Presidente da Confederação dos Marítimos denuncia que governo, depois da reforma trabalhista, vetou mínimo de ⅔ de trabalhadores brasileiros em navios na costa nacional, na Lei 14.301/2022, que institui o programa BR do Mar. Veto escancara as portas da marinha mercante brasileira para as agências internacionais que oferecem mão de obra com trabalho análogo à escravidão
O Comandante Carlos Müller, presidente da CONTTMAF (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transporte Aquaviários e Aéreos, na Pesca e nos Portos) e dirigente da CTB (Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil), denunciou, em entrevista ao HP, que o veto de Bolsonaro ao mínimo de ⅔ de brasileiros nos navios que operam em águas nacionais, no PL BR do Mar, vai permitir a utilização de trabalho em condições análogas à escravidão oferecido por agências internacionais de mão de obra. Além disso, afirma, “o veto é um atentado à soberania nacional. O que vai acontecer é que os navios estrangeiros que navegam em águas nacionais receberão incentivos para manter tripulação majoritariamente estrangeira, já que a Lei prevê apenas comandante e chefe de máquinas brasileiros”.
Müller fala também sobre a Conclat (Conferência Nacional da Classe Trabalhadores, que ocorre nesta quinta-feira) e sobre a proposta aprovada no 4º Congresso da CTB de construir a unidade dos trabalhadores, num período eleitoral, em defesa dos direitos, contra a ameaça de fome, e em defesa do crescimento econômico.
Confira, abaixo, a íntegra da entrevista:
HP – Bolsonaro vetou o limite mínimo de ⅔ de marítimos em embarcações com bandeira nacional no projeto de lei BR do Mar. Curioso é que Getúlio Vargas decretou, logo após a revolução de 30, que as empresas tinham que ter ⅔, no mínimo, de trabalhadores brasileiros. Quais os prejuízos para o Brasil e para os trabalhadores?
Müller – Esse veto é um atentado à soberania nacional. O que vai acontecer é que os navios que operam em águas nacionais vão poder ter tripulação majoritariamente estrangeira. Numa situação de conflito, o país perde o controle de sua marinha mercante, já que as bandeiras serão de outros países.
O objetivo do governo ao permitir a contratação de marítimos de países de baixo custo, sem nenhum direito, era que as empresas pudessem desrespeitar a Constituição e os Acordos Coletivos nacionais. Existem hoje agências de colocação de mão de obra internacionais que recrutam trabalhadores pelo mundo afora dispostos a trabalhar até em troca de comida (informação prestada na palestra proferida no dia 24 de março) e em países que estão em guerra. Isso não é justo. É dumping laboral. Estamos tratando do transporte marítimo doméstico, que é o que está sendo atacado. A manutenção do veto vai servir de precedente para outras categorias estratégicas. O governo procurou os sindicatos, fez o acordo de garantir o mínimo de ⅔ de brasileiros em troca de apoio ao projeto. Mas os relatores mantiveram a palavra. O acordo era o seguinte: se não tiver ⅔ de trabalhadores brasileiros, então, aplica a legislação nacional. Os contratos estarão submetidos à Constituição e aos Acordos