Em meio à crescente pandemia e ao superfaturamento de equipamentos médicos, o Equador totaliza nesta quarta-feira cerca de 3.000 mortos e 35 mil infectados pelo novo coronavírus dando a conhecer relatos contundentes do real significado do descaso neoliberal pela vida.
O governo de L. Moreno admite outros 1.800 óbitos como “provavelmente” da Covid-19, embora não sejam oficializados, e a tensão se agrava com entidades de médicos e enfermeiros denunciando a crescente corrupção e os sucessivos cortes realizados no orçamento da Saúde.
Além do óbito e uma impagável conta de US$ 51.000 (cinquenta e um mil dólares!), famílias como a de Lourdes Rosales relatam sua agonia por ter ficado um mês numa clínica privada de Guayaquil, centro equatoriano da pandemia, onde precisou ser abrigada diante do saturado sistema público de saúde.
Como se já não bastasse a herança da dor da mãe Lourdes falecida no dia 21 de abril, Gustavo Ycaza, de 26 anos, universitário e bancário, acaba sendo agredido até mesmo na hora do enterro: “Disseram que não me dariam o corpo de minha mãe até que eu pagasse a conta. Imagine, depois de tanta dor, te dizerem isso.
Conforme relatou Gustavo, em entrevista à AFP, o corpo só pode ser levado embora depois que tivesse assinado uma nota promissória de US$ 29.000, com vencimento para setembro. “Eu não sei onde vou conseguir esse dinheiro, porque o salário que entra é para pagar os cartões quebrados”, desabafou.
Com 2,7 milhões de habitantes, Guayaquil sofreu como poucas cidades na América Latina desde o começo os primeiros efeitos da pandemia, com os sistemas de saúde e mortuário completamente sobrecarregados após a detecção do primeiro contágio, em 29 de fevereiro.
Centenas de casas se tornaram necrotérios e os corpos começaram a ser abandonados – e muitos queimados – no meio da rua. O agravamento da crise piorou em Guayas onde chegou a ser registrado um pico diário de mais de 700 mortos, a maioria na capital, conforme dados oficiais – inteiramente subnotificados. Ainda que o número de óbitos tenha caído para uma média de 85 por dia, Guayaquil ainda não considera a emergência como superada e nem se assume quantas são decorrência da covid-19.
PESADELO
O horror é indescritível e pesa como um filme de horror que não para de passar, alertam os familiares das vítimas. Filhos ou até mesmo pais, que perdem os entes queridos ficando com uma imensa e indescritível conta de herança.
Um único dia de internação em um centro privado custa entre US$ 400 e US$ 800, ao mesmo tempo em que o salário básico mensal é de apenas US$ 400. Nas Unidades de Terapia Intensiva (UTIs), praticamente tomadas pelos pacientes de coronavírus, a internação custa entre US$ 1.500 e US$ 2.500.
Segundo o médico Roberto Gilbert, proprietário da clínica privada Guayaquil, a situação é extremamente complexa já que a covid-19 é uma doença de alto custo e requer a ação do Estado. “O oxigênio é caro, a hora do respirador (mecânico) é cara, a hora da equipe é cara. São atendidos por enfermeiros especializados e médicos de terapia intensiva”, frisou.
Famílias como a de Gustavo Ycaza não sabem o que fazer. “Nunca pensei que a doença de minha mãe fosse durar tanto e ser tão custosa”, descreveu o bancário.
SANGRIA PARA OS BANCOS
Em janeiro de 2020, o Estado pagou US$ 575,3 milhões de capital e juros da dívida pública, a cifra mais alta dos últimos 12 anos. De acordo com o próprio Ministério das Finanças, isso significa um aumento de 220% entre os meses de janeiro de 2019 a janeiro deste ano.
O montante é tão expressivo, alertam os movimentos sociais, que o serviço da dívida superou pela primeira vez desde 2008 em 21,6% o orçamento destinado aos setores da saúde e da educação juntos, que totalizaram US$ 473 milhões no mesmo período