
Após, no domingo, desrespeitar todas as recomendações do Ministério da Saúde, na quarta-feira (18/03), Bolsonaro – de máscara -, em entrevista coletiva, disse o seguinte:
“Somente dessa forma, seguindo os preceitos ditados pelo Ministério da Saúde, como em primeiro lugar medidas básicas de higiene, podemos alongar a curva da infecção.”
Em seguida, revelou que ele e seu governo jamais subestimaram a ameaça: “Sabíamos que ele viria e fazíamos comparações com outros países”.
É pouca vergonha demais. Na própria quarta-feira, o sujeito usava a máscara quase como brinquedo, apesar do que falava.
O grau de mentira, de falsidade, de fraude, em Bolsonaro, talvez seja a primeira coisa absoluta conhecida por nós.
O sujeito chamou a epidemia de “fantasia“, de “histeria”, que “outras gripes mataram mais do que essa“ – e depois declara que sempre soube o que é a epidemia de coronavírus.
Sobre domingo, disse que nunca desrespeitou as recomendações do Ministério da Saúde.
Tudo o que ele fez foi visto por milhões de pessoas.
Tudo o que ele disse agora foi ouvido e visto por milhões.
Mas ele não se avexa de dizer que não fez o que fez algumas horas antes, três dias atrás, sem nenhuma trava moral, sem nenhum remorso pela mentira, sem nenhum pudor, sem um miligrama de sentimento de honra, sem nenhuma dignidade.
Esse é o chefe desse governo – algo tão monstruoso que exige o alerta dos homens de bem. Graças aos céus, há muitos no país.
Mas não é somente ele, embora ele seja o espelho dessa malta.
ELETROBRÁS
Por que Paulo Guedes, ao anunciar o seu pacote supostamente contra a epidemia de coronavírus, colocou no meio a privatização da Eletrobrás, como se isso tivesse alguma importância nos recursos para combater o Covid-19?
Segundo disse, se os parlamentares não aprovarem a privatização da Eletrobrás, será obrigado a contingenciar – bloquear – R$ 16 bilhões.
A Eletrobrás não é uma despesa do governo. É uma empresa. Portanto, ele não pode contingenciar dinheiro do Orçamento porque ela não foi privatizada – até porque ninguém sabe o preço pelo qual um suposto comprador a levaria. O contingenciamento seria totalmente ilegal.
Mas o que Guedes está dizendo é: se vocês não engolirem a privatização da Eletrobrás, eu corto o Orçamento e quem tiver coronavírus vai morrer, por falta de atendimento.
O que revela o desprezo de Guedes – como o de seu chefe – pelos seres humanos, pelo Brasil e pelas leis.
Alguns deputados – quase todos – encararam isso como uma chantagem, para forçar a aprovação de algo contra a opinião da maioria do Congresso.
Com razão. Vista sob esse aspecto, seria um crime, pois chantagem é crime – pior ainda quando é um crime contra a democracia, contra o Congresso, contra as instituições do país, contra o povo brasileiro, em síntese.
Mas existe um crime ainda maior.
Guedes e Bolsonaro sabem perfeitamente que a privatização da Eletrobrás não tem chance alguma de passar pelo Congresso. Mesmo quem é a favor, sabe que é impossível: “não tem a menor condição”, declarou, na quarta-feira (18/03), o deputado Pedro Paulo (DEM-RJ), não somente sobre a privatização da Eletrobrás, mas também sobre o “projeto Mansueto” (o arrocho aos Estados), do qual é relator.
Mas é exatamente com a rejeição – ou não consideração – desses projetos de destruição nacional (Guedes enviou 19 [dezenove] ao Congresso), que eles estão jogando.
Por que o Congresso iria aprovar a privatização da Eletrobrás, se esses recursos não existem – e, para enfrentar o coronavírus, nunca vão existir?
Do que se trata é de colocar os recursos que já existem para o enfrentamento da epidemia, não dizer que os recursos que importam são aqueles que não existem (por exemplo, os de uma suposta privatização da Eletrobrás).
Aliás, sem tocar em outras questões até mais importantes: em quanto tempo Guedes pretende realizar essa privatização, se o Congresso caísse na besteira de aprová-la? Para quando a epidemia passar?
Ou, olhando, ainda, por outro lado:
“Que milhões de empregados da ‘nova economia’ do bico fiquem sem faturar, na rua da amargura e sem proteção social. Não se ouviu providência do Ministério da Economia a respeito. Mas o governo disse que precisa aprovar logo a autorização para privatizar a Eletrobras, sem o que não entrarão R$ 16 bilhões previstos no Orçamento. Sem esse dinheiro, teria de suspender (‘contingenciar’) ainda mais despesas. Mas quem, se e quando, ó Senhor, vai comprar a Eletrobras neste colapso financeiro? É conversa fiada” (v. Vinicius Torres Freire, Governo solta pouco dinheiro contra epidemia e não pensa em pobres e pequenos, FSP 16/03/2020).
