
“Se forem confirmadas as tarifas de Trump, a partir de 1º de agosto, o governo deve abandonar o arcabouço fiscal para defender o Brasil”
PAULO KLIASS*
Em 1º de agosto provavelmente entrarão em vigor as novas regras tarifárias impostas por Donald Trump para todas as importações realizadas por empresas norte-americanas de bens originados do Brasil. Caso não haja nenhum avanço nas negociações que o governo brasileiro vem tentando estabelecer há vários meses com representantes da Casa Branca, deverá valer a incidência de uma alíquota de 50% nas operações acima mencionadas a partir do início do mês que vem.
A estratégia posta em marcha pelo presidente estadunidense guarda algumas similaridades com todas as demais iniciativas que ele vem adotando desde o início de seu novo mandato em relação ao conjunto de países do globo. Desde o começo do governo em janeiro passado, Trump tem operado um movimento geral de tiros para os lados. Para além de questões de geopolítica mais geral, ele também vem ameaçando os demais países com a imposição de novas regras tarifárias, sem poupar nem mesmo aliados estratégicos e tradicionais dos próprios Estados Unidos.
Assim, em boa parte das estocadas contra o resto do mundo, o que se percebia com o passar do tempo era um recuo da parte de Washington. Em um primeiro momento, o anúncio era bem grave e ameaçador, mas pouco a pouco as alíquotas iam sendo reduzidas em boa parte dos casos. Ao longo destes quase seis meses de seu segundo mandato, Trump tem operado como um verdadeiro zigue zague nas negociações com os países que estão sendo afetados pela imposição das alíquotas sobre importados. Ainda que o foco sejam os aliados de maior densidade no jogo econômico planetário, ele não se limita a impor sanções contra Rússia e China.
O IMPÉRIO NOS ATACA!
O Presidente da maior economia do mundo ocidental tem prejudicado as relações comerciais e diplomáticas com países vizinhos e também com parceiros históricos no jogo geopolítico internacional. Assim foi com Canadá e México na América do Norte. Assim foi com Austrália, Japão, Coreia do Sul, Tailândia e Indonésia, dentre tantos outros países no Oriente. Assim tem sido com a própria União Europeia, bloco aliado de primeira hora dos Estados Unidos há décadas e que inclui também todas as parcerias militares e estratégicas com a OTAN.
Porém, a novidade com relação ao novo tarifaço contra o Brasil anunciado em 9 de julho foram os ingredientes completamente alheios à dinâmica de comércio internacional. Trump parece ter sido convencido a embarcar na canoa furada de defesa de Bolsonaro e de seus aliados mais próximos. Ao incluir os processos que tramitam em fase definitiva de condenação de Bolsonaro e demais golpistas no rol das exigências para retirada das alíquotas, ele conseguiu a incrível façanha de reunir contra si um amplo arco de alianças políticas internas no Brasil.
Como o governo brasileiro não cedeu nesse aspecto e ainda relembrou que o Brasil é deficitário nas relações comerciais entre os dois países, Trump resolveu dobrar a aposta. Apelou para outras questões extra comerciais, a exemplo da medida impeditiva de concessão de visto para os Estados Unidos para a maioria dos membros do Supremo Tribunal Federal (STF), com exceção de 2 integrantes mais simpáticos à causa bolsonarista. Nesse quesito ainda fez um agrado ao Ministro Fux, na tentativa de isolar o restante do colegiado da Corte.
LULA DEFENDE NOSSA SOBERANIA
O tom entre os representantes das duas nações subiu ainda mais com as declarações de Lula de que poderia se utilizar dos mecanismos de retaliação previstos nas práticas da reciprocidade. Além disso, mencionou a possibilidade de sanções contra as empresas conhecidas como “big techs” e ainda defendeu o nosso sistema de agilização financeira (PIX) que havia sido igualmente atacado por seu homólogo estadunidense. Assim, foi uma demonstração clara por parte do governo brasileiro de que estava disposto negociar, mas desde que os norte-americanos se restringissem aos termos estritamente comerciais.
