Ao contrário do que dizem cinicamente os porta-vozes de Washington e de Bruxelas, os bombardeios dos EUA/Otan de 1999, que duraram 78 dias, trouxeram “a guerra de volta à Europa pela primeira vez desde a II Guerra” – e não a operação russa na Ucrânia em 2022 para desnazificar e desmilitarizar o regime imposto pelo golpe de Estado CIA-neonazis há oito anos e dar fim à limpeza étnica no Donbass.
Foi no dia 24 de março, há 23 anos, que os EUA e seus satélites da Otan iniciaram o bombardeio da Iugoslávia, uma guerra de agressão covarde que matou milhares de civis – inclusive crianças, mulheres e idosos – e expulsou mais de 200 mil pessoas de seus lares, destruiu escolas, hospitais, asilos, livrarias, pontes, usinas elétricas, estações de tratamento de água, fábricas, refinarias, monumentos históricos.
Contra o povo iugoslavo, foram despejadas 14 mil bombas – inclusive as de fragmentação, proibidas, e as de urânio exaurido – e 2,3 mil mísseis. Pelo menos 40 mil casas foram destroçadas ou seriamente avariadas e 20 hospitais foram bombardeados.
O que explicaria o massacre na ponte de Nis, em 12 de abril, senão a intenção de causar pavor à população civil? O resultado: um trem de passageiros atingido em cheio quando passava pela ponte, com 15 mortos, 44 feridos e um número não sabido de desaparecidos.
Já estava presente ali o que depois se tornaria o “modus operandi” dos drones de Obama. Atingido o trem, quando as vítimas buscavam se salvar, outro ataque. “Nosso colega pulou do trem assim como eu”, narrou um sobrevivente, Boban Kostic. “Ele estava realmente assustado. Mas outro míssil atingiu e o explodiu em pedaços”, acrescentou outra testemunha, Goran Mikic.
“Por que? Por que civis? Por que um trem?”, questionou Dragan Ciric, ao relembrar de tudo, quinze anos depois. “Isso ainda me atormenta, se o primeiro míssil foi um erro, então porque os outros três seguintes?”
“PRIMEIRA VEZ”
Como lembraria depois o ex-primeiro-ministro alemão Schroeder, “foi a primeira vez, depois da II Guerra Mundial, em que a Luftwaffe voltou a bombardear um país”. A Iugoslávia fora um dos países onde foi maior a resistência ao nazismo.
Ao receber o primeiro-ministro alemão, Olaf Schloz, – no esforço de semanas da Rússia para obter garantias de segurança e o fim da expansão da Otan até suas fronteiras – Putin fizera questão de rememorar quem fora, de fato, que trouxera os bombardeios “de volta à Europa”.
Na época, o prejuízo para a economia iugoslava foi de cerca de US$ 30 bilhões; as 14 maiores empresas do país foram devastadas.
“ESPANTO E PAVOR”
Como seria apoteoticamente alardeado no ataque inicial a Bagdá quatro anos depois sob W. Bush e em rede de televisão mundial, esse tipo de campanha aérea fora apropriadamente chamada pelo Pentágono de “espanto e pavor”, sem esconder sua inspiração no modo de guerra nazista.
Do “pavor e espanto” não escapou a sede da emissora de tevê de Belgrado (censurada e calada com míssil: às favas com a liberdade de expressão), que matou seis jornalistas.
E nem mesmo a embaixada da China, destruída por um míssil ‘inteligente’ por causa de um “erro de mapa”. Três cidadãos chineses mortos no ataque.
No dia 29 de março, um centro da Cruz Vermelha em Prístina, capital de Kosovo, foi destruído por um bombardeio da Otan. Indisfarçável crime de guerra.
O uso das bombas de urânio exaurido teve como consequência o fato de que a incidência do câncer nas crianças sérvias diagnosticadas é três vezes maior que a média europeia.
As mãos do criminoso de guerra Bill Clinton continuam até hoje manchadas com o sangue dessas milhares de vítimas iugoslavas e a justiça de Nuremberg continua clamando pelo indiciamento dos carniceiros.