Tudo indica, portanto, que a privatização da Eletrobrás foi incluída por Guedes nesse imbroglio, porque não tem chance de ser aprovada.
Então, para quê?
Para que Bolsonaro e Guedes – agora que o sr. Augusto Heleno não pode mais exercer a função, derrubado que foi pelo coronavírus – culpem outra vez a Câmara, o Senado, e, certamente, o Supremo Tribunal Federal (STF), pelo que é culpa deles mesmos.
Em suma, para arranjar um pretexto golpista.
O presidente da Câmara tocou no problema quarta-feira (18/03): “Ele [Bolsonaro] fica arrumando inimigo para arranjar um conflito”.
É a política de criar impasses. Para quê?
Tudo, para Bolsonaro e para Guedes, é pretexto para um golpe e para uma ditadura. Se não existe pretexto, eles procuram forjar um, nem que seja colocando na pauta do Congresso aquilo que não tem chance de ser aprovado – como se os parlamentares tivessem obrigação de aprovar o que ele quer, e só o que ele quer.
Mas não é assim. Se fosse, já estaria instalada a ditadura. Mas não está, e a epidemia do coronavírus, de certa forma, acabou por expor à execração pública a hostilidade dessa quadrilha fascista ao povo, ao negá-la ou relativizá-la, ou seja, ao se recusar a defender o país, o povo, contra ela, indo contra até ao seu próprio ministro da Saúde.
GUEDES
O ministro da Economia, Paulo Guedes, até a última segunda-feira (16/03), nada tinha feito, nem proposto, para o enfrentamento da epidemia de coronavírus.
Segundo falou, na China “dizem que morreram só 5 mil pessoas”, o que ele acha uma pechincha.
“Mata menos” disse ele, “que todas as doenças que tivemos aqui”.
Isso foi dito na própria segunda-feira em que lançou o seu pacote.
Mas, vejamos o que ocorreu antes.
Na quarta-feira anterior (11/03), Guedes reuniu-se com líderes de partidos, ansiosos por alguma providência contra a epidemia. Descobriram que o governo pretendia fazer exatamente NADA.
Veja o leitor, se não é coisa de vigarista – e vigarista vulgar, pé de chinelo – o que disse Guedes aos parlamentares:
“Primeiros estudos nossos: se for uma coisa suave, 0.1 [ponto percentual] de perda do PIB. Se for uma coisa mais grave, pode chegar a 0.3, 0.4 até 0.5.”
Que estudos? Como se pode prever uma coisa dessas, com a precisão de alguns décimos (0,1, 0,3, 0,5), e, ao mesmo tempo, com uma variação de 400% (0,1 para 0,5)?
Que estudos são esses?
É evidente que isso é coisa de trambiqueiro – como, aliás, se viu em seguida -, que sempre cita um “estudo” (nesse caso, até mais de um) para passar a perna no próximo, que, supostamente, não “estudou”.
O que ele achava, mesmo (para que estudo?), é que não era necessário fazer nada contra a epidemia, porque, se houvesse algo, só o povo é que seria atingido:
“Se, ao contrário, a pandemia tomar conta do Brasil e nós não fizermos as nossas reformas, pode chegar até 1%.”
Logo, o problema não era dele, e sim dos deputados, que tinham de aprovar essas “reformas”, começando pelo fim dos gastos constitucionais obrigatórios do governo em Educação e Saúde e o arrocho geral em todos os Estados, para aumentar a parcela do setor financeiro na renda nacional (v. HP 17/03/2020, “Pacote de Guedes é fake news e só piora a situação”, diz economista).
Então, para enfrentar a epidemia, segundo Guedes, era necessário diminuir o orçamento da Saúde – tanto o federal, quanto o dos Estados. E também diminuir o orçamento da Educação. Pois é isso o que significa acabar com os gastos obrigatórios determinados pela Constituição.
Mais ainda. Segundo Guedes, era prejudicial fazer alguma coisa contra a epidemia do coronavírus:
“Se nós continuarmos com as nossas formas de vida, a economia resiste um pouco mais – porque nós vamos continuar saindo, almoçando, indo a jogo de futebol – e a contaminação aumenta. Se nós, por outro lado, mudamos nosso comportamento, a contaminação desce, mas a economia afunda.”
Um dos líderes – foi o do PP, Arthur Lira (AL) – retirou-se da reunião. Os outros, partiram para cima de Guedes. A situação não foi ao chamado desforço físico, apenas porque o presidente do Senado, que estava presente, apaziguou um pouco a situação, pedindo que o debate fosse transferido para o plenário das Casas Legislativas. Mas não foi fácil.
No dia seguinte, quinta-feira (12/03), o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, depois de ouvir alguns deputados, literalmente horrorizados com o que presenciaram na reunião com Guedes, declarou:
“Não posso imaginar que, numa crise desse tamanho, o ministro tenha encaminhado uma lista de 19 projetos para transferir a responsabilidade para nós. Não posso acreditar que um homem de 70 anos, com a experiência dele, tenha mandado esses projetos com essa intenção. Não acredito nisso. A crise é tão grande que a gente não tem direito nem de imaginar que o ministro da Economia de uma das maiores economias do mundo, o com mais poder desde a redemocratização, possa ter pensado de forma tão medíocre” (v. Plano de Guedes tem ‘quase nada’ para combater crise do coronavírus, diz Maia).
Uma forma diplomática de se expressar. Pois foi exatamente isso o que fez Guedes.
PACOTE
Na sexta-feira (13/03), até os bolsonaristas de bom senso – ou, melhor, ex-bolsonaristas – estavam querendo a extripação (em termos políticos, é claro) de Guedes.
Foi quando ele anunciou que “dentro de 48h” teria um plano contra a epidemia de coronavírus.
Demorou 72h para apresentar algo que poderia ser rascunhado – em cima da perna – no intervalo de 30 minutos. Deve ser porque ele e seus bizarros assessores não trabalham no fim de semana.
Até então, a posição de Guedes, frisamos, era exatamente a mesma de Bolsonaro, que, por sua vez, era (e ainda é) uma cópia quadrúpede – isto é, firmemente aferrada nas quatro patas – de Trump.
O MODELO
A propósito: Nicholas Kristof, no “The New York Times”, lembrou que Trump foi processado, pelo Departamento de Justiça dos EUA, por, em seus edifícios, proibir o aluguel de apartamentos a negros.
O peculiar é que esse processo, por “discriminação habitacional”, foi movido pelo Departamento de Justiça do governo Nixon, que, como diz Kristof, estava muito longe de ser progressista.
Mas há limite para tudo.
Kristof acrescenta o depoimento de um ex-empregado nos cassinos de Trump, Kip Brown: “[quando Trump visitava o cassino] os negros da equipe eram retirados do andar, para que ele não pudesse vê-los” (cf. Nicholas Kristof, Trump Is Racist to the Bone, TNYT 17/07/2019).
Esse animal é o modelo de Bolsonaro – e de Guedes, que considera que a suprema prova da inteligência é ganhar dinheiro.
QUE MORRAM
Guedes não é “apenas” um vigarista, acostumado a dar golpes em fundos de estatais, e um incompetente público (o economista André Lara Resende chamou essa incompetência de “liberalismo primitivo”, no que tem razão, ao indicar que Guedes é incompetente por ideologia).
Mas é, também, um criminoso: que morram alguns milhares de brasileiros por causa do coronavírus, qual a importância disso?
Aqui, usamos a palavra “criminoso” (tentamos, também, “genocida”, mas não deu muito certo) para não usar outra, porque nos pareceu que esta outra poderia ferir a sensibilidade de algumas leitoras.
Guedes é um sujeito capaz de elogiar a fecunda obra de Pinochet, aquele banho de sangue na bela pátria de Pablo Neruda – e ainda berrar por mais repressão, mais massacre:
“Não se assustem então se alguém pedir o AI-5. Já não aconteceu uma vez? Ou foi diferente?” (Guedes, 26/11/2019, entrevista coletiva em Washington).
A que ele estava se referindo?
À possibilidade do povo não aceitar as suas “reformas”.
FARSA
Nílson Araújo de Souza já analisou, aqui, as medidas do pacote de Guedes (v. HP 17/03/2020, “Pacote de Guedes é fake news e só piora a situação”, diz economista).
Trata-se de uma farsa, composta de adiantamentos (do 13º salário dos aposentados: R$ 46 bilhões; do abono salarial: R$ 12,8 bilhões) e adiamentos (do pagamento do FGTS pelas empresas: R$ 30 bilhões; do recolhimento de impostos federais nas empresas sob o regime do Simples Nacional: R$ 22,2 bilhões).
E mais algumas coisas (por exemplo, dinheiro não sacado do PIS/Pasep; redução de 50% nas contribuições do Sistema S por 3 meses; repasse do DPVAT, aquele que Bolsonaro queria acabar, etc.).
Guedes somou toda essa bagunça, de várias ordens distintas, para chegar aos R$ 147 bilhões que anunciou.
Íamos dizer que existem algumas coisas nesse pacote que são fictícias, mas a verdade é que todos esses valores são fictícios ou suposições.
O único dinheiro a mais são os R$ 3,1 bilhões para o Bolsa-família.
Mas isso é apenas para reincorporar os que foram cortados desse programa pelo próprio governo Bolsonaro.
CARLOS LOPES