(HP, 25/11/2016)
CARLOS LOPES
A despudorada corrida pela impunidade, onde deputados e senadores – com as exceções de praxe, nesse caso, pouquíssimas – correm, sem o menor vestígio de dignidade, para inventar e aprovar casuísmos que possam livrá-los do longo braço da Justiça, enquanto não aparece a copiosa delação da Odebrecht, tem no senador Renan Calheiros o seu corrupto e lastimável (para o país) expoente.
Qualquer cidadão normal tem muita dificuldade de compreender como o Senado (e, por consequência, o Congresso) tem um presidente com 12 processos nas costas. A rigor, são 13, pois ele somente foi exlcuído de um dos inquéritos porque este foi desdobrado, sem que a denúncia se tenha modificado. Renan é, hoje, depois que Cunha foi recolhido ao depósito de Curitiba, o centro das investigações policiais por crimes contra a propriedade pública – ou seja, a propriedade e o dinheiro do povo – no Congresso.
No entanto, ele continua ameaçando autoridades judiciais com uma espúria “lei sobre o abuso de autoridade” ou com uma anistia geral para o caixa 2 (que, nesse caso, é apenas a recepção de propinas) usado por políticos – obviamente, os do PMDB, PT e alguns satélites – para legalizar a impunidade e tornar inúteis as investigações da Operação Lava Jato. Com isso, reúne em torno de si os elementos mais corrompidos de partidos corruptos e em decadência – PMDB, PT, PSDB, sobretudo, mais algumas agremiações satélites.
Mas, Renan não faz isso por espírito coletivo – coisa escassa em ladrões, principalmente os ladrões que roubam a própria coletividade, isto é, o Estado, a sociedade, a Nação, o povo. Na verdade, seu interesse pelo pavor que outros ladrões têm de ir para a cadeia, somente existe em função do seu próprio pânico em dar com os costados em alguma enxovia curitibana. Renan é desses que se acostumaram a pensar – e somente porque lhe interessa essa infâmia – que a cadeia é própria para ladrões de galinha, jamais para ladrões do Erário e da propriedade pública. Ou, como na frase de Vieira, citada por Rui Barbosa: quem rouba pouco é ladrão, quem rouba muito é barão (ou senador da República).
Então, de que Renan tem medo?
Vejamos este trecho, de um dos inquéritos autorizados pelo Supremo Tribunal Federal (STF), no depoimento do ex-diretor de Abastecimento da Petrobrás, Paulo Roberto Costa:
“… além de Aníbal Gomes e de Fernando Baiano, também foi procurado pelo empresário Jorge Luz para tratar de uma possível obtenção de apoio político junto ao PMDB;
“… Jorge Luz é um empresário e lobista muito próximo a Renan Calheiros;
“… o primeiro contato que teve com o mesmo foi uma reunião realizada no Hotel Glória na cidade do Rio de Janeiro, no ano de 2007; participaram desta reunião, Nestor Cerveró, Jorge Luz e uma quarta pessoa da qual não se recorda;
“… nesta reunião, Jorge Luz disse ao declarante que o PMDB poderia prestar o apoio político que necessitava, mas que o declarante deveria dar, como contraprestação, apoio financeiro ao Partido;
“… Jorge Luz disse ao declarante nesta reunião que falava em nome do senador Renan Calheiros;
“… o declarante sinalizou, então, que aceitaria o acordo;
“… tanto Aníbal Gomes, quanto Fernando Baiano, falaram ao declarante da possibilidade de o PMDB apoiá-lo a fim de que permanecesse como Diretor de Abastecimento da Petrobrás;
“… com relação a Aníbal Gomes, o primeiro contato com este se deu na sede da Petrobrás, no ano de 2007;
“… a primeira reunião que teve com Aníbal Gomes foi para tratar de um eventual apoio político ao declarante a ser prestado pela PMDB;
“… em todas as reuniões que teve com Aníbal Gomes, o mesmo dizia expressamente que falava em nome do senador Renan Calheiros: ‘estou aqui em nome do senador Renan Calheiros’”;
“… tal como Jorge Luz, Aníbal Gomes condicionou a prestação do apoio político a ajudas financeiras ao PMDB;
“… afirma haver tratado também com Fernando Baiano acerca da obtenção de apoio político do PMDB;
“… Fernando Baiano também disse ao declarante que falava em nome do senador Renan Calheiros;
“… tal como já declarado em outros Termos já prestados, o declarante afirma que as tratativas para a obtenção do apoio político foram feitas com o ‘PMDB do Senado’ e não com parlamentares do PMDB da Câmara dos Deputados;
“… assim como os demais interlocutores, Fernando Baiano disse que o apoio político do PMDB estaria condicionado a ajudas financeiras ao Partido;
“… Jorge Luz e Fernando Baiano se conheciam, uma vez que já os havia vista juntos” (cf. Inquérito PF 3989/STF, Volume 11, pp. 2363-2364, TD nº 03 de Paulo Roberto Costa, 21/07/2015).
