
Depois de classificar o ataque aos palestinos em Gaza de situação “muito grave e vergonhosa”, o Papa voltou a condenar a fome imposta pelo cerco a Gaza e pedir o “auxílio a um povo faminto” em sua última aparição na Praça São Pedro no Vaticano
As diversas declarações contra a agressão sofrida pelo povo palestino diante do genocídio em curso exacerbado sob comando de Natanyahu, marcaram o papado de Francisco, que faleceu, aos 88 anos na manhã desta segunda após 40 dias de hospitalização acometido de pneumonia, na sua residência na Casa Santa Marta, no Vaticano, em Roma, às 2h35 pelo horário de Brasília, 7h35 pelo horário local.
Mas não se limitou a essa questão central deste momento: fez questão de condenar o “colonialismo econômico”, destacando que a “África não é mina a ser saqueada”, em uma das declarações contra o que considerou, ao longo de seu mandato, de ataque aos direitos e à dignidade humana.
Foi assim ao condenar os maus tratos europeus com os refugiados e imigrantes, assim como a perseguição a imigrantes pelo governo norte-americano; condenar o ataque à Igreja Ortodoxa da Ucrânia a mando de Zelensky; ao defender a “cultura e humanismo russos” contra a pressão de Biden por sanções e tentativa de isolamento da Rússia; pediu o fim do bloqueio a Cuba, sem deixar de condenar a polícia argentina, durante o goveno Milei, por ataque aos idosos em suas manifestações contra corte nas pensões.
“O Bispo de Roma, Francisco, retornou à casa do Pai. Ele nos ensinou a viver os valores do Evangelho com fidelidade, coragem e amor universal, especialmente em favor dos mais pobres e marginalizados. Com imensa gratidão por seu exemplo como verdadeiro discípulo do Senhor Jesus, recomendamos a alma do Papa Francisco ao infinito amor misericordioso do Deus Trino”, diz comunicado oficial do Vaticano.
Também dedicou seu tempo à frente do Vaticano a promover mudanças na Igreja, seja para permitir uma maior transparência, especialmente em nível de prestação de contas financeiras e ainda combater desvios graves como a pedofilia.
Foi enfático na defesa da participação e por mais espaço às mulheres. A importância no reconhecimento do papel das mulheres está presente em diversos pronunciamentos, como aquele em que afirma: “Estamos acostumados a essa cultura machista, que vê a mulher como ser humano de segunda categoria, quando na verdade são as que levam o mundo adiante. Que leva adiante a família, os povos, que carregam essa sensibilidade especial para com os mais necessitados”.
Em 13 de março de 2013, aos 76 anos, o antigo arcebispo de Buenos Aires e cardeal Jorge Mario Bergoglio foi eleito a autoridade máxima da Igreja Católica. Escolheu chamar-se Francisco, em memória de Francisco de Assis, um santo respeitado por ter dedicado a sua vida aos pobres e ao ambiente.
O PAPADO DE FRANCISCO
Durante o seu pontificado, Francisco escreveu, entre outros documentos, quatro encíclicas (“Lumen Fidei” em 2013, “Laudato si” em 2015, “Fratelli tutti” em 2020 e “Dilexit nos” em outubro de 2024). “Laudato si, sobre o cuidado da casa comum”, em particular, foi a primeira encíclica em que Francisco convidou todos a uma “conversão ecológica”, sublinhando que o cuidado ambiental está ligado à justiça para com os pobres e à solução dos problemas de uma economia “que procura apenas o lucro”. Outra encíclica que se destacou foi “Fratelli tutti” (Todos Irmãos), que o Papa publicou em plena pandemia da COVID para ajudar todos a sair da crise. “Ninguém se salva sozinho”, disse várias vezes, para incentivar a solidariedade e a produção de vacinas para todos. “Fratelli tutti” refere-se a uma frase célebre de São Francisco de Assis, que enfatiza a importância de “reconhecer, apreciar e amar” todas as pessoas, “independentemente de onde nasceram ou onde vivem”, enfatizou a encíclica.
Francisco escreveu ainda sete exortações apostólicas (incluindo uma dedicada à Amazônia e outra à crise climática) e 39 constituições apostólicas (algumas das quais alteraram as regras em vigor no Vaticano, como o Código de Direito Canônico e o papel da Cúria Romana em relação à Igreja no mundo). Nas suas 24 mensagens de Páscoa e Natal “Urbi et Orbi” (à cidade e ao mundo), fez uma avaliação sócio-política da situação mundial. As últimas, a última Páscoa e o Natal, dedicou-as sobretudo às guerras do mundo, pedindo a paz em todas elas.
Os pobres, os imigrantes, as alterações climáticas e as guerras estiveram sempre muito presentes nas suas mensagens. Mas também houve reformas importantes no seio da Santa Sé, tanto a nível econômico para melhorar a transparência financeira, como outras relacionadas com alterações no sistema de justiça do Vaticano, incluindo para facilitar o processo e a condenação de membros da Igreja acusados de abusos sexuais, e outras medidas que facilitaram o acesso das mulheres a setores da Santa Sé.
Até 2024, mais de 1.165 mulheres trabalhavam no Vaticano, muito mais do que antes de Bergoglio ser eleito Papa em 2013. Ele gostaria que as mulheres também ocupassem outros papéis na Igreja, mas o Sínodo dos Bispos de 2024 não aprovou medidas que o permitissem, demonstrando que nem todos os membros da Igreja concordaram com Francisco, especialmente aqueles que defendem uma Igreja que sempre foi um reino masculino e onde as freiras desempenhavam um papel secundário ou terciário, informa Elena Llorente em matéria no jornal argentino Página 12.
AS VIAGENS DE FRANCISCO
Quase quatro meses depois de ter sido eleito Papa, em março de 2013, Francisco decidiu fazer a sua primeira viagem como Pontífice a ilha de Lampedusa, onde milhares de migrantes de África e da Ásia chegavam nesses anos, por ser a região europeia mais próxima da costa africana e fugindo da pobreza. No Mediterrâneo, perto daquela ilha, já tinham morrido mais de 300 migrantes, e o Papa quis prestar-lhes homenagem atirando coroas de flores ao Mar Mediterrâneo, que quase se tinha tornado, como ele próprio disse várias vezes, um cemitério.
Durante os seus doze anos como pontífice, Francisco realizou 28 viagens a Itália e 48 viagens ao estrangeiro, incluindo Mongólia, Portugal, Canadá, Iraque, Grécia, Eslováquia, Emirados Árabes Unidos, Romênia, Japão, Papua Nova Guiné, Indonésia e Bruxelas, além de 10 países da América Latina (Brasil, Chile, Peru, Panamá, Colômbia, México, Cuba, Equador, Bolívia e Paraguai).
A SAÚDE DE FRANCISCO
A saúde de Francisco apresentou vários problemas nos últimos anos, com várias constipações e inflamações pulmonares, o que o levou a ser internado na Policlínica Gemelli (no Vaticano) para exames, onde já tinha sido internado no ano passado devido a uma pneumonia. Quando era jovem, devido a quistos em parte do pulmão direito, teve de remover o lobo superior do pulmão direito, o que o deixou muito suscetível a complicações respiratórias. O último internamento no Gemelli, que começou a 14 de fevereiro deste ano e durou 38 dias, complicou-se depois de lhe ter sido diagnosticada uma “infeção polimicrobiana”.
Francisco foi submetido a três cirurgias no Gemelli nos últimos anos, uma ao cólon e duas ao estômago. Tinha também problemas nos joelhos que, com o tempo, o impediram de andar ou de estar de pé durante longos períodos, e só usava uma cadeira de rodas para se deslocar.
Nos seus últimos dias na Policlínica, trabalhou sem parar, por exemplo, nomeando bispos em vários lugares e aceitando as renúncias de outros. Chegou a ligar várias vezes para a Igreja da Sagrada Família em Gaza, para saber como estavam em meio a ataques permanentes de Israel à região. Conversou em todas as ocasiões com o padre argentino Gabriel Romanelli, responsável pela paróquia.
RITOS DO LUTO
Os ritos de luto duram nove dias, e a data do funeral e do enterro são decididas pelos cardeais. O funeral seria normalmente realizado quatro a seis dias após a morte, na Praça de São Pedro. Francisco disse que, ao contrário de muitos antecessores, não seria sepultado na cripta da Basílica de São Pedro, mas sim na Basílica de Santa Maria Maior, em Roma. Pediu também para ser enterrado num simples caixão de madeira.
O conclave para eleger o novo papa começa na Capela Sistina do Vaticano 15 a 20 dias após a morte. Os cardeais, confinados no Vaticano durante o conclave, decidem a data exata.