Eduardo Cunha, este último sugeriu que Júlio Camargo fizesse duas doações, no total de R$ 250.000,00, cada uma no valor de R$ 125.000,00;
“… Eduardo Cunha passou os dados para a doação e a pessoa de contato com quem Júlio Camargo deveria conversar e que emitiria os recibos das doações;
“… estes valores foram entregues pessoalmente por Eduardo Cunha, em um papel em que constavam tais dados;
“… isto foi por volta do segundo semestre de 2012”.
RELIGIOSO
“… sabe que Eduardo Cunha é evangélico e que tem um programa de rádio voltado para o público evangélico; já presenciou ligações de Eduardo Cunha, feitas pelo telefone, para a rádio, oportunidade em que ele pedia silêncio e transmitia uma mensagem; se recorda dele chamar os ouvintes de “amados” e que sempre terminava falando “O povo merece respeito”;
“… Eduardo Cunha, algum tempo depois, confirmou ao depoente a realização das doações;
“… ao se fazer o encontro de contas com Júlio Camargo, havia uma divergência: enquanto Júlio dizia que restava a pagar a Eduardo Cunha cerca de R$ 400 mil, Eduardo Cunha, pelas contas dele, dizia que era R$ 1,2 milhão;
“… nesta época o depoente inclusive recebeu um e-mail de Eduardo Cunha contendo uma planilha sobre os valores devidos e pagos por Júlio Camargo; acredita que tenha ainda cópia deste e-mail com planilha e se compromete a tentar localizá-lo;
“… estas cobranças continuaram até 2014, sem que Júlio Camargo quitasse os valores;
“… inclusive, em 2014, houve uma conversa entre Júlio Camargo e Eduardo Cunha sobre esta divergência, em uma reunião pessoal ocorrida em São Paulo; ambos comentaram com o depoente sobre tal reunião;
“… após esta reunião com Eduardo Cunha, Júlio Camargo procurou o depoente, entre junho e julho de 2014, querendo relatar o que havia ocorrido na conversa com Eduardo Cunha;
“… Júlio disse que Eduardo Cunha e ele tinham acertado que, para resolver a pendência, o valor faltante para este último seria de um milhão de reais;
“… Júlio Camargo pediu ao depoente que assumisse metade desta dívida com Eduardo Cunha, ou seja, R$ 500.000,00, sob o argumento de que estaria sem recursos;
“… a proposta de Júlio Camargo era de que o depoente pagasse metade do valor devido a Eduardo Cunha e que Júlio pagaria o valor ao depoente quando recebesse [da Samsung]; o depoente não concordou com a proposta, mas, para evitar problemas com Eduardo Cunha e o prolongamento das cobranças deste último, disse a Júlio que ele ficasse responsável por pagar R$ 700 mil e o depoente se encarregaria de pagar os R$ 300 mil reais faltantes para Eduardo Cunha diretamente;
“… o depoente questionou como Júlio Camargo faria tais pagamentos para Eduardo Cunha, oportunidade em que ele respondeu que já tinha acertado com Eduardo Cunha que R$ 500 mil ele já havia se comprometido a pagar em horas de voo;
“… Júlio Camargo tinha um avião que ficava sob responsabilidade de uma companhia de táxi aéreo, e que Júlio Camargo daria um crédito para Eduardo Cunha usar junto a tal companhia, da forma como preferisse, no valor de R$ 500 mil reais e que poderia ser utilizado à medida que ele precisasse;
“… os R$ 200 mil restantes seriam entregues por Júlio Camargo diretamente para Eduardo Cunha;
“… Eduardo Cunha confirmou ao depoente os termos do acordo entre ele e Júlio Camargo;
“… o depoente conversou com Eduardo Cunha, dizendo que iria ficar responsável pelos R$ 300 mil reais faltantes; porém, não chegou a pagar tais valores e tampouco houve cobrança por parte de Eduardo Cunha, que, inclusive, estava ficando pouco no Brasil nesta época, pois estava planejando mudança para o exterior, indo muito para os Estados Unidos, e também porque estava com problemas com uma empresa espanhola que representava e, por isto, ficava muito na Espanha;
“… do total de dez milhões de dólares que Júlio Camargo devia ao depoente e a Eduardo Cunha, acredita que o depoente recebeu em torno de quatro milhões de reais, por meio de suas empresas, e Eduardo Cunha cerca de cinco milhões de reais; as cobranças se estenderam de 2011 até 2014, ano em que ainda havia um milhão de reais da parte devida a Eduardo Cunha;
“… questionado se Eduardo Cunha sabia que os valores devidos por Júlio Camargo eram referentes às sondas da Petrobrás, respondeu que sim;
“… o nome de Paulo Roberto Costa foi citado, na presença de Eduardo Cunha em outra ocasião, na reunião feita em setembro de 2011, em que participou o depoente, Eduardo Cunha e Júlio Camargo;
“… nesta reunião o depoente tentou cobrar de Júlio Camargo o valor de um milhão de dólares que era devido a Paulo Roberto Costa, mas Júlio Camargo se opôs, dizendo que iria pagar diretamente a ele; este diálogo foi feito na frente de Eduardo Cunha;
“… Eduardo Cunha sabia que o depoente tinha negócios na Petrobrás em razão da relação que o depoente possuía com Paulo Roberto Costa e Nestor Cerveró;
“… já havia comentado com Eduardo Cunha sobre a “‘queda de braço” com o PMDB em relação à tentativa de manutenção de Nestor Cerveró na Diretoria Internacional e sua substituição por Jorge Zelada;
“… o depoente disse a Eduardo Cunha que não havia sido uma boa decisão retirar Nestor Cerveró da Diretoria Internacional, oportunidade em que Eduardo Cunha comentou com o depoente que se tratava de uma decisão do PMDB de Minas Gerais;
“… perguntado se Eduardo Cunha tinha conhecimento de que Nestor Cerveró era um ‘canal’ do depoente dentro da Petrobrás, o depoente respondeu que sim;
“… pelas conversas que teve com Eduardo Cunha acredita que tenha ficado claro para este que o depoente e Nestor Cerveró eram próximos, até mesmo porque o depoente comentou com Cunha que havia tentado manter Cerveró no cargo;
“… questionado qual e-mail Eduardo Cunha utilizou, o depoente afirma que chamava a atenção que o endereço de e-mail consistia na expressão “sacocheio@, sendo algum provedor que não se recorda com certeza qual era; QUE acredita que fosse sacocheio@hotmail.com, sacocheio@yahoo.com.fr ou sacocheio@yahoo.fr.
“… mostrada a fotografia em anexo, o depoente espontaneamente identificou como sendo a pessoa de Altair, anteriormente mencionada no Termo de Colaboração nº 3, Altair Alves Pinto, conforme dados qualificativos em anexo, pessoa que trabalhava para Eduardo Cunha e para quem o depoente fez diversas entregas de valores em espécie, destinadas ao referido parlamentar; reconhece Altair sem qualquer sombra de dúvidas, até mesmo porque esteve diversas vezes pessoalmente com ele, entre cinco e seis vezes”.