A pandemia de coronavírus no Brasil trouxe a tona muitos problemas e limitações de diferentes ordens da nossa economia. A dependência de outros países para a produção de produtos farmacêuticos foi o tema da live da Hora do Povo com os médicos e especialistas na produção de fármacos Francisco Rubió (UFMG) e Eduardo Costa (Fiocruz).
A intermediação do debate foi de Sérgio Cruz, redator especial do HP.
Após uma abordagem sobre o desenvolvimento da indústria de fármacos no país, o seu auge, a partir do governo de João Goulart e a destruição iniciada a partir do golpe que instalou a ditadura em 1964, os especialistas apontaram saídas para alavancar o desenvolvimento do setor farmacológico no Brasil.
Os médicos relataram a experiência do Grupo Executivo da Indústria Químico-Farmacêutica (GEIFAR), criado pelo governo Jango e que estabelecia um núcleo de trabalho composto por representantes dos principais ministérios do governo federal à época (Indústria e Comércio; Saúde; Ministério de Segurança Nacional; Banco do Brasil S. A.; Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico; Superintendência da Moeda e do Crédito; Carteira do Comércio Exterior do Banco do Brasil S. A.; Superintendência Nacional do Abastecimento (SUNAB)) para garantir o desenvolvimento do setor. O GEIFAR era presidido pelo ministro da Saúde, Wilson Fadul.
“Não era só planificação, era instrumento de intervenção direta. GEIFAR era grupo executivo, e não consultivo, da indústria farmacêutica nacional. Ele implementava as políticas do conjunto dos ministérios e dizia o que cada um deles deveria fazer e aplicar. Não era uma política, porque isso é uma orientação geral. Claro que tinha. Mas mais importante que isso eram os instrumentos de ação que eram dados para ele”, explicou o professor da Fiocruz.
Os dois debatedores consideraram que durante o governo de Geisel, ainda durante a ditadura, tentou-se reverter a desindustrialização do setor com uma política de substituição de importações, mas isso não foi suficiente e a política foi abandonada mais para frente.
“Aí veio a década de 1990 e é a nossa destruição final”, disse Eduardo Costa.
Nessa década, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, foi discutido mundialmente o acordo de patentes, que favorece as multinacionais, a partir da Organização Mundial de Comércio (OMC).
A Índia impôs condições para assinar o acordo. Somente aceitaria o reconhecimento de patentes depois de um prazo de 15 anos. Nesse tempo o país investiu em ciência e tecnologia e na capacitação industrial. A China também recusou-se a assinar o acordo, que era imposto principalmente pelos EUA, incondicionalmente. Exigiu que as empresas estrangeiras instaladas no país tivesse a participação do Estado. Com isso, desenvolveu capacidade tecnológica.
No Brasil, FHC decidiu que as leis de patentes já valeriam pelos 20 anos anteriores ao acordo. “E foi isso, tudo o que estava sendo desenvolvido aqui teve que se parar de fazer. É inacreditável. Destruiu as bases que tínhamos desenvolvido desde o período Geisel. Sobraram 18 farmacoquímicas no Brasil inteiro, que eram pequenas”, registrou Eduardo Costa.
Os ataques ao desenvolvimento científico e tecnológico não pararam nos últimos anos. Segundo Rubió, “o orçamento do Ministério de Ciência e Tecnologia baixou, de 2013 para cá, R$ 8 bilhões para R$ 3,5 bilhões. Como é que você vai desenvolver se você não tiver investimento em ciência e tecnologia?”.
DESENVOLVIMENTO
Francisco Rubió destacou a necessidade de um investimento do Estado na área em caráter emergencial, como forma de reativar a indústria nacional e garantir o seu pleno desenvolvimento.
“Eu não tenho dúvidas de que a pandemia veio botar a nu o nosso problema de falta de eficiência na produção de insumos para a saúde. A vacina deixou isso claro, mas não é só ela. Não podemos esquecer que nós importamos respiradores, monitores cardiorespiratórios, aventais, toucas, seringas, tudo. Medicamentos, então, nem se fala”, afirmou Rubió.
“Nós temos que ter uma política clara, com financiamento, de substituição de importação e que passa pelo investimento pesado em desenvolvimento científico, tecnológico e inovação”.
“O essencial é que nós precisamos unir o nosso país, o nosso povo, o empresariado nacional, a nossa frente democrática bem ampla para que a gente possa construir e apontar esse caminho da emancipação nacional nessa área dos insumos da saúde. Não vamos esperar que esse governo genocida e liquidacionista do estado vá desenvolver qualquer iniciativa nessa questão”, disse.
PATENTES
Eduardo Costa apontou ainda outros caminhos necessários para o desenvolvimento e defendeu a quebra de patentes, em especial a das vacinas, considerando a urgência causada pela pandemia.
“Nós temos que nos livrar das patentes em alguns segmentos. Seria o melhor momento, do ponto de vista da opinião pública mundial, em relação à vacina contra o coronavírus”, destacou.
O médico sanitarista criticou a falta de vontade do governo federal em garantir o desenvolvimento de uma vacina nacional contra o coronavírus. Segundo ele, a tecnologia para o desenvolvimento da vacina é bastante conhecida, mas falta o investimento necessário para que o imunizante seja criado.
“Nós tínhamos todas as condições para fazer uma vacina para o coronavírus aqui no Brasil, eu não tenho nenhuma dúvida. Temos todas as condições técnicas e institucionais para isso. Nós temos os órgãos certos para tudo”, disse.
Ambos os debatedores apontaram iniciativas de diferentes universidades no desenvolvimento de vacinas nacionais, mas criticaram a completa falta de coordenação federal e a ausência de investimento nos imunizantes. Para Eduardo é necessário o estabelecimento de uma política brasileira de “biosimilares”.
Eduardo ressaltou ainda a necessidade de investimento em inovação. “Nós temos um espaço para a inovação própria, mas ela só pode emergir quando estivermos com um grau de desenvolvimento maior”, ressaltou.
Veja a seguir a íntegra do debate :
“Por que o Brasil deixou de produzir insumos farmacêuticos?”
Sérgio Cruz:
Olá a todos os ouvintes e participantes aqui desta live produzida pelo Jornal Hora do Povo, eu sou Sérgio Cruz, redator especial do jornal e estamos hoje debatendo um assunto muito quente, que é o assunto da dependência do Brasil em relação aos insumos farmacêuticos.
O título da nossa live é: “Por que o Brasil deixou de produzir insumos farmacêuticos?”
