O Produto Interno Bruto (PIB) do país, índice que mede todos os bens e serviços produzidos e serve de índice de crescimento econômico, despencou -1,5% nos primeiros três meses de 2020 sobre o trimestre anterior. O resultado oficial foi apresentado na manhã desta sexta-feira (29) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e expressa as condições em que o país entrou na crise gerada pela pandemia do novo coronavírus.
O resultado também reflete os primeiros impactos da pandemia – colocando o Brasil em estado recessivo, com expectativas de que o tombo no segundo trimestre seja ainda maior: o estado de calamidade e a decisão de estados e municípios de fecharem os serviços não-essenciais e decretação da quarentena começou, na maior parte do país, na segunda quinzena de maio.
De acordo com o IBGE, a queda é a mais alta desde o segundo trimestre de 2015, fazendo com que o patamar atual do PIB tenha regredido aos níveis de 2012. Em valores correntes, o PIB no primeiro trimestre totalizou R$ 1,803 trilhão. Essa queda dá sequência a resultados nada favoráveis de crescimento no último período. Em 2019, primeiro ano do governo de Jair Bolsonaro, o PIB foi o pior dos últimos três anos, com crescimento de apenas 1,1%.
Queda por setores
A retração no primeiro trimestre teve forte impacto do setor de serviços, que recuou -1,6% no período. O segmento representa 74% do PIB. Apenas em março, a queda no volume de serviços prestados, de acordo com a Pesquisa Mensal de Serviços também do IBGE, foi de 6,9%.
Já o PIB da indústria caiu -1,4% entre janeiro e março. A pesquisa mensal do IBGE identificou que o volume produzido, apenas em março, despencou -9,1%. Somente o PIB da agropecuária teve resultado de estabilidade no primeiro trimestre, com variação positiva de 0,6%.
“Aconteceu no Brasil o mesmo que ocorreu em outros países afetados pela pandemia, que foi o recuo nos serviços direcionados às famílias devido ao fechamento dos estabelecimentos. Bens duráveis, veículos, vestuário, salões de beleza, academia, alojamento, alimentação sofreram bastante com o isolamento social”, destacou a a coordenadora de Contas Nacionais do IBGE, Rebeca Palis.
Resultados do Primeiro Trimestre
– Serviços: -1,6%;
– Agropecuária: 0,6%;
– Indústria: -1,4%;
-Indústria extrativa: -3,2%;
-Construção civil: -2,4%;
-Consumo das famílias: -2%;
-Consumo do governo: 0,2%;
-Investimentos: 3,1%;
-Exportação: -0,9%;
-Importação: 2,8%.
O consumo das famílias desabou 2% no primeiro trimestre, resultado do impacto do fechamento dos estabelecimento e também do alto índice de desemprego e impossibilidade do contingente de trabalhadores informais conseguirem renda durante o período de quarentena. O auxilio emergencial de R$ 600 aprovado pela Câmara dos Deputados começou a ser pago apenas em abril, com o último lote de beneficiados recebendo apenas nesta sexta-feira.
“Foi o maior recuo desde a crise de energia elétrica em 2001”, destacou a pesquisadora do IBGE, acrescentando que o consumo das famílias pesa 65% do PIB. De acordo com o IBGE, o poder de compra foi gravemente afetado neste começo de ano pelo desemprego, queda de renda, endividamento alto e incertezas provocadas pela pandemia.
“O PIB caiu 1,5%, puxado pelo consumo das famílias. Que a economia não estava decolando todo mundo já sabia e ainda foi muito afetada pela pandemia”, comentou através do Twitter o economista Manoel Pires, da Fundação Getúlio Vargas. De acordo com Pires, o resultado será ainda pior sem a presença do estado no socorro de empresas e trabalhadores.
Os investimentos tiveram alta de 3,1% no primeiro trimestre, mas ainda manteve a taxa de investimento em relação ao PIB em 15,8% – bem abaixo do patamar de 21% atingido em 2013.
Projeções para o ano
Já que o dado apenas refletiu as primeiras semanas da pandemia, a expectativa dos economistas é de grave recessão nos meses de abril e junho.
O boletim Focus, do Banco Central (BC), passou a prever tombo de -5,89% em 2020 no início da semana – expectativa que deve ser revista para pior após a divulgação dos resultados oficiais do IBGE. Caso os números se confirmem, será o pior resultado anual desde 1901. Nesta semana, o Brasil se tornou o novo epicentro mundial da Covid-19, com mais de 26 mil mortos e 443 mil casos confirmados – atrás apenas dos Estados Unidos.
“O Brasil também terá de recorrer ao investimento público para se recuperar dos efeitos da crise atual. O ritmo anêmico de crescimento da economia brasileira anterior à pandemia já era prova cabal de que, sem aumento significativo do investimento público em infraestrutura, não é possível obter aceleração consistente do crescimento”, opina o professor e economista José Luiz Oreiro sobre o futuro próximo.
Ajuda não chega
Além do impacto que os atrasos no pagamento do auxílio emergencial tiveram sobre o consumo das famílias, a falta de crédito para que as empresas se mantenham de pé e a insistência do ministro Paulo Guedes em um “plano de saída” que mantenha o ajuste fiscal são fatores que levam a crer que a recessão será ainda pior do que se imagina.
De acordo com dados do Sebrae, 86% das empresas que buscaram crédito no último período não o conseguiram. Enquanto isso, os pedidos de recuperação judicial aumentaram 46,3% e, os de falência, 25% no mês passado.
Embora setores do governo tenham se levantado para sugerir planos econômicos que tenham o estado como centro da retomada econômica (como o plano Pró-Brasil, do ministro da Casa Civil, general Braga Netto), Guedes deixou claro mais de uma vez que sua agenda prevê manter o estado mínimo, incentivando reformas e deixando a recuperação na mão do mercado.
“Quando há uma crise grande como esta, nós temos que contar com o Estado na área da saúde e contar com o Estado na economia. Não podemos contar com o mercado de forma nenhuma, porque se deixar por conta do mercado a crise realmente será sem tamanho”, resume o professor e economista Luiz Carlos Bresser-Pereira.
PRISCILA CASALE