MARIA DO ROSÁRIO CAETANO (*)
A edição de número 93 do Oscar entra para a história como a mais inclusiva de todas. Nunca se viu tantos negros, asiáticos e mulheres recebendo (ou entregando) estatuetas douradas.
As grandes vencedoras da noite foram a sino-americana Chloé Zhao, melhor diretora, e a estadunidense Frances McDormand, glamour zero, eleita melhor atriz. As duas subiram ao palco para, juntas, receber o cobiçado Oscar de melhor filme. O triunfo coube a “Nomadland”.
Estrelas black como Viola Davis, Angela Basset e Halle Berry ocuparam, com elegância hollywoodiana, postos-chave na cerimônia de premiação. A Academia de Hollywood trouxe à ribalta até a sumida atriz Marlee Matlin, premiada em 1986, por “Filhos do Silêncio”. Ela se comunica por sinais, pois é surda.
Astros de olhos puxados, como a coreana Yuh-Jung Youn, a vovó de “Minari” (melhor coadjuvante), o conterrâneo Bhong Joon-ho (premiado ano passado e de volta à ribalta) e a chinesa Chloé Zhao somaram-se a Riz Ahmed, inglês de origem paquistanesa e pele acobreada, para quebrar a histórica imagem Wasp (branca, anglo-saxã e protestante) do mais badalado prêmio cinematográfico do mundo. Ahmed é de família muçulmana.
A força black que levou cinco filmes à condição de finalistas – “Judas e o Messias Negro”, “A Voz Suprema do Blues”, “Uma Noite em Miami”, “Estados Unidos x Billie Holiday” e “Soul” – viu profissionais afro-americanos premiados até em categorias técnicas, antigo reduto Wasp. Os cabelos e maquiagem de “A Voz Suprema do Blues” renderam a Mia Neal e Jamila Wilson (acompanhadas de um latino, Sergio Lopes-Rivera) uma estatueta dourada.
“Mank”, celebração da América – talentosa, mas branco-hollywoodiana – ficou com apenas dois prêmios técnicos (fotografia e direção de arte). “Os 7 de Chicago”, que recebera seis indicações, inclusive de melhor filme, não recebeu nenhuma estatueta.
Até na categoria Prêmio Humanitário houve espaço para um ativista negro, líder de projeto de ajuda a comunidades carentes, receber reconhecimento público das mãos de Viola Davis e ter microfone e tempo para defender ações solidárias.
A festa comandada pelo cineasta Steven Soderbergh foi discreta, politicamente correta (sem piadas em tempos duros de pandemia) e mais sintética que as anteriores. Quinze minutos depois da meia-noite, todos os 23 prêmios (mais os especiais) já tinham sido entregues. Ficaram para trás aquelas maratonas que se aproximavam das três da madrugada.
E acabou (pelo menos temporariamente) a ordem crescente de prêmios. Chloé Zhao recebeu sua estatueta de melhor diretora na primeira metade da festa. O filme vencedor foi anunciado antes das categorias melhor atriz e melhor ator. Mas Soderbergh mostrou falta de “timing” ao deixar, para o final, o prêmio que coube ao veterano Anthony Hopkins, de 83 anos. O astro britânico não marcou presença nem no palco hollywoodiano, nem no londrino. Joaquin Phoenix teve que registar a ausência do dono da estatueta número 93. Pintou um anticlímax.
Por que não fechar a noite com Frances McDormand, melhor atriz e produtora de “Nomadland”? De cara lavada, cabelos comuns e vestido preto arrematado em discretas plumas, ainda assim a noite foi dela, a talentosíssima Frances McDormand. Dela e da igualmente discreta, vestido neutro, tranças compridas e cara lavada, Chloé Zhao. As duas construíram o poderoso drama dos nômades da América profunda, realmente “o filme” do ano 93 do Oscar. Ah, o prêmio foi entregue por uma latina, a porto-riquenha Rita Moreno, Oscar de coadjuvante por “Amor Sublime Amor”, em 1962.