Estamos vivendo uma grande dificuldade no Brasil com as vacinas de combate ao coronavírus e nós convidamos para responder essa pergunta, dois especialistas na área farmacêutica, não só na área farmacêutica, mas também com grande passagem neste setor.
Eu fiz aqui uma redução do currículo dos dois, se não eu passaria quase que o programa inteiro apresentando esses dois convidados ilustres para o nosso programa de hoje.
O primeiro é o médico Eduardo Costa, formado pela Faculdade Católica de Medicina do Rio Grande do Sul, com mestrado na Escola Nacional de Saúde Pública, doutorado em Medicina pela Federal do Rio Grande do Sul, e PhD pela Faculdade de Medicina da Universidade de Londres e ainda professor de epidemiologia da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP) da Fundação Oswaldo Cruz. Ocupou a Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro, no governo Brizola e foi presidente do Instituto de Tecnologia em Farmanguinhos, da Fiocruz.
Temos também o médico Francisco Rubió, de Minas Gerais, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), foi diretor industrial e presidente do laboratório farmacêutico da Fundação Ezequiel Dias, a FUNED, ligado ao governo do Estado de Minas. Também foi consultor do Ministério da Saúde para o Programa de Modernização da Indústria Farmacêutica Estatal
Francisco Rubió:
Bom dia Sérgio, obrigado pela sua apresentação, estou às suas ordens para a gente abordar esse assunto quente, como você falou, uma vez que eu tenho lido muito seus artigos do Hora do Povo, abordando sempre essa questão da saúde, dos problemas e desafios, muito interessantes, parabéns.
Eduardo de Azeredo Costa:
Bom dia também ao Francisco Rubió, nosso querido colega e amigo, e ao Sérgio Cruz. O tema é relevante especialmente nesse momento dessa crise, digamos, de capacidade produtiva que temos no Brasil para a vacina do coronavírus. Mas é bem mais ampla do que isso e, embora esse seja nosso problema (?). É um problema sério para o desenvolvimento brasileiro. Muito obrigado pelo convite.
Sérgio Cruz:
Francisco Rubió e Eduardo Costa, por que o Brasil deixou de produzir insumos farmacêuticos?
Eduardo Costa:
Eu quero responder essa pergunta mesmo, para fazer quase que um preâmbulo da nossa discussão. Quando você fala do por que parou, eu tenho que chamar atenção para um fato na vida política brasileira que transformou muitas coisas do caminho que nós tínhamos.
E sempre tem que marcar até 64. Antes de 1964, antes do golpe de estado que implantou aquela ditadura militar no Brasil, nós produzíamos essas coisas. Nós tínhamos uma indústria nacional que tinha grandes virtudes do ponto de vista de ela ser realmente nacional, isso se dava tanto na parte de laboratórios farmacêuticos privados, com produtos, eram laboratórios reconhecidos, Pinheiros, etc., tinha uma série de laboratórios que produziam, e também estatais, já tinha, por exemplo, o Vital Brasil, que, por exemplo, era um laboratório que produzia e vendia nas farmácias. Ele tinha seu vendedor para levar para as farmácias privadas e vender produtos todos feitos inteiramente no Brasil.
Desde o desenvolvimento anterior, mas nós tínhamos outra coisa naquela época, e isso vem de uma reafirmação na verdade da Constituinte de 46, que não tinha patente para indústria, tanto para parte de medicamentos quanto para parte nutricional. Na área de Nutrição e Saúde não era permitido ter patentes, ou seja, o Brasil não estava nesses tratados desde aquilo ali.
E quando chega em 64, nós fizemos ainda um período, só para falar dos laboratórios públicos, nós fizemos todas as vacinas. Eu por exemplo participei, ainda estudante, como colaborador para fazer a vacina contra raiva de Fuenzalida, que tinha uma no laboratório lá no Instituto de Pesquisa Biológica do Rio Grande do Sul.
Certamente o Francisco Rubió vai falar também alguma coisa que vai até o FUNED, mas nós tínhamos no Brasil inteiro, a Fundação Gonçalo Moniz, na Bahia, produzia também vacinas, e todos com desenvolvimento inteiro nacional. Sessenta e quatro é um corte nisso tudo, claro vai se consolidar depois, por exemplo, ela não acabou porque foi muito curto o período de entreguismo absoluto da ditadura de 64, foi mais no período Castelo Branco no início, depois teve uma composição digamos com alguns interesses nacionais, mas definitivamente a parte do Geisel, que tentou reafirmar algumas coisas. Mas só para dizer que o ponto básico é essa ruptura de 64. A ruptura de 64 marca completamente, faz diferente o desenvolvimento disso.
Eu vou fazer só essa primeira observação para essa pergunta, eu tenho certeza que o Francisco vai nos ajudar a desenvolver um pouco mais esse pré 64, o começo do período da ditadura.
Francisco Rubió:
Eu não tenho dúvida nenhuma Eduardo, de que o golpe de 64 foi um golpe essencialmente entreguista, os setores que defendiam a submissão da nossa economia, naquele estilo do Eugênio Gudin: “O Brasil tem que ser um grande produtor de alimentos, alimentar o mundo…” E os produtos de alta tecnologia, tecnologia agregada, a gente compra, importa. Então era uma divisão social do trabalho que os golpistas de 64 defendiam. E logo em seguida teve vários dissidentes, vou citar aqui o General Serpa que radicalizou ao contrário, começou a perceber o entreguismo da ditadura e tal.
Então, naquele momento a composição que a ditadura fez, já não era mais aquela composição do Getúlio e do Jango, era o capital nacional, os trabalhadores brasileiros e o estado. Naquele momento, tiram-se os trabalhadores brasileiros, o empresariado nacional, e fica só o estado e o capital estrangeiro.
Evidentemente que isso já foi uma nuvem de água fria naqueles empresários que estavam contando com a política nacional desenvolvimentista do Jango, que já vinha desde Getúlio, que é centrar o desenvolvimento econômico na empresa nacional, e, portanto no setor farmacêutico, que é vital como em qualquer economia, para a soberania de um país, de um povo. A indústria farmacêutica e os insumos em geral para a saúde se transformam em uma questão vital para a soberania, inclusive de saúde pública. Porque você não pode depender de importar insumos da saúde da produção externa.
Realmente você chamou atenção para um fato que marcou aquele momento, e você frisou também outro detalhe, a partir do Geisel, há uma tentativa da ditadura de recompor alguns interesses nacionais, que foi aquela reviravolta no acordo de desenvolvimento em energia nuclear, que em vez de assinar com os EUA, eles foram fazer uma parceria com a Alemanha. E aí a petroquímica surgiu, as telecomunicações surgiram também nesse período do Geisel.