A confirmação de que eles falavam em nome de Renan veio em seguida:
“… provavelmente um mês após estes contatos iniciais com os interlocutores, o declarante foi até Brasília (…);
“… nesta ocasião em Brasília, foi informado pela deputado Aníbal Gomes que o senador Renan Calheiros iria receber o declarante em um jantar em sua residência;
“… no jantar, além do senador Renan Calheiros, [estavam] o senador Romero Jucá e, provavelmente, o senador Valdir Raupp;
“… Renan Calheiros, então, disse ao declarante que sabia das dificuldades que o mesmo teria para se manter no cargo, uma vez que o PP sozinho não teria força política para sustentá-lo;
“… portanto, seria necessário o apoio de algum outro partido da base aliada e que o PMDB poderia lhe dar este apoio, caso o mesmo ajudasse financeiramente o Partido;
“… o declarante perguntou a Renan se este já havia tratado do assunto com o PP, tendo Renan Calheiros dito que ainda não, mas que iria levar o assunto ao PP;
“… então, o declarante disse que aceitaria os termos do acordo, mas que teria antes que conversar com o PP, uma vez que fora este partido que o havia indicado para a Diretoria de Abastecimento da Petrobrás” (cf. Inq. 3989, v. 11, pp. 2364-2365).
O PP aceitou dividir com o PMDB – isto é, com Renan e seu grupo – as propinas da Diretoria de Abastecimento. Em seguida, relata o ex-diretor:
“… após esta reunião de acerto na casa de Renan Calheiros, o declarante teve outras seis reuniões na casa do Senador Renan Calheiros, no período de 2007 a 2012;
“… em todas as reuniões Aníbal Gomes estava presente e, em quase todas, Romero Jucá também esteve presente;
“… quase todas as reuniões ocorreram na residência do Senador Renan Calheiros;
“… nestes encontros, Renan Calheiros indagava a respeito do andamento dos grandes projetos da Diretoria de Abastecimento e de seus respectivos contratos e aditivos;
“… evidentemente, o interesse não dizia respeito à conclusão das obras ou de sua entrega à sociedade, e sim saber dos valores contratados a fim de alimentar o caixa do Partido a partir dos percentuais de comissionamento incidentes sobre os mesmos;
“… exemplifica a atuação do PMDB, nas pessoas acima citadas, com o próprio fato de não haver sido destituído do cargo de Diretor de Abastecimento da Petrobrás, uma vez que o PT já tinha uma forte articulação a fim de tomar para si tal cargo; isto somente não ocorreu porque o PMDB bancou politicamente o declarante; o empenho de seu nome realizado pelo PMDB foi feito junto ao então Presidente Luiz Inácio Lula Da Silva; afirma isto em face de que cargos como os de presidente da Petrobrás e de suas Diretorias somente são sustentados com o aval da Presidência da República” (cf. Inq. 3989, v. 11, pp. 2365-2366).
O episódio, detalhado nesse Inquérito policial pelo ex-diretor de Abastecimento, aparecera cinco meses antes – de forma bem mais genérica – em um de seus 102 depoimentos aos procuradores da força-tarefa da Operação Lava Jato. Nesse depoimento, em fevereiro de 2015, Costa omitira um dos representantes de Calheiros, o lobista Jorge Luz:
“… após uma viagem à Índia, no final de 2006, o depoente ficou doente e quase morreu;
“… como os médicos diziam que o depoente tinha poucas chances de sobreviver, alguns outros funcionários da Petrobrás entraram em disputa pelo cargo de Diretor de Abastecimento, em especial a pessoa de Alan Kardec, ligado ao PT;
“… o depoente ficou então fragilizado no cargo, mesmo após sua recuperação e retorno à empresa, no início de 2007;
“… nessa época foi procurado por parlamentares do PMDB do Senado, que ofereceram ajuda para manter o depoente no cargo;
“… primeiramente foi procurado por um emissário do Senador Renan Calheiros; o emissário era o deputado Aníbal Gomes;
“… posteriormente tratou do assunto diretamente com os senadores Renan Calheiros e Romero Jucá;
“… uma dessas reuniões foi realizada na casa de Renan Calheiros, em Brasília, no Lago Sul;
“… nesta ocasião também estava presente o Deputado Henrique Eduardo Alves;
“… também esteve na casa de Romero Jucá em Brasília;
“… o assunto tratado em todas essas ocasiões era o apoio do PMDB ao depoente para mantê-lo no cargo, em troca de o depoente ‘apoiar’ o partido;
“… os partidos (PMDB e PP) acertaram essa questão, tendo o PP aceitado que o depoente também ajudasse o PMDB porque sabia que não conseguiria, sem a sustentação política do PMDB, manter o depoente no cargo” (cf. TD nº 01, 11/02/2015).
