
Historiador judeu participou de dois atos na Universidade de São Paulo e da abertura da Festa Literária Pirata das Editoras Independentes (Flipei)
O historiador judeu Ilan Pappe esteve em São Paulo nesta semana participando de três eventos onde reiterou o seu repúdio ao “genocídio praticado por Israel” e mostrou como este genocídio começou com a colonização judaica levada a cabo pelos sionistas, que culminou com a expulsão de 750 mil palestinos de seus lares e terras e destruiu mais de 500 aldeias e cidades palestinas para implantar o Estado de Israel em 1948.
Personalidades, ativistas e intelectuais participaram com entusiasmo dos debates “Palestina: da maior prisão do mundo ao campo de extermínio” – nome do seu mais recente livro, realizado na Casa de Cultura Japonesa, na Cidade Universitária, terça-feira (5); “Da limpeza étnica ao genocídio na Palestina”, no Largo de São Francisco da Faculdade de Direito, e na abertura da Festa Literária Pirata das Editoras Independentes (Flipei), na quarta-feira (6), expressando a repulsa ao sionismo.
“Chamar os atos praticados pelo Estado de Israel desde outubro de 2023 como genocídio é uma contribuição importante para que a gente enderece o assunto, usando a linguagem correta, não apenas sobre o que aconteceu nos últimos dois anos, mas o que aconteceu nos últimos 140 anos”, afirmou Ilan Pappe, fazendo reverberar a dor de Gaza.
Ao final da sua participação saudou as palavras de ordem dos estudantes entre elas a que proclama a “Palestina livre do rio ao mar”.
Em suas três intervenções, condenou como vem sendo silenciado por parte dos conglomerados de mídia “cenas de horror tão explícitas”, dizendo que pensava que “seriam suficientes para mudar a linguagem de como são tratados esses atos criminosos”. Diante disso, revelou, cresce o significado de eventos como os realizados pelo povo brasileiro em solidariedade ao povo palestino.
De acordo com professor da Universidade de Exeter, na Inglaterra, Israel manobra com a desinformação e a desmemória para construir mitos que atendem ao seu projeto de colonização.
“Fica claro que Israel é considerada pela Europa como parte dela. Nesse contexto, há muito pouca esperança de que o norte global tome alguma providência para coibir a ação de Israel sobre o povo palestino”, assinalou Pappe. A construção artificial do Estado de Israel, denunciou, resulta de uma solução europeia para o antissemitismo europeu, às custas da população árabe e palestina, que foi dizimada.
O historiador esclareceu que “limpeza étnica é mais do que uma política, é uma ideologia”, que tem graves desdobramentos sobre a realidade dos povos. Portanto, alertou, “se a gente não estudar, não analisar a conexão entre a ideologia sionista e o genocídio, a gente nunca vai conseguir impedir as ações do estado israelense contra a população palestina”.
Recordando até onde foi a manipulação, Pappe assinalou que no início, o sionismo foi alcunhado de “movimento de retorno e de redenção, e não o que era na prática: um projeto de colonização”. “Continuaram chamando os palestinos de nômades, como se não se importassem em ter de sair para outras terras, em vez de chamá-los corretamente como vítimas de uma limpeza étnica do projeto sionista de colonizar o estado palestino”, apontou.
Pappe ressaltou, no entanto, que a sociedade civil e alguns acadêmicos de poucos países têm trazido uma nova compreensão sobre a situação. “Me dá muita esperança e encorajamento que numa universidade de São Paulo possamos usar a linguagem correta para nos referir à Palestina”, agradeceu.
“GENOCÍDIO A CÉU ABERTO”
Participando no evento do Largo do São Francisco, o ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal (STF) e ex-juiz da Corte Internacional de Justiça (CIJ), Francisco Rezek, disse que o governo fascista no poder em Israel, tem contado com um enfraquecimento generalizado do Direito Internacional para cometer um “genocídio a céu aberto” contra a população palestina. Ele também vê uma “pasmaceira reprovável e vergonhosa” da comunidade internacional.
“Estamos em um momento em que esses líderes perderam a noção do primado do Direito. Alguns porque o agridem diretamente, como faz Donald Trump; outros pela covardia generalizada, que, na Europa Ocidental e em boa parte do mundo, encaram a tragédia com naturalidade. Banalizam o mal”, criticou o ministro.
Para Rezek, o que temos atualmente na Palestina “é um genocídio a céu aberto, absolutamente comprovado, começando com aquilo que nem os nazistas conseguiram: a desumanização da vítima para melhor matá-la, para melhor eliminá-la”.
O professor aposentado de ciência política na USP e ex-ministro dos Direitos Humanos, Paulo Sérgio Pinheiro, reiterou a relevância da presença do historiador Ilan Pappe, por sua trajetória intelectual e sua corajosa denúncia da opressão do povo palestino, “pois denuncia sem eufemismos o genocídio”.
“GOVERNO SUPREMACISTA E RACISTA DE ISRAEL”
“O governo supremacista e racista de Israel conduz, diante dos olhos do mundo, uma política de extermínio e limpeza étnica. Trata-se de uma ofensiva sustentada não apenas pelo aparato militar israelense, mas também pelo apoio expresso da maioria da população daquele país”, sublinhou.
Ex-ministro dos Direitos Humanos, Paulo Sérgio emendou que desde outubro de 2023, lideranças políticas e militares israelenses deram início a uma escalada de desumanização dos palestinos e incitação explícita ao genocídio. “As declarações oficiais, somadas aos atos concretos de destruição em massa, resultam em uma constatação incontornável: Israel comete um crime de genocídio contra o povo palestino – um crime que persiste até hoje, graças à omissão (ou conivência) de grande parte da comunidade internacional”, emendou.
O secretário de Juventude da Federação Árabe Palestina (Fepal), Gabriel Pizaia Rabah apontou com dor que “hoje vivemos a fase mais cruel do genocídio: a de ruir toda a sociedade palestina a partir não só das bombas e dos fuzis, mas também pela fome e pela doença”. “Isso vem sendo denunciado por inúmeras organizações e noticiado largamente: Israel mata de fome e doenças premeditadamente, bem como assassina os palestinos em busca de comida nos chamados centros de distribuição de alimentos”, protestou.
Ambos eventos reuniram vozes ativas em defesa da Palestina, como Arlene Clemesha, diretora do CEPal-FFLCH/USP; Paulo Casella, professor e membro do Fórum Permanente sobre Genocídios e Crimes contra a Humanidade da USP; Soraya Misleh, da Frente Palestina São Paulo; Júlia Wong, presidenta do Centro Acadêmico XI de Agosto; o ativista da Flotilha da Liberdade, Thiago Ávila, preso e deportado por Israel e dirigentes do Coletivo Vozes Judaicas pela Libertação.