Os acadêmicos, que já beiram o número 10 mil e já não são tão Wasp como outrora, ignoraram a Itália (que concorria, com “Pinóquio” e “Rosa e Momo”, a prêmios secundários), o Leste Europeu (presença marcante com “Collective” e “Quo Vadis, Aida?”, ambos olvidados) e só reconheceram um curta francês (“Collete”), sobre integrante da Resistência ao nazismo, a hoje nonagenária Colette Marin-Catherine. Mas houve um país europeu que causou furor: a Dinamarca. Thomas Vinterberg emocionou a todos ao dedicar seu Oscar de melhor filme internacional à filha Ida, de 19 anos, que integraria o elenco de “Druk – Mais uma Rodada”. Mas a morte prematura dela, em acidente de carro, infelicitou o pai. Evocar a filha fez parte central do discurso do diretor nórdico. O prêmio a “Druk” foi justíssimo. E outro dinamarquês, o montador Mikke Nielson, do britânico “A Voz do Silêncio”, foi assertivo em seu caloroso agradecimento.
Além de Vinterberg, quem fez outro agradecimento histórico foi “Vovó” Yuh-Jung Youn. A coreana levou ao palco do Oscar 93 o humor de sua personagem em “Minari”. Chavecou o galã maduro Brad Pitt, que a nomeou como coadjuvante vencedora, e revelou espanto por ter vencido a veterana Glenn Close. Foi aplaudidíssima.
Para mostrar que Hollywood sabe fazer festa como ninguém, a cerimônia da estatueta dourada transformou um limão (mais uma derrota de Glenn Close, a oitava) em limonada. A atriz protagonizou um dos poucos momentos divertidos da noite: cantou e dançou um funk (“Da Butt”, de “Revolução Estudantil”, um Spike Lee 1985) com partner afro-americano e mostrou que sabe perder. Com rosto sorridente e palmas convictas, ela já aplaudira a passagem, rumo ao podium, da veterana coreana que a derrotara. Ao invés de ressentimento, pelo menos em público, a coadjuvante do previsível “Era uma Vez um Sonho” portou-se como uma lady. Registre-se: se Glenn Close foi injustiçada em outras ocasiões, dessa vez, não há do que reclamar.
Confira os vencedores:
“Nomadland” (EUA) – melhor filme, melhor diretora (Chloé Zhao), melhor atriz (Frances McDormand);
“Meu Pai” (Inglaterra) – melhor ator (Anthony Hopkins), melhor roteiro adaptado (Florian Zeller e Christopher Hampton);
“Judas e o Messias Negro” (EUA) – melhor ator coadjuvante (Daniel Kaluuya), melhor canção (“Fight for You”, de H.E.R., Dernst Emile II e Tiara Thomas);
“Mank” (EUA) – melhor fotografia (Erik Messerschmidt), melhor direção de arte (Donald Graham Burt e Jan Pascale);
“Minari” (EUA) – melhor atriz coadjuvante (Yuh-Jung Youn);
“Bela Vingança” (Inglaterra) – melhor roteiro original (Emerald Fennell);
“O Som do Silêncio” (Inglaterra) – melhor montagem (Mikke Nielsen) e melhor som (Nicolas Becker, Jaime Baksht, Michelle Couttolenc e Carlos Cortés);
“A Voz Suprema do Blues” (EUA) – melhor cabelo/maquiagem (Jamika Wilson, Mia Neal e Sérgio Lopes-Rivera), melhor figurino (Ann Roth);
“Soul” (EUA) – melhor longa de animação, melhor trilha sonora (Jon Batiste, Trent Reznor e Atticus Ross);
“Druk – Mais uma Rodada” (Dinamarca) – melhor filme internacional;
“Professor Polvo” (África do Sul) – melhor longa documentário;
“Tenet” (EUA) – melhores efeitos visuais;
“Colette” (França-Inglaterra) – melhor documentário de curta-metragem;
“Dois Estranhos” (EUA) – melhor curta (live action);
“Se Algo Acontecer… te Amo” (EUA) – melhor curta de animação.
(*) Publicado originalmente em Revista de Cinema. Reproduzido com autorização da autora.