O ponto a sublinhar é que o prazo inicialmente anunciando por Trump se aproxima e seu governo não demonstrou até o presente momento a menor disposição para restabelecer as negociações no tabuleiro das relações comerciais. No entanto, há reações também o interior dos Estados Unidos contra o tarifaço. Afinal, há setores econômicos na escala produtiva que dependem bastante da importação de produtos brasileiros. É possível que seus mecanismos de pressão sobre a Casa Branca estejam também por trás de manifestações na grande impressa a esse respeito. Um exemplo bem cristalino pode ser identificado em coluna publicada no jornal “Washington Post”. O texto ressalta que o Brasil tem uma estrutura econômica mais robusta e diversificada do que as de seus vizinhos, sendo que tal característica o torna menos vulnerável às pressões tarifárias. Assim, o artigo é explícito na crítica às medidas:
(…) “o bullying de Trump contra o Brasil está saindo pela culatra” (…)
Além disso, Lula foi convidado para participar de um importante programa de entrevistas na TV norte-americana com a jornalista Christiane Amanpour. E dentre as inúmeras críticas a Trump, ele afirmou que o mesmo havia sido eleito pelos concidadãos para ocupar a Presidência daquele País não para ser imperador do mundo. Assim, pouco a pouco, as medidas do tarifaço passaram a integrar o debate político local dos Estados Unidos e não apenas da agenda política interna brasileira.
Por outro lado, à medida em que os dias avançam, fica cada vez mais claro que uma das principais motivações de Trump é mesmo atingir o bloco composto pelos BRICS, onde o Brasil ocupa posição de destaque. Ele não tem se poupado em externar suas preocupações com o crescimento da economia dos países membros do bloco e da tendência de que seja reduzida a utilização do dólar norte-americano como a principal moeda nas transações comerciais entre os mesmos. Trump chegou a afirmar que a perda de importância da moeda estadunidense se equipara a uma derrota dos EUA em uma guerra.
ABANDONAR O ARCABOUÇO FISCAL PARA DEFENDER O BRASIL!
Caso Trump efetivamente não recue em sua disposição inicial de prejudicar a economia brasileira e não reveja sua disposição inicial, caberá a Lula e ao governo brasileiro articular medidas para atenuar os efeitos negativos da aplicação da alíquota de 50% sobre as exportações brasileiras destinadas aos Estados Unidos. Isso implica, de forma urgente e imediata, a necessidade de suspender a vigência do arcabouço fiscal e suas consequências negativas relativas à austeridade na condução das contas públicas. A necessária decretação de um plano de emergência para se contrapor ao tarifaço implicará, sem sombra de dúvida, uma reviravolta na estrutura de despesas cortadas, limitadas ou contingenciadas.
Isso significará a exigência de compromissos sociais por parte das empresas e dos setores afetados como contrapartida da ajuda que deverão receber do Estado brasileiro para atravessar os primeiros momentos em que as exportações serão drasticamente reduzidas. Os comitês que estão sendo inicialmente coordenados pelo Vice-Presidente Geraldo Alckmin deverão ser fortalecidos e acrescidos em sua composição de representantes dos sindicatos e demais setores da sociedade que não apenas os donos e dirigentes das empresas. Cada produto exportado e cada setor afetado deverá ser objeto de estabelecimento de estratégias próprias. Isso significa medidas de busca de novos destinos de exportação (em especial os produtos ligados ao agronegócio), bem como o redirecionamento para o mercado interno ou mesmo por meio de compras públicas e da política de formação de estoques reguladores. Raciocínio similar vale para eventual processo de substituição das exportações de petróleo bruto para aquele mercado.
No caso dos produtos industrializados, a trajetória exigirá mais tempo para amadurecer e oferecer resultados tangíveis. Os bens semimanufaturados, como o aço e o alumínio, poderão sofrer menos dificuldades do que o caso dos aviões da Embraer. Mas de qualquer maneira seria importante uma ação coordenada do Estado brasileiro para evitar que ramos estratégicos e sensíveis de nossa estrutura industrial não sejam inviabilizados em razão da entrada em vigência das alíquotas do tarifaço. Se consideramos o setor aeronáutico como relevante e condenamos a privatização irresponsável que foi feita da Embraer há mais de 30 anos no governo FHC, é preciso tomar consciência de que não podemos assistir passivamente a mais um baque na empresa.
O desenho mais detalhado das estratégias de sobrevivência de cada setor ou empresa ainda estão por serem finalizados. De toda maneira, o mais importante é que o Presidente Lula tenha consciência de que esta é uma oportunidade única para dar uma nova orientação aos rumos de seu governo. Quer seja pelo isolamento político do bolsonarismo traidor da Pátria no plano interno, quer seja também pela capacidade de permitir ao Brasil que saia ainda mais fortalecido economicamente no plano internacional a partir desta iniciativa de Donald Trump.
No entanto, para que tal plano seja exitoso, Lula precisa abandonar de uma vez por todas a rigidez da austeridade fiscal e deve também incorporar os elementos “trabalhadores” e “povo” nesta composição que visa construir um novo modelo de organização da produção em nosso País. E, para tanto, é fundamental recuperar o protagonismo do Estado no processo econômico.
*Paulo Kliass é doutor em economia e membro da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental do governo federal