Os trechos dos depoimentos de Antonio Palocci, que apareceram na tarde de sexta-feira, foram negados por Lula, segundo o qual seu ex-ministro da Fazenda está “inventando histórias” com o objetivo de obter os benefícios da “colaboração premiada”.
O problema é que aquilo que se tornou conhecido sobre o testemunho de Palocci tem lógica – é inteiramente coerente com outras provas e acontecimentos em outros processos. Ao mesmo tempo, parecem corresponder ao que se sabe sobre a personalidade de Lula.
Por exemplo, Palocci conta que perguntou a Lula: “Por que você não pega o dinheiro de uma palestra e paga o seu triplex?”.
A resposta, relatada por Palocci, é a que poderia se esperar de Lula: porque um triplex em Guarujá seria algo estranho “na sua biografia”.
Para um homem que há muito vive de projetar uma falsa imagem, essa resposta parece tão real quanto as explicações sobre o aumento de seu patrimônio (v. PT diz que Lula enriqueceu com palestras).
Existe algo, além disso, que complica – digamos assim – a negativa de Lula: quem não sabia, dentro do PT e nos meios políticos, que Palocci era o operador de Lula?
Sendo assim, por que Palocci recorreria a mentiras, se tem, com certeza, tantas coisas verdadeiras à sua disposição para contar?
Porém, vejamos uma coletânea do que apareceu até agora do depoimento de Palocci.
EM ESPÉCIE
“… se recorda que, dos recursos em espécie recebidos da Odebrecht e retirados por Branislav Kontic [o segundo de Palocci], levou em oportunidades diversas cerca de trinta, quarenta, cinquenta e oitenta mil reais em espécie para o próprio Lula;
“… esses valores eram demandados pelo próprio Lula com a orientação dada por ele de que não devia comentar os pedidos com Paulo Okamoto nem com ninguém;
“… sempre atendia aos pedidos de Lula;
“… posteriormente, já no curso da Operação Lavajato, o próprio Branislav informou que recebia recursos em espécie da Odebrecht de Fernando Migliaccio;
“… os valores eram utilizados para pagamento de contas do Instituto [Lula], de contas extras da entidade, contas do próprio colaborador [Palocci], de pedidos que o próprio Lula fazia, como em oportunidade que solicitou que efetuasse pagamentos na ordem de 30 mil reais em determinada conta;
“… não indagou a Lula o motivo dos depósitos solicitados;
“… acredita que Lula pediu ao colaborador cerca de oito a nove vezes valores em espécie;
“… em média, os valores chegavam a 50 mil reais;
“… se recorda que levou valores a Lula em Brasília/DF;
“… levou valores em espécie a Lula em diversas vezes em São Paulo/SP;
“… já levou valores em espécie para Lula dentro da aeronave presidencial;
“… indagado se existem testemunhas dessas entregas, respondeu que em determinada oportunidade levou 50 mil reais em espécie a Lula no Terminal da Aeronáutica em Brasília/DF, durante a campanha de 2010, dentro de uma caixa de celular na frente do motorista do colaborador, cujo nome era Cláudio Gouveia;
“… em São Paulo, recorda-se de episódio de quando levou dinheiro em espécie a Lula dentro de caixa de whisky até o Aeroporto de Congonhas, sendo que no caminho até o local recebeu constantes chamadas telefônicas de Lula cobrando a entrega, momentos que eram testemunhados pelo motorista Carlos Pocente, o qual, inclusive, teria brincado com o colaborador, perguntando se toda aquela cobrança de Lula se dava apenas por uma garrafa de whisky, sendo que o colaborador respondeu ao motorista que era óbvio que a insistência de Lula não era por bebida, e sim pelo dinheiro;
“… o motorista afirmou ao colaborador que estava brincando e que sabia que se tratava de dinheiro em espécie; isso também ocorreu em 2010.”
TRANSAÇÕES
Segundo disse Palocci, José Carlos Bumlai e João Vacari Netto cobraram R$ 30 milhões da Andrade Gutierrez, supostamente para pagar Delfim Neto, mas este somente recebeu R$ 4 milhões.
“… Lula confidenciou ao colaborador [Palocci] de que também Bumlai pretendia receber parte dos 30 milhões;
“… os trabalhos de Bumlai eram feitos, muitas das vezes, para a sustentação da família de Lula;
“… em várias oportunidades, Bumlai solicitava ao colaborador recursos para atender aos projetos dos filhos de Lula;
“… não achava adequado que Bumlai desempenhasse atividade em prol de Lula, tendo inclusive exposto sua preocupação ao ex-Presidente;
“… soube posteriormente, por João Vaccari Neto em um novo encontro, dentre os muitos que tiveram, que havia sido autorizado pelo PT que se abatessem quinze milhões dos valores devidos ao Partido para pagamentos devidos a Antonio Delfim Neto;
“… o colaborador soube posteriormente que dos trinta milhões devidos, apenas quinze milhões foram quitados;
“… posteriormente, em conversa com Delfim, este informou ao colaborador que havia recebido cerca de R$ 4.000.000,00 (quatro milhões de reais) pela sua atuação na obra da Usina de Belo Monte;
“… os valores, segundo Delfim Neto, eram inferiores ao montante devido”.
MORAL E PATRIOTISMO
Palocci relatou a guerra entre Lula e Dilma, após a eleição desta, pelo controle da Petrobrás. Os sobrepreços e superfaturamento nos contratos das empreiteiras com a Petrobrás, eram a principal fonte de propina, que bancava o PT e outros partidos governistas.
Palocci foi ministro da Casa Civil de Dilma. Segundo contou, a substituição de José Sérgio Gabrielli por uma despreparada, Maria das Graças Foster, que tinha como única credencial ser amiga de Dilma, na presidência da Petrobrás, foi o evento culminante dessa guerra:
“… deve ser relembrado que Gabrielli era íntimo de Lula, ao passo que Graça era íntima de Dilma;
“… não havia qualquer intimidade entre Lula e Graça e a relação entre Dilma e Gabrielli comportava permanentes atritos;
“… para Dilma, a nomeação de Graça significava a afirmação de seu novo governo e a preparação para o processo da reeleição presidencial;
“… esse ato também se revestia de um lado ilícito, uma vez que representava meios de Dilma inviabilizar o financiamento eleitoral dos projetos de Lula retornar à Presidência, ao passo que viabilizaria recursos para sua reeleição, deslocando as doações para o PT, onde contava com a lealdade pessoal de Rui Falcão, então presidente da sigla.”
Essa guerra era extensiva à Sete Brasil, empresa financeira privada, formada pelo esquema do PT na Petrobrás, para intermediar a construção e o aluguel de sondas de petróleo. O principal sócio da Sete Brasil era o BTG Pactual, um banco de segundo andar, que foi cevado durante o governo do PT:
“Naquele momento, iniciam-se frequentes encontros do colaborador [Palocci] com João Ferraz [presidente da Sete Brasil], com Luiz Inácio Lula da Silva, com André Esteves [presidente do BTG e sócio da Sete Brasil] e com João Vaccari [tesoureiro do PT];
“… os encontros tinham por temática a pressão de Dilma na Sete Brasil para retirá-la do controle de Lula;
“… se recorda que, naquele primeiro momento, Lula chamou o colaborador e solicitou que ele resolvesse o problema, tendo respondido que aquilo era uma briga com Dilma, na qual o colaborador não se envolveria;
“… se tratava dos momentos iniciais da tomada de controle da Sete Brasil por Luiz Inácio Lula da Silva;
“… também se recorda que Lula teve sucessivas reuniões com Graça, em 2012, para pressioná-la a dar andamento no processo de contratação dos navios-sonda do pré-sal”.
Ferraz (na verdade, João Carlos Ferraz) estava assustado porque achava que Dilma faria pressão para demiti-lo, identificando-o como alguém de Lula (o que, aliás, era verdade).
A Sete Brasil era o esquema favorito de Lula para bancar a manutenção do PT no governo à custa de propinas. E, além do que se sabe pelo próprio Palocci, “a auditoria interna instalada na Sete Brasil, após a remoção de João Carlos Ferraz e Pedro Barusco da direção da empresa, estimou a soma das propinas, durante a administração Ferraz/Barusco, em 224 milhões de dólares. Em seu depoimento, o próprio Barusco, ex-vice presidente da Sete Brasil, declarou à PF e ao Ministério Público que dois terços desse total foram para o tesoureiro do PT, João Vaccari; um terço foi para funcionários da Sete Brasil e para o então diretor de Serviços da Petrobras, Renato Duque, o parceiro de Vaccari” (cf. Carlos Lopes, Os Crimes do Cartel do Bilhão contra o Brasil – o esquema que assaltou a Petrobrás, Fundação Instituto Claudio Campos, 2016, pp. 99-100).
No meio desse pega-pra-capar, diz Palocci, houve mais um problema: a dubiedade do banqueiro André Esteves, do BTG Pactual:
“… em 2012, após a nomeação de Graça Foster, André Esteves adotava uma postura bastante dissimulada junto aos dois grupos políticos do PT que se formavam, encabeçados por Lula e Dilma;
“… junto a Graça Foster, André Esteves tinha a conduta de aceitar sua posição de demitir Ferraz da presidência da Sete Brasil;
“… ao mesmo tempo que André Esteves buscava se aliar aos interesses da Petrobras e, assim, controlar conjuntamente a Sete Brasil, André Esteves também desejava agradar os interesses de Luiz Inácio Lula da Silva;
“… por tal motivo, junto a Lula, André Esteves defendia a permanência e o fortalecimento de Ferraz no controle da Sete Brasil”.
Ferraz acabou preso e condenado a oito anos de cadeia (devolveu US$ 1,9 milhão das propinas que agasalhou e pagou mais R$ 3 milhões de multa).
Aliás, quase todos nessa história – com exceção de Dilma e Graça Foster – acabaram presos. Inclusive Lula.
SEGUNDONA
Sobre Erenice Guerra, segunda de Dilma na Casa Civil no governo Lula (inclusive sucedendo-a no cargo), relatou Palocci:
“… indagado se Erenice Guerra sabia dos compromissos político-financeiros prometidos pelo Andrade [Gutierrez], respondeu que sim, que repetiu para a então Ministra a existência dos acertos de propina envolvendo a obra [da Usina de Belo Monte];
“… inclusive, na reunião com Otávio [Marques de Azevedo, presidente da Andrade Gutierrez], recorda-se que ele asseverou que por conta daquele contrato da Usina de Belo Monte, havia compromisso de pagamento de 1% referente aos valores que seriam recebidos por sua execução ao Partido dos Trabalhadores e ao PMDB;
“… Otávio confirmou junto com o colaborador aquele compromisso;
“… posteriormente o colaborador veio a saber que tal orientação era seguida a partir de acordo que havia sido estabelecido com Ricardo Berzoini e o próprio Otávio;
“… embora comunicando a Erenice Guerra a existência de grande doação ao PT por parte da Andrade Gutierrez, em virtude da obra, que ainda seria mantido o consórcio alternativo e que, no futuro, poderiam se discutir os envolvidos na construção da obra;
“… nenhuma porta do Governo, narrou Erenice, seria fechada”.
MAIS PROPINAS
Por fim, nos trechos divulgados, Palocci relata a participação de Giles Azevedo, secretário de Dilma – responsável por sua agenda durante todo o tempo em que foi presidenta.
“… de fato tratou com Otávio Marques de Azevedo [presidente da Andrade Gutierrez] acerca de arrecadação de valores para campanha eleitoral de 2010 do PT;
“… a respeito da afirmação de que o colaborador teria solicitado o pagamento de R$ 6.000.000,00 à agência Pepper, esclarece que o pedido específico provavelmente partiu de Giles de Azevedo, tendo o colaborador possivelmente recebido de Otávio a informação a respeito do pagamento, já que o assunto integrava os temas tratados pelo colaborador a respeito de pagamentos visando financiamento da campanha eleitoral;
“… o próprio Otávio Marques de Azevedo afirmou que as supostas conversas com o colaborador sobre os pagamentos à Pepper se davam no contexto das discussões de propina relativa a Belo Monte, sendo correto afirmar que os assuntos Pepper e Belo Monte podem ter sido eventualmente tratados no mesmo momento;
“… o próprio Otávio Marques de Azevedo também relatou que Giles de Azevedo era personagem que participou dos fatos relativos aos pagamentos para a agência Pepper;
“… esclarece que tratava com Otávio, nas reuniões, de todos os temas ilícitos;
“… nunca havia reunião específica e limitada a Belo Monte, ou ao Vox Populi, à Pepper, ou à campanha de 2010;
“… todos os assuntos eram tratados conjuntamente;
“… afirmava a Otávio que pagar Vox Populi efetivamente beneficiava o PT”.
Bem, leitores, esse é um resumo provisório.
Mas, convenhamos, é eloquente.
C.L.