OTAN MARCHA PARA LESTE
A guerra contra a Iugoslávia foi desfechada para chantagear a Rússia em crise e abrir o caminho para a anexação, um após outro, dos estados do leste europeu ex-membros do Pacto de Varsóvia e, depois, de ex-repúblicas soviéticas, como também para livrar Clinton do escândalo com a estagiária Monica Levinsky, quando quase sofreu um impeachment.
O significado ficou claro para o então primeiro-ministro russo, Yevgeny Primakov, que, a caminho de Washington para conversações, retornou ao seu país determinado a perseverar na marcha para o oriente, cujos frutos atualmente são vistos nas excepcionais relações China-Rússia, depois de um estremecimento desde os tempos em que Khrushev estava à frente da URSS.
A Casa Branca escolheu para iniciar o primeiro bombardeio de uma capital europeia “desde a II Guerra Mundial” o dia em que Primakov viajava para Washington.
PROVOCAÇÃO EM RACKAK
A guerra dos EUA/Otan contra a Iugoslávia seguiu o manual imperial e, na falta do “incidente de Tonkin” ou do “Afundem o Maine”, serviu a encenação feita por um enviado especial do governo norte-americano, segundo o qual houvera um “massacre em Rackak” de “civis albaneses” pelos sérvios.
Os extremistas, caídos em combate com tropas iugoslavas, haviam tido suas vestes trocadas para aparentarem ser civis.
Assim, o que antes era descrito pelo enviado especial de Clinton aos Bálcãs como “sem qualquer dúvida, um grupo terrorista”, do dia para a noite virou um “movimento de libertação”. Mais tarde, se saberia que, além do contrabando e do narcotráfico, o ELK se dedicou ao tráfico de órgãos de sérvios.
Legistas russos, bielorrussos e finlandeses encontraram traços de pólvora nas mãos dos “civis” supostamente “executados”, o que mostrava que as mortes haviam sido em combate e não como Washington acusava.
“Há muito se sabe que isso era uma ‘encenação’”, reiterou o agora ministro das Relações Exteriores russo, Sergei Lavrov. “Infelizmente, o então chefe da missão da OSCE, o americano Walker, organizou essa provocação e, tendo chegado ao local e encontrado cadáveres que, como eu disse, estavam bem vestidos em trajes civis, ali mesmo declarou que um ato de genocídio havia ocorrido”.
Antes do bombardeio, Washington enviou um ultimato à Iugoslávia – já reduzida à Sérvia e Montenegro -, exigindo que Belgrado aceitasse a ocupação pela Otan e cedesse Kosovo – que é o berço da nação sérvia, mas, atualmente, de maioria albanesa –, além de promover um programa total de privatizações. Belgrado se recusou e foi bombardeada por quase três meses.
CAMP BONDSTEEL
Ao bombardeio se seguiu a ocupação de Kosovo pelas tropas da Otan, depois de declarado “independente” por Washington e Bruxelas e da instalação de um poderosa base militar norte-americana e esquartejamento final da Iugoslávia. Camp Bondsteel é a maior base dos EUA fora de seu território.
Na quinta-feira (24), a Rússia anunciou uma operação militar, atendendo ao pedido de assistência das recém reconhecidas repúblicas de Donetsk e de Lugansk para o encerramento da guerra de oito anos movida pelo regime de Kiev, com apoio dos EUA, contra a população étnica russa do Donbass.
Nos dias que antecederam a decisão, Kiev reiterou que não cumpriria “as cláusulas russas” dos Acordos de Minsk e escalou as ameaças à segurança da Rússia ao acrescentar à exigência de ser anexado à Otan a de se armar nuclearmente, em aberta violação dos Memorandos de Budapeste.
“Nenhuma outra possibilidade nos foi deixada para proteger nossa nação e nosso povo”, disse Putin em seu discurso à nação russa do dia 24. “Durante 30 anos, tentamos deliberada e pacientemente chegar a um acordo com os países da Otan sobre segurança igual e indivisível na Europa”.
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