[NOTA: Jorge Luz, lobista da empresa norte americana Sargent Marine, aparece nesses primeiros depoimentos de Costa, mas em uma negociata com o então deputado petista, líder dos governos Lula e Dilma na Câmara, Cândido Vaccarezza: “em 2008 houve uma reunião na casa de um empresário e lobista do Rio de Janeiro chamado Jorge Luz, que apresentou ao declarante uma empresa americana que poderia adquirir asfalto no exterior e o trazer para o Brasil, chamada Sargent Marine; a Petrobrás veio a contratar esta empresa, assim como outras para fornecer asfalto à estatal; a contratação da empresa referida gerou para Jorge Luz uma comissão, e soube pelo próprio Jorge Luz que este teria dividido a comissão com o deputado Vaccarezza; soube deste repasse em uma outra reunião na casa de Jorge Luz, na qual conheceu pessoalmente Cândido Vaccarezza, quando ficou sabendo que Jorge teria repassado R$ 400 mil (quatrocentos mil reais) ao referido parlamentar” (cf. Termo de Colaboração N° 38, 24/09/2014, p. 5). O mesmo Luz aparece, em outra negociata, como lobista do grupo argentino Indalo (cf. TERMO DE DECLARAÇÕES, 15/09/2014).]
Alberto Yousseff, o principal doleiro do PP – e até do PT, como demonstram suas relações com o então deputado André Vargas (PT-PR) e com o tesoureiro nacional da sigla, João Vaccari – confirmou o relato de Paulo Roberto Costa sobre a entrada de Calheiros no esquema da propina, em ménage à trois com o PT e o PP. Mas, faz uma observação interessante:
“… o PMDB, através de suas lideranças, não prestou apoio político e sim se utilizou da possibilidade de retirar Paulo Roberto do cargo para cobrar dele percentuais nos contratos celebrados pela Diretoria de Abastecimento;
“… [Yousseff] exemplifica tal achaque com uma situação envolvendo a Tomé Engenharia e o senador Aníbal Gomes [Gomes era deputado; aqui, Yousseff, inconscientemente, misturou Gomes com seu mandante, Renan Calheiros];
“… entre os anos de 2007 e 2009, o declarante esteve na sede da Tomé Engenharia para receber o valor devido ao esquema por aquela empresa;
“… ali foi informado que teria que receber somente cinquenta por cento do valor devido, R$ 2.800.000,00 (dois milhões e oitocentos mil reais), uma vez que a outra metade já havia sido paga a Aníbal por meio de dez cheques;
“… segundo foi informado por Laércio, proprietário da Tomé Engenharia, o mesmo já havia recebido orientação de Paulo Roberto Costa para que pagasse R$ 1.400.000,00 (um milhão e quatrocentos mil reais) a Aníbal Gomes;
“… segundo Laércio, esta reunião ocorreu na sede da Petrobrás e dela participaram Paulo Roberto Costa, Aníbal Gomes e o próprio Laércio;
“… posteriormente, Paulo Roberto Costa confirmou ao declarante que determinou o pagamento a Aníbal Gomes;
“… o declarante não conhece pessoalmente Aníbal Gomes;
“… em uma outra ocasião, já após a saída de Paulo Roberto Costa da Petrobrás, o mesmo pediu ao declarante que cobrasse R$ 800.000,00 (oitocentos mil reais) de Aníbal Gomes, valor este devido a Paulo Roberto Costa; o Declarante disse a Paulo Roberto Costa que iria realizar a cobrança, porém, não o fez” (cf. Inq. 3989, v. 11, pp. 2350-2351).
Quanto aos negócios, essa é uma amostra muito pequena da corrupção do sr. Renan Calheiros, incapaz de qualquer empreendimento – por isso, optou por roubar.
Porém, nosso objetivo aqui foi, somente, expor esse ambiente de marginais em que vive o presidente do Senado (e do Congresso).
É inevitável lembrar Cícero, no Senado romano, ano 63 antes de Cristo, sobre um antecessor (um pouco mais brilhante) de Renan: “Quo usque tandem abutere, Catilina, patientia nostra?” – “Até quando, Catilina, abusarás da nossa paciência”?