O economista Nilson Araújo de Souza afirmou, em entrevista ao HP, que as medidas implementadas pelo governo Bolsonaro, longe de favorecer a retomada do crescimento, irão agravar o quadro recessivo. “O PIB brasileiro experimentou forte queda a partir de abril de 2014 até o final de 2016. Em 2017 e 2018, patinou em 1%, isto é, ficou “quicando” no fundo do poço. Neste ano de 2019, depois das projeções “alvissareiras” de que superaria os 2%, talvez nem repita a taxa medíocre do fatídico 1%”, disse.
HP – Alguns setores, inclusive do governo, afirmam que a economia brasileira está em recuperação. Que houve em outubro, segundo o CAGED, a criação de mais de 70 mil postos de trabalho. Reportagens na mídia chegaram a afirmar que as máquinas da indústria voltaram a ser ligadas. O ex-governador Ciro Gomes contestou essa avaliação dizendo que subir dois degraus depois de cair 14 não significa retomada da atividade econômica. Qual é a sua avaliação?
NILSON – O PIB brasileiro experimentou forte queda a partir de abril de 2014 até o final de 2016. Em 2017 e 2018, patinou em 1%, isto é, ficou “quicando” no fundo do poço. Neste ano de 2019, depois das projeções “alvissareiras” de que superaria os 2%, talvez nem repita a taxa medíocre do fatídico 1%.
As pessoas se perguntam então: por que a economia não volta a crescer se a taxa Selic reduziu para um patamar relativamente baixo: 5% em termos nominais e menos de 2% em termos reais? O problema é que não se está utilizando a “economia” feita com a redução dos juros para aumentar o investimento público, principal alavanca do crescimento. Ao contrário, tem sido barbaramente ceifado.
Com a ameaça no horizonte de nova crise do balanço de pagamentos, as expectativas para o crescimento da economia não são muito promissoras. Pior ainda, se o governo responder à crise das contas externas com o retorno da elevação dos juros, como forma de conter a fuga de dólares.
HP – O ministro da Economia, Paulo Guedes, estimulou a especulação cambial com uma declaração de que o dólar poderá continuar a subir. No mesmo dia o Banco Central fez duas intervenções vendendo dólares e a moeda americana não caiu. Por que, na sua avaliação, o dólar está subindo de preço? Como você analisa esses episódios envolvendo o comportamento de Guedes e do BC?
NILSON – O ministro, no último dia 25, declarou em Washington, literalmente, o seguinte: “é bom se acostumar com o câmbio mais alto e juros mais baixos por um bom tempo”. Com isso, jogou mais lenha na fogueira da disparada do câmbio, pois, se o próprio ministro da Economia está dizendo que o dólar vai subir, os especuladores tenderão a testar. Mas, na verdade, ele apenas jogou mais lenha numa fogueira que já existia.
O dólar já vinha se valorizando desde o começo do mês, particularmente desde o fracasso, do ponto de vista do governo, dos leilões do pré-sal (é bom lembrar que, do ponto de vista do interesse nacional, os leilões foram um sucesso, pois foi a Petrobrás que ganhou, mas o que o governo queria era entregar para grupos estrangeiros, que não compareceram). A causa imediata desse aumento da moeda estadunidense é a fuga de dólares.
Houve uma queda de US$ 22,7 bilhões nas reservas internacionais brasileiras nos últimos cinco meses, atingindo US$ 40 bilhões nos últimos 12 meses. Mas se intensificou no período recente: de acordo com projeção do banco suíço UBS, a evasão de dólares dos últimos três meses, se anualizada, chegaria a US$ 75 bilhões. Existem causas estruturais para essa fuga de dólares. Em primeiro lugar, a crise capitalista mundial, mesmo com altos e baixos, persiste, e tende a se agravar, com as ameaças de recessão ou forte desaceleração no horizonte.
Nesse quadro, o dólar tende a evadir-se dos lugares que os especuladores consideram menos seguros para garantir o “repatriamento”. E o Brasil é um forte candidato. Em artigo recente do economista José Luis Oreiro, ele relembra duas notícias publicadas no jornal Valor Econômico: “ A primeira referente ao déficit crescente da indústria de transformação no Brasil, o qual nos últimos 12 meses se encontrava em US$ 31,5 bilhões de dólares. A segunda referente ao déficit cambial brasileiro que acumulava o valor de US$ 21, 2 bilhões até novembro do corrente ano”.
O déficit cambial é a manifestação da fuga de dólares que já mencionei e resulta de uma situação mais estrutural: a redução do superávit comercial brasileiro, que, depois de haver atingido US$ 66,9 bilhões em 2017, caiu para US$ 58,6 bilhões em 2018 e, neste ano, projeta US$ 47,25 bilhões.
Com a redução do superávit comercial, os especuladores começam a temer pela possibilidade de “repatriamento” de suas aplicações no Brasil. Parte dessa redução do superavit se explica pela crise mundial, agravada pela guerra comercial movida pelos EUA contra a China, mas tem entre suas principais causas estruturais o “déficit crescente da indústria de transformação”, que resulta, por sua vez, da “abertura econômica” praticada nas últimas três décadas e que vem desindustrializando o país.
Neste sentido, estou de acordo com a conclusão do artigo de Oreiro: “A continuidade da agenda liberal de Paulo Guedes – que prevê inclusive uma nova rodada de redução das alíquotas de importação – pode estar plantando as sementes da próxima crise do balanço de pagamentos. Se assim for o velho General Restrição Externa poderá voltar novamente ao campo de batalha pondo fim a mais um experimento liberal na América Latina”. O governo pode tentar evitar isso voltando a aumentar a taxa de juros do BC, mas o resultado, já conhecido, será agravar o quadro recessivo.
HP – A expectativa do governo é de que, com as medidas de rebaixamento salarial, cortes de direitos sociais e trabalhistas e venda do patrimônio público, o capital estrangeiro aportará investimentos no país. Qual a sua avaliação destas medidas e qual é a chance do governo Bolsonaro estar certo nesta avaliação? Como estas medidas repercutem na economia do país?
NILSON – A nova onda neoliberal não está sendo chamada de ultraneoliberal à toa. É que ela tende a ser mais grave do que a anterior, inaugurada com o Consenso de Washington em 1989.
Lá, a retirada de direitos trabalhistas, a abertura das economias dependentes e a privatização e desnacionalização de seus patrimônios tinham como objetivo favorecer as condições para que a economia mundial imperialista, particularmente seu núcleo hegemônico, os EUA, superasse a crise estrutural em que mergulhou desde o início da década de 1970.
Mas o fantasma da crise, depois de assombrar com o colapso da “nova economia” em 2001/2002, reapareceu com força no colapso financeiro deflagrado em 2007/2008. Por isso, a oligarquia bélico-financeira dos EUA resolveu radicalizar: ao mesmo tempo em que, por meio do governo Trump, fortalece os mecanismos de proteção de sua economia, promove a guerra comercial para forçar os demais países a abrirem ainda mais suas economias para seus produtos e capitais, além de exacerbarem na retirada dos direitos dos trabalhadores.
Então, era de se esperar que as medidas nesse sentido realizadas ou prometidas pelo governo proto-fascista de Bolsonaro-Guedes poderiam atrair capitais estrangeiros. O leilão do pré-sal revelou que o buraco é mais embaixo.
A experiência histórica tem revelado que não basta a criação de condições favoráveis para atrair o capital estrangeiro. Depois do golpe de 1964, apesar de todas as condições criadas para favorecer o capital estrangeiro, dentre elas a derrogação da lei de remessa de lucros e o brutal arrocho salarial, ele só começou a aportar depois de 1968, isto é, depois que a economia voltou a crescer.
Ou seja, o capital estrangeiro nunca corre o risco que corre o protagonista do crescimento; só aporta depois que a economia volta a crescer. E essas medidas do governo, de rebaixamento salarial, corte de direitos trabalhistas e desorganização e alienação do patrimônio público, longe de favorecerem a retomada do crescimento, agravam as tendências recessivas, ao cortar o poder de compra dos trabalhadores e, portanto, a demanda interna, e ceifarem o investimento público.
Essa onda ultraneoliberal, por sua vez, não é compatível com a democracia.
As mobilizações populares no Equador, Chile e Colômbia revelam que o povo resiste. Portanto, não foi de brincadeira que, desde Washington, Guedes ameaçou com o AI-5: “Não se assustem se alguém pedir o AI-5”. Foi exatamente a edição desse famigerado instrumento, conhecido como o golpe dentro do golpe, que completou o processo ditatorial aberto com o golpe de 1964 e possibilitou as condições que faltavam para a invasão do capital estrangeiro depois de 1968.
Iludem-se, portanto, aqueles que propugnam a defesa da democracia, mas ao mesmo tempo se comprometem em levar adiante a agenda ultraneoliberal do pinochetista Paulo Guedes.
Por sua vez, o Lula termina jogando água no moinho dos fascistas entreguistas ao trabalhar pelo estreitamento da frente – que, na prática, se resumiria ao PT -, ao que acrescenta sua fiel escudeira: “agora, tem questões mais pontuais que outros setores podem se juntar a nós, por exemplo, a defesa da democracia”.
Enfim, para ela, a democracia não passa de uma questão pontual. Fala sério! Com essas ameaças de reeditar o AI-5, mais do que nunca é necessária a formação de uma ampla frente para barrar o fascismo e manter a democracia.