Interessante é que e você (Eduardo) deve se lembrar muito bem, pelo Farmanguinhos, e eu pela FUNED.
Em 87, quando eu entrei na FUNED e ela entrou com outros projetos, quatro de desenvolvimento de fitoterápicos, o aproveitamento da biodiversidade e aquele programa de plantas medicinais e fitoterápicos. E cinco desenvolvimentos de síntese de fármacos, entre eles a varfarina e o outro é a digoxina. Nós chegamos ao Rubens Récio, aquele engenheiro agrônomo que trabalhou na FUNED e trabalhou na FIOCRUZ também, trabalhou com o Brizola, coordenou um programa de abastecimento… Bom, ele plantou a digitalis lanata lá na serra da Mantiqueira, e a coisa se envolveu fantasticamente. A concentração de digoxina na digitalis lanata que ele plantou lá, era superior às que os chineses já tinham conseguido lá onde a digitalis lanata é originária.
Então houve um corte fundamental aí, e você se lembra também da CODETEC, Companhia de Desenvolvimento Tecnológico da Unicamp, que ela pegava o desenvolvimento em escala de bancada, para fazer um escalonamento para a industrial, ou seja, pré-industrial. Então você desenvolvia uma síntese em bancada, dava certo, e aí você tinha que fazer uma transposição para uma escala piloto, para depois passar para a escala industrial.
Então nós tínhamos alguns equipamentos importantes como esse da CODETEC. O que aconteceu com a CODETEC? Acabou. Então faltou uma política, o nacional-desenvolvimentismo que vinha ganhando peso e que, na época do Geisel, em algumas áreas ele voltou a ser recuperado como métodos de desenvolvimento da indústria nacional no setor farmacêutico e farmoquímico, foi um fracasso, porque todas as estruturas, que não houve uma política de desenvolvimento do setor. Em 1970, a CEME desempenhou um papel importante nisso, no entanto, quando ela é absorvida pelo Ministério da Saúde simplesmente ela vai acabando, vai morrendo.
Quem recuperou o programa de bioprospecção da flora? A Fiocruz. Um núcleo coordenado pelo Glauco Vilas Boas, mas sem recursos financeiros.
Nós precisamos de um programa nacional de desenvolvimento do setor farmacêutico, farmoquímico e fitoquímico. O farmoquímico é muito esse viés da síntese, processo de síntese orgânica. O fitoquímico é aquele que visa o que? Obter novas moléculas a partir do estudo da nossa mega biodiversidade. O Brasil é detentor da maior mega biodiversidade do mundo. Eu não quero me alongar muito nisso não, mas olha só: Captopril de onde vem? Da jararaca, estudada em Ribeirão Preto, na USP e em Minas Gerais pelo professor Diniz, lá na FUNED.
Artesunato. Hoje o melhor medicamento para combater a malária do plasmodium falciparum, que já tem resistência à cloroquina e outros. O artesunato foi descoberto na Artemísia, uma planta.
A atropina vem de onde? Da Beladona. A penicilina? Do fungo, penicillium descoberto lá atrás, na década de 40 por aí.
Sérgio Cruz:
Um tempo atrás nós tivemos inclusive falta de penicilina no mercado nacional.
Francisco Rubió:
Pois é, lá em Pinheiros tinha um laboratório que sintetizava, na década de 50 por aí, e a FUNED sintetizava a diamina difenil sulfona, da hanseníase, se lembra disso? A DDS. Então você tem, a pilocarpina, do jaborandi, você tem o alfa bizabolo, um óleo anti-inflamatório usado em assaduras de neném.
O cyrtopodium punctatum de Sumaré, um antibiótico famoso.
Então dizem os especialistas, o Glauco inclusive fala isso, que 50% dos medicamentos usados no mundo hoje, ou são diretamente da flora e fauna, como o captopril, ou derivados deles.
Sérgio Cruz:
Eu vi um dado que na década de 70 a indústria farmacêutica brasileira era do mesmo porte ou até talvez maior do que da Índia. E que lá eles tiveram políticas públicas de investimento na produção de insumos, e hoje, quer dizer, está um desequilíbrio muito grande. Inclusive hoje nós somos dependentes da Índia.
Eduardo Costa:
Deixa eu dar uma entradinha só porque o Francisco entrou em um campo mais já do desenvolvimento do que nós poderíamos propor, mas eu queria voltar um pouquinho atrás para marcar um evento político, dando maior importância para nos livrar um pouquinho do que a gente fala tanto sobre o período pré 64. Eu quero parar de falar sobre o período pré 64, mas eu tenho que dar um fecho nele.
Esse fecho nele é o governo João Goulart, especialmente o que acontece quando ele se aproxima pela mão de sanitaristas e outros, e ele se aproxima de uma visão para a saúde que ele define muito na 3ª Conferência Nacional de Saúde, comandada na verdade pelo Wilson Fadul, seu ministro da Saúde naquele momento, o terceiro que ele tinha durante aquele período de parlamentarismo.
O Fadul descobre um problema de importações inclusive que precisava de matéria prima para remédios contra malária, que havia um sobrepreço.
Na verdade havia uma escamoteação da indústria estrangeira em que ela importava aqui com pessoas falsos superfaturados. Então o medicamento aqui ficava caro, porque vinha já da sua própria matriz com um preço absurdo que não era realmente o preço de venda, e ele denuncia isso. E o Brasil viveu em 63 especialmente, um período de revisão de todas as relações com as indústrias estrangeiras que estavam começando a se fortalecer nesse mundo capitalista. E cria um primeiro instrumento disso, que era o Grupo Executivo da Indústria Químico-Farmacêutica (GEIFAR) que tem indústria farmacêutica com vários ministérios, e isso segurou uma campanha popular no Brasil que entenderam essas coisas dos preços.
Grande parte do golpe vem apoiado pelos Estados Unidos, porque se tornou um golpe também mortal, assim como o Brizola tinha dado lá com a encampação da ITT, e também da Bond and Share, vem um golpe mortal em cima da indústria farmacêutica, simplesmente por colocar honestidade nos preços.
O GEIFAR, o corpo mais importante pré 64 que definia já o conjunto das ações a se fazer no país e que coloca vários ministérios para se comporem conjuntamente. E isso ao mesmo tempo em que se fazia o desenvolvimento de todo o sistema público de saúde, veja só, nós estamos aqui falando de coisas que tem mais de 50 anos e que foram negadas e que são inviabilizadas hoje ainda.
O que eu queria marcar é que nós estamos até hoje no nosso sistema tentando recuperar o que tínhamos pré 64, inclusive os instrumentos de planificação, instrumentos de intervenção direta. O GEIFAR era um grupo executivo, da indústria farmacêutica nacional. Ele implementa suas políticas pelo seu conjunto e dizia o que cada ministério deveria fazer. Não era uma política, o mais importante eram os instrumentos de ação.
O golpe de 64 fere mortalmente esse processo, logo esvaziado, não tem mais GEIFAR. E só vai na verdade, em direção diferente com o Geisel. Realmente ali no governo Geisel, se começaram algumas coisas, como uma política principalmente voltada para um equilíbrio orçamentário devido o endividamento muito grande perante o início da ditadura especificamente. E por isso é preciso fazer uma substituição de importações, já que nossa pauta de importações era pequena, e nós precisávamos fazer uma substituição dessas importações todas.
Isso nos ajuda quando se começa a ter uma série de medidas que permitam uma continuidade. Não uma retomada igual, porque ela vinha assim pensando só orçamentariamente, quando na verdade tinha um projeto que tinha que ser muito mais estruturalmente mesmo.
E o que nós vimos depois a gente vai falar agora, que eu acho que temos que marcar, é o que acontece após 1988, especialmente com a nova Constituição, o que vem depois com a queda da ditadura.
Eu quero marcar muito este ponto, nós estamos até hoje atrás do que perdemos em 64, até hoje. E tem momentos que a gente sabe que deu algumas coisas parciais, mas nós vamos conversar mais sobre isso, não queria estender. Mas é só para o Francisco pegar um pouco dessa história passada de luta e definições que o país teve, e que desapareceram durante um período grande que a gente luta para retomar até hoje.
Sérgio Cruz:
O fim da ditadura coincidiu com o início da onda neo-liberal, que atingiu em cheio aqui o nosso país. Vamos passar para o Francisco complementar a colocação.
Francisco Rubió:
Eduardo, você tem toda a razão, você pegou um ponto ai muito importante, porque a história da gente, a gente constrói olhando para frente, mas com referência do que nós construímos no passado. Naquele momento da composição de forças do governo do Jango, que era fundamentalmente os trabalhadores brasileiros, o povo em geral, empresariado nacional e o estado, se unificando em torno de uma política de fortalecimento da indústria nacional em vários setores. Eu não tinha essa informação do GEIFAR, que era um grupo que articulava vários ministérios, saúde, ciência e tecnologia. Esse grupo, ele é sepultado, enterraram a ação dele exatamente porque as multinacionais que apoiaram o golpe, uma parte importante do estado americano controlado pela indústria bélica e também pela farmoquímica, certo? Percebiam que ali era o germe de um erguimento da indústria nacional de medicamentos fármacos. Portanto tratava-se de sepultar isso ai. Nós estamos procurando isso até hoje, então isso é um ótimo referencial.
Eu entrei na indústria farmacêutica quando estava estudando. Chamei o Dante Alario e o José Carlos Magalhães, o Dante Alário da Sannus e o José Carlos Magalhães da Sintofarma. Eles foram chamados pelo Diretório Acadêmico da Faculdade de Medicina.
Eduardo Costa:
Só para informar, uma pena, que o Dante Alário recentemente resolveu pedir a contas e saiu da Biolab.
Chamamos os dois para irem lá fazer o debate sobre o medicamento e o fármaco do Brasil. Isso foi em 1973. Os dois foram lá e agitaram a turma dos estudantes. Isso foi um fator até que levou a minha chapa a ganhar a eleição do Diretório Acadêmico da Medicina da UFMG.
Francisco Rubió:
Depois quando eu fui diretor industrial da FUNED, eu assumi lá em 1987, fiquei até 1990. Eu fiquei quatro anos. Os outros diretores e presidentes entravam e saíam rápido. Nós colocamos três turnos da fábrica para funcionar. Aí o Newtão [Newton Cardoso], que era o governador, falou assim: “Você é doido, como é que você vai botar um serviço público trabalhando em três turnos. Você é doido?”
Eu respondi, não, lá é uma fábrica, as máquinas não podem ficar paradas. Dezesseis horas paradas, é um custo. Nesse período eu cheguei, sem preconceito com o setor privado nacional, a FUNED chegou a subcontratar um laboratório privado aqui na região de Belo Horizonte, para completar a produção. Porque eu contratei uma produção na época da CEME, que o pessoal falou, “você é doido. Você não vai dar conta”. Eu falei, “dou”.
Eles não sabiam que eu tinha esse trunfo, a aliança com o que? Com o setor nacional. Dei serviço para eles, eles ocuparam a capacidade ociosa, gerou emprego, produção e fornecimento de medicamento básico para a população.
Eu acho que está faltando no Brasil recuperar esse projeto, adaptá-lo para o momento atual, hoje nós temos vários ministérios, Ciência e Tecnologia, nós temos CNPQ, nós temos FNDCT, tema FINEP, tem as FAPS para todo lado.
Eu vejo a FAP aqui em Minas Gerais, por exemplo, cada vez mais estrangulada, sem dinheiro. O governo não passa o meio por cento. O BNDES está sendo chupado. Estão tirando em vez de botar dinheiro no BNDES para financiar o setor nacional, eles estão tirando dinheiro.
Enquanto nós estamos com um déficit comercial de insumos para a saúde, que é equipamentos e fármacos da ordem de 60 bilhões de reais por ano, não há investimento para isso que você, Eduardo, falou, muito bacana, que é o programa de substituição de importação, porque nós estamos importando insumos desbragadamente.
Só de equipamento, eu vi lá na ABIMO, o déficit comercial de equipamentos, principalmente de ótica, que é endoscópio, laparoscópio, videolaparoscópio, aparelhos de cineangiocoronáriografia, só isso aí gera um déficit comercial anual de 5 bilhões de dólares, põe aí o dólar a 5,4 reais são quase 30 bilhões. Só de equipamentos.
Nós temos que ter um programa nacional financiado com o Estado bancando isso, para um programa intenso de substituição de importação de fármacos e outros insumos.
Eduardo Costa:
Eu estou de acordo e quero te dar mais um dado. No governo Geisel se monta as base do que é a CEME, que é uma parte de medicamentos. Teve esse movimento mesmo de substituição de importações ao mesmo tempo que se criava, e a Guerra das Malvinas teve um papel também nisso, no reforço da necessidade, já um pouco depois, já é início dos anos 80, um reforço da importância da gente ter uma autonomia, ainda dentro do período da ditadura, mas que percebeu que, até nos projetos militares que ele tinham, viram que era importante ter um desenvolvimento autônomo nacional. O governo investiu e, algumas coisas em alguma empresas de base farmacêutica. Eu queria lembrar que o investimento na Fiocruz, por exemplo, veio muito do governo do Geisel. A Finep financiava.
Eu fiz parte de um projeto, eu ajudei a construir, como consultor, 2º Plano Básico de Ciência e Tecnologia PBCT eu e o Sérgio Goes, na Saúde, querido amigo, economista que depois foi para a Fiocruz, era da Finep.
Ele me convidou e fizemos juntos esse programa que definiu muita coisa na Saúde, naquele momento, os investimentos em ciência e tecnologia. Sérgio Goes de Paula. É bom que se lembrem do nome dele, porque ele está muito mal. Ele ajudou a desenvolver o segundo PBCT na Saúde. Deu uma outra perspectiva para o PNI, pesquisa em fitoterapêutica e outras, foram várias coisas que nós fizemos lá. Um projeto grande que foi implementado a rigor durante o governo Geisel.
Surpreendentemente na redemocratização as coisas foram postas no lixo, inclusive a política de substituição de importações.
Perdemos muita coisa desse processo de reconstrução, que veio do período Geisel, que eles não conseguiram desmanchar no período Figueiredo, porque eles estavam num período de compromissos mais democratizantes, uma abertura que acabaria com o fim da substituição de importações. O livre comércio, essas palavras que começaram a entrar no nosso vocabulário, enfim. Sistemas, em vez de ser direção, do nosso desenvolvimento, são uma série de palavras que vem ocupar um espaço e vem diretamente ligadas aos novos conceitos do neoliberalismo.
Então essa década de 1990 é a nossa destruição final, nós partimos para a distribuição como focos de resistência. Uma resistência viu Francisco Rubió, o que eu queria te contar é o seguinte: um momento em que eu fui para a Farmanguinhos, que já estava com uma política interessante, já tinha um desenvolvimento bom na produção de medicamentos contra a AIDS, estava aquele começo – acho que era 2005 – tinha começado uma política anterior que nós ajudamos aqui no Rio de Janeiro através do governo Brizola. O que nós estávamos pensando ali? Que tínhamos que dar um novo formato, aí entra uma crise do fornecimento de matérias-primas importadas não eram mais daqui [as matérias-primas], porque não tinha mais nacional e se criou através da Abifina [Associação Brasileira das Indústrias de Química Fina], especialmente numa parte do empresariado Dante Alário como um deles, o grande Nelson Brasil e outros que consolidaram um corpo empresarial, na verdade, ainda com uma perspectiva de produção nacional para resistir a Interfarma que congregava basicamente a indústrias estrangeiras que estava aqui dentro do Brasil. Como a Constituição de 88 diz que empresa nacional é a que está aqui no Brasil, não importa se é comandada do exterior, passou a ser tratada da mesma forma mas com um poderio completamente desigual.
Então nós consolidamos a partir da redemocratização um projeto completamente contrário ao desenvolvimento autônomo, baseado nas ideias do neoliberalismo. Ali nós fizemos uma resistência também, assim como você demonstrou naquele período que vai até 1973, até o Geisel, na verdade, porque é em 1974 que ele começa.
Eu estava na Farmanguinhos, tive um desentendimento com a Merck [indústria farmacêutica], ela quem começou o atrito com a gente, na verdade, evidente que não temos porte e nem razão para tentar um atrito diretamente. Mas nós queríamos produzir o efavirenz. Aí nós temos de lembrar o papel destrutivo do Fernando Henrique, depois do nosso piloto de avião a jato, o Fernando Collor – a única imagem que eu tenho de boa do governo dele é ele dentro de um avião a jato, devia ter caído a porra do avião, quase derrubou o Brasil, mas ejetaram ele antes do país cair – veio com uma lei de patentes que o FHC teve a capacidade ainda de piorar. A gente estava trabalhando para uma lei de patentes com uma estrutura razoável e ele faz passar aquela questão do pipeline.
Como é que China lidou com o acordo de patência, mesmo com uma pressão imperialismo que era uma questão fundamental para dominar o desenvolvimento de ponta. Esse ligado à informática, ligado à toda a estrutura física que permitia novos processos, etc; a outra era a biotecnológica e esta área farmacêutica, de modo geral, a química fina. Então eles queriam o controle dessas duas questões, querendo obrigar a ser feito de uma maneira que eles pudessem conduzir.
A China, por exemplo, aceitou por conta da criação da Organização Mundial do Comércio (OMC). A China resolve o seguinte no começo de 1990: eu vou assinar o tratado, porque eu quero acesso ao comércio internacional, senão não vou ter. Eu assino como eles quiserem, mas as empresas vão ter que fazer [seus produtos] aqui e tem que ser sócia do Estado. Toda iniciativa de produção aqui dentro, o Estado tem que ter 50% ou mais. Podemos fazer isso, porque traz a tecnologia para cá, nós não vamos disputar, que seja, que não pague royalties, mas que tem controle da empresa é a gente. Evidente que lá eles tiveram condições de fazer essas coisas, os outros não tiveram.
A Índia responde diferente, resistiu também: tá bom a gente assina, mas com um detalhe, queremos 15 anos e período de graça. Só vai valer daqui a 15 anos e durante 15 anos nós vamos ter a nossa política de desenvolvimento. Não temos restrição nesses 15 anos, pode importar o que quiser não vai pagar royalties porque está nessa situação especial.
E o Brasil o que fez? A China pegou e disse “está valendo de agora, mas tem que produzir aqui, a Índia disse “vale daqui a 15 anos, nós vamos nos preparar para isso”, e o Brasil? O Brasil disse assim “está valendo de 20 anos para trás”. Fernando Henrique fez isso, tudo que já estava sendo feito aqui teve de parar de se fazer. Foi isso, é inacreditável. Quando a gente conta as pessoas pensam que a gente está mentindo, o “pipeline” era isso. Destruiu as bases que a gente tinha desenvolvido naquele período do Geisel, destruiu de farmoquímicas, fora essas estatais que estão péssimas também. Sobraram 18 no Brasil inteiro, eu visitei as 18 para a gente fazer um projeto de recuperação, 18 farmoquímicas pequenas.
Agora, vocês vejam a contradição, como é que capitalismo, o neoliberalismo funciona: se a gente traz um SUS à tona, que é a parte dos gastos, vamos chamar assim, e abafa a parte da indústria que é o que vai dar condições para isso. Ao contrário da Inglaterra, quando fez o NHS o obrigou a comprar da produção nacional. Aqui é o contrário, antes de ter no país é aprovado e começa a importar. Disperso ainda, porque se faz um SUS que tem múltiplas cabeças, com vários níveis – tem uma coordenação, mas cada um tem acesso a compras, sem capacidade de controlar totalmente.
Aí quando eu estou em Farmanguinhos, Francisco, o que nós fizemos de contribuição? Naquele momento estava assumindo também o [José Gomes] Temporão, levava com ele uma pessoa que eu tenho muito respeito, que é o Reinaldo Guimarães, que já tinha trabalhado conosco lá na Fiocruz, para a secretaria de Ciência e Tecnologia. Eu mandei para ele, nós fizemos uma política de compras que mudou radicalmente esse sistema, eu num vou entrar em detalhes aqui, só para dizer que nós invertemos essa situação e passamos a exigir em Farmanguinhos a produção local, porque para nós acompanharmos a qualidade a produção tinha que ser no país. A gente foi alvo de processo de tudo quanto é tipo, mas ganhamos todos e o Brasil ganhou porque passou a fazer parte da própria 8666 o processo que nós fizemos, foi acrescentado.
A produção tinha que ser local, senão não tem condições boas de inspecionar a matéria-prima tem que estar ajustada ao meu equipamento. Tem que ser para rodar sem parar e a matéria-prima não pode engasgar. Essa questão foi fundamental para a gente mudar, aí veio Portaria 125 que já foi conjunta que a gente conseguiu mobilizar. E o mais importante, o Reinaldo e o Temporão implementaram, na minha sugestão, que mandei para o Reinaldo, do GEIFAR, mas criaram uma coisa diferente, porque eu não ia esperar que fosse mesmo ao que o Jango fizesse, por melhoria e por pioria também. Faz isso dentro do Ministério da Saúde, embora tenha representantes dos outros ministérios, esses representantes não têm poder real dentro do Conselho criado no governo Lula.
Mas essa ideia que vem lá já do governo Jango tentada implementar, mas quando implementa numa perspectiva em que não tem nem o poder do outro. Quer dizer, é dentro do Ministério da Saúde [o projeto], não dentro do governo como um todo, era uma primeira questão.
A segunda questão, o Conselhão e cada vez mais sobre esse domínio, do controle e reforçado do Ministério Público que ainda deixa todos os gestores amarrados para fazer coisas. Então esse negócio para passar a limpo não vai ser fácil, não dar pra ser soprando, precisamos sacudir.
Sérgio Cruz
Nós estamos no meio de uma crise sanitária violenta, acho que a maior da história do Brasil, que supera a gripe espanhola, vivendo esse momento de total dependência de insumos para as vacinas. Um quadro mais atual, saídas e alternativas, eu queria nesse momento pedir esse tipo de enfoque.
Francisco Rubió
Eu não tenho dúvida nenhuma que a pandemia veio para botar a nu a nossa deficiência na produção de insumos para a Saúde. A vacina deixou isso claro, mas não é só a vacina. Nós não podemos esquecer que nós importamos respiradores, que nós importamos monitores cardiorrespiratórios, nós importamos aventais, toca, seringa, importamos tudo, medicamentos nem se fala. Agora com a vacina, estamos importando o Ingrediente Farmacêutico Ativo (IFA).
Graças a Deus, a Fiocruz tem um “background” de longos anos de produção de várias vacinas, nós somos auto-suficientes em várias vacinas, graças a Fiocruz, ao desenvolvimento científico-tecnológico feito pela Fiocruz garantiu ao país, tem o Butantan também. Infelizmente temos uma FUNED, que na verdade na época em que ela foi criada, no início do século XX, ela foi criada como filial de Biomanguinhos e está inoperante, está importando o frasco da Meningocócica C já envasado com a vacina e só a embalagem e rotulagem é aqui. Chegou a fazer o ano passado um pouquinho de envase, aliás em 2019, em 2020 nem isso fez.
Então nós temos que ter uma política de financiamento para a substituição de importação, que passa por investimento pesado em conhecimento científico, tecnológico e inovação.
Até chegarmos numa produção de fármaco substancial, para substituir significativamente a importação de princípios ativos, farmacêuticos e medicamentos especiais, não podemos esquecer, porque têm vários medicamentos especiais, como aqueles usados para evitar rejeição aos transplantados, fator VIII e fator IX e etc., que são pesados na importação.
Nós temos que investir em uma riqueza natural que seja nossa, que está rejeitada, está simplesmente deixada de lado, que é a nossa mega biodiversidade, tanto a flora como a fauna. Já citei o exemplo aqui, eu gosto sempre de falar, o captopril, um dos líderes mundiais de faturamento para hipertenso, gera 5 bilhões de dólares anuais, portanto, 30 bilhões de reais, só em um produto e que foi descoberto aqui, na jararaca, nossa.
Então temos que ter um investimento pesado, porque daí é que vêm novas moléculas.
Eu sei que a aranha Armadeira, muito comum na Mata Atlântica, a aranha Armadeira tem 232 princípios ativos lá dentro, que precisam ser prospectados. Eu sei que 2 deles, 1 é um inseticida fantástico, não causa qualquer dano ao ser humano, você pode beber copos do bicho, que não vai te fazer mal. O peixe pode beber bastante daquilo ali, que não vai ter problema, mas ele é específico para inseto. E tem o outro princípio, que é um Viagra tupiniquim, esse Viagra tupiniquim é fantástico, ele só tem atuação nos corpos cavernosos, ele não age gerando vasos de dilatação sistemicamente, no corpo todo. As pessoas que tomam isso me reclamam “Ô Dr. Eu tô ficando congestionado, nariz entupido” porque ele age sistemicamente e esse não, esse componente do veneno da aranha, não.
Estou chamando atenção aqui, que, se nós não tivermos uma política nacional para substituirmos importação de inúmeros fármacos, que vamos encontrar onde? Na nossa própria biodiversidade, não precisa ir longe, e isso é muito mais rápido já que hoje se tem equipamentos avançadíssimos, por exemplo, o espectrômetro de massa de alta performance. Esse aí analisa milhares de moléculas ao mesmo tempo, a gente pode localizar uma molécula que vai neutralizar três ou quatro proteínas alvo, que são responsáveis pelo câncer de mama, pela reprodução irregular das células do câncer de mama. Isso hoje é questão de meses, em pesquisas que anteriormente demoravam anos.
O FNDCT [Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico[ tem até hoje, na última década, 25 bilhões de recursos contingenciados, ou seja, foram surrupiados – reserva contingencial.
O orçamento do Ministério da Ciência e Tecnologia de 2013 para cá, baixou de 8 bilhões em 2013, para 3,5 bilhões no ano passado (2020).
Como você vai desenvolver uma farmoquímica, uma prospecção da nossa biodiversidade, substituir importação de fármaco e de equipamentos se você não tiver investimento em ciência e tecnologia?
Portanto, precisamos de um programar urgente, é emergencial. Não tem o auxílio emergencial? Tem que ter o auxílio emergencial para ciência e tecnologia, para inovação e para substituir importação de insumos para a saúde.
Eduardo Costa
O emergencial poderia ser chamado de “atrasagencial” nesse caso. Tem que ressuscitar o paciente.
A primeira coisa que eu me lembrei, o órgão criado e muito bem criado pelo Reinaldo, que desempenhou um papel interessante nesse processo até agora, mais ou menos no momento de 2008, é o Grupo Executivo do Complexo Industrial da Saúde (Gecis) ele vem de uma ideia do executivo, mas não tem muito essa característica, do complexo industrial da saúde. O Gecis é de complexo industrial da saúde, vem muito atrelado a ideias do “Ézio”, que faleceu a pouco, desenvolveu lá trás sobre matéria que ele chamou de complexo industrial da saúde, que era a todos esses elementos que produzem bens para serem consumidos dentro da área da saúde, então o nome ficou Gecis.
A outra coisa que eu queria falar é a seguinte: nós temos, para substituir a política de importações, de certo modo – porque eu não acho que seja a única política, que depois ainda eu vou falar – nós temos que trabalhar nesse espaço que ainda tem de enfrentamentos maiores para derrubar patentes em alguns seguimentos.
Nós temos que nos livrar do sistema de patentes e não teria melhor momento, momento mais favorável, do ponto de vista da opinião pública mundial do que esse da vacina contra o coronavírus, pois existe uma pandemia que atinge esses tempos e que está contrariando tudo que seria uma perspectiva mais humanista. Nós estamos com esse déficit e todo esse conjunto trabalhando dentro desse sistema de patentes, com uma visão mais humanista ou mais humanitária, se a gente quiser, do campo da China que tem colocado recursos para dar acesso aos países mais pobres.
Tem uma coisa a se pensar para o Brasil. Acho que um país como a Nova Zelândia pode concentrar em lã, em ovinos, um país com uma população pequena, agora a gente fazer uma economia voltada para o agronegócio para sustentar as importações tem sido nosso lodaçal. Porque criou um lodo do qual não conseguimos sair e ir para a industrialização, porque a gente logo trás o produto por balanço de pagamento.
Como no neoliberalismo é a moeda a questão central, como circula a moeda, nós temos dificuldade de montar desse lodaçal uma indústria. Então, nós precisamos que esse neoliberalismo mundial seja enfraquecido e esse negócio de derrubar as patentes tem um papel específico, mas também tem um papel político maior se a gente conseguisse quebrar essa questão das patentes para as vacinas, por exemplo. Pelo menos para um primeiro passo e pelos diagnósticos, porque isso está ligado, do ponto vista biológico.
Existem algumas propostas de trabalho para isso, uma delas tem sido a concepção de similares farmacêuticos que se conseguiu, porque o genérico deu um entupimento no nosso sistema, passou a ser toda importada a matéria-prima com a redução de custos, porque o preço da indústria mesmo é altíssimo, da Bigfarma, aí com isso quebrou um pouco da cadeia de seus preços e suas vantagens, mas não completamente porque nós temos aqui um subsistema que é do plano de saúde e muitas outras coisas no Brasil que não funcionam exatamente igual com recursos muitos alto, com a participação da mídia aberta, da mídia privada.
Nós precisamos dessa bandeira política de bater na patente e nesse momento estamos demonstrando que ela não tem capacidade de suprir todo mundo, o regime de patente impede isso. Se nós nos concentrássemos nessas vacinas que são mais seguras, com vírus inativado, que não tem como ter patente de processo, a rigor. Fazem um registrozinho de patente fraco porque ela é muito conhecida, ela é muito dominada qualquer alteração que se faça é suficiente. Nós temos que fazer registro dos bio-similares, esse registro pode nos dar uma capacidade muito grande aqui, desde que a gente queira fazer, não só os similares farmacêuticos típicos, químicos. Não é tão difícil um corpo técnico estudar isso e fazer, são propostas concretas para intervir na situação de hoje, no Brasil de hoje ainda.
O problema é que essas forças ligadas às grandes empresas internacionais vão tentar impedir, que são as que estão impedindo que as patentes caiam da OMC. A OMS faz um jogo duplo nisso daí.
A nossa perspectiva, que também nos interessa para a gente avançar é que o regime… Bom só falar uma coisa que eu não falei, o que o Reinaldo fez, e falo dele porque ele foi o maior articulador, partindo para o que se chamou de PDP, partindo de uma ideia de uma parceria com empresas privadas, que inicialmente estava na concepção de Farmanguinho, essa foi sempre a nossa concepção, nós tínhamos começado antes, não com esse nome, para o desenvolvimento aqui dos princípios-ativos dos farmacêuticos que nós fazíamos. Então, se botava a matéria-prima para produção local, só empresas nacionais poderiam entrar.
Já na PDP, eles abriram para qualquer empresa poderiam vir, importando por cinco anos e poder ficar auto-suficiente depois disso na produção daquilo. Claro que botamos em contradição uma com a outra, porque esse não é um processo tão simples. Tem vários métodos no mundo com várias empresas. Foi ficando complexa a administração de tudo isso dentro da secretaria de um ministério. Nós vamos ter que administrar isso por cima do ministério, é minha ideia para essa área.
Francisco Rubió
Um aparte, para ilustrar isso que você está dizendo, o perigo dessa PDP é que a FUNED em 2009, ela assinou um acordo de transferência de tecnologia com a Novartis, que depois passou a ser a GSK, portanto tem 12 anos, a transferência de tecnologia da meningocócica C. Até hoje passou? Não. Ela segue sendo intermediária de uma multinacional para vender ao Ministério da Saúde, passando pela FUNED, só isso.
Eduardo Costa
É um bom ponto para se pegar, o que a gente acha, na minha opinião, evidente isso, e na minha experiência, é muito difícil conseguir o contrário nas negociações. Quer dizer o seguinte, que você comece a fazer um nível para importar a tecnologia e depois porque você já sabe. Então você tem que começar pelo princípio-ativo, deixa as outras coisas no mercado e começa pelo princípio-ativo, porque construir o resto depois nós dominamos completamente. A grande questão é o SUS, porque o SUS pressiona para o uso já e agora e importado.
Os conselhos todos que fazem as normas terapêuticas não querem saber de onde é que vem, querem saber do produto. Claro, são cientistas, médicos que estão sabendo sobre o desenvolvimento na África do Sul, nos EUA, etc., eles vão buscar essas coisinhas porque a indústria farmacêutica está ali por trás empurrando essas coisas e eles vão absorvendo nos procedimentos do SUS e o Ministério tem que ir comprando na hora que é absorvido.
É uma dinâmica que se você não tem uma clareza sobre o seu projeto, não tem como controlar.
Sérgio Cruz
É o poder do Estado jogando contra o próprio país.
Eduardo Costa
Eu sempre dou esse exemplo da Inglaterra, claro que era outra época. Quando a Inglaterra criou o NHS teve essa norma de se fazer não só o atendimento dos medicamentos da indústria deles – porque a indústria deles não era forte naquela época, era claro que a alemã era maior, por exemplo, que a da França era maior que a deles. Quando ela criou isso, ela cria uma regra, inclusive. Criou uma planilha dos preços de produção e daria 20% de margem para todo remédio receitado por um médico do NHS, com essa medida ela fez essa empresa GlaxoSmithKline se tornar a maior do mundo. Porque ela começou de importadora, com saldo negativo, ela passou a ser superavitária com saldo positivo em mais de 1 bilhão de libras. A existência do NHS deu as bases para essa empresa disputar mercado por todo o mundo.
Esse claro ensinamento é completamente diferente do que foi feito aqui, a gente fez um pouco disso na área de vacinas a outra foi decapitada por FHC à época. Essas coisas todas que foram feitas que reduziram nossas possibilidades.
Eu ia comentar só uma coisa sobre o déficit na nossa balança de pagamentos ele está atualmente em cerca de US$ 20 bilhões na área da saúde. São mais de R$ 100 bilhões anuais, metade do orçamento do Ministério da Saúde, de déficit. Talvez um pouco mais da metade. Uns US$5 bilhões deve ser em equipamentos, os outros R$ 15 bilhões são na área de fármacos e nós vamos continuar. Nisso não estão os serviços de dívida, royalties etc. que está rodando aí. Com 20 a cada ano, com esse déficit você vai fazendo isso rodar cada vez mais.
Esses dados mostram que o nosso colossal, mas frágil do ponto de vista estrutural, SUS é muito frágil por ser uma questão sistêmica e não orgânica do ponto de vista da saúde ele foi domesticado pelo neoliberalismo. Ele foi conformado para funcionar de um jeito que o neoliberalismo quer que ele funcione. Ele resiste, não é que o pessoal da saúde não fala seus enfrentamentos e suas organizações, mas é impossível porque é como controlar fumaça.
Considerações finais
Francisco Rubió
As ideias que nós discutimos aqui hoje são muito importantes e muita gente pode contribuir nisso, mas o essencial é que nós precisamos unir esse país, o nosso povo, o empresariado nacional, a frente democrática e bem ampla que a gente possa construir e apontar o caminho da emancipação nacional, nessa área dos insumos para a saúde. Nós temos potencial para isso.
Não vamos esperar que esse governo genocida e liquidacionista do Estado vá desenvolver qualquer iniciativa nesta direção. Para mim, é obra, trabalho árduo de uma grande frente nacional.
Eu acredito que, é preciso unir as forças da ciência e tecnologia, o empresariado nacional, nosso povo, para abarcar o projeto de substituição de importação e de desenvolvimento científico e tecnológico do setor.
Muito obrigado pela oportunidade!
Eduardo Costa
Eu acho que nós reforçamos essa questão, para não passar em branco, da substituição das importações, mas a gente tem todo um espaço de inovação própria, que ela só pode imergir na hora que a gente tiver um grau de desenvolvimento maior.
Nós tínhamos todas as condições de fazer uma vacina aqui no Brasil para coronavírus, eu não tenho nenhuma dúvida, nós temos todas as condições técnicas e institucionais para isso, nós temos os órgãos certos para tudo. Porém, não tem uma vontade. Cada um se preocupa com um pedaço, por isso, que essa grande força
Que defina isso com clareza. Eu tenho um grande amigo, Jorge Kalil, que foi diretor do Butantan, conversando com ele recentemente e ele falou do desenvolvimento que tempo lá no laboratório de imunologia da USP, sobre uma vacina peptídica dessas que estão aí. E na Fiocruz tem, senão for dez, quase dez projetos que desde o início estão trabalhando, não sei como estão agora.
Francisco Rubió:
Na UFMG também
Eduardo Costa
Pois é, e eu diria que em todo o Brasil. Olha só que descoordenação geral, cada um fazendo a sua. Nem uma vai lá em Cuba que faz deste tipo, das Soberanas que tem lá. Essa é uma questão simples, não está passando por uma enormidade de recursos. Se querem impor isso como impeditivo, o país não está passando por isso. Está passando porque nós não temos uma vontade estruturada no país de fazer isso, não temos um poder dentro do governo, na verdade do Estado brasileiro que queira ser um país autônomo.
No caso do Brasil, é quase uma contingência histórica, nunca as pessoas vão parar de dizer isso podem fazer o que for, porque todo mundo percebe a riqueza e a quantidade de gente que tem aqui. Nenhum país desse tamanho e com essa população se acomoda, não é um país que possa viver satirizando o outro. É grande demais para isso, dá choque. A gente tem que criar nosso próprio sistema, com uma ideia de que nós podemos o que nós quisermos aqui dentro e fazer, consolidar uma cultura rica, como Darcy Ribeiro falava. Que beleza pode emergir daqui com uma cultura com tanta diversidade que o Brasil pode oferecer. São poucos países que tem a nossa música, com o poder que tem a nossa música para falar numa coisa.
ANDRÉ SANTANA, ERNESTO ANDRADE, PEDRO BIANCO E RODRIGO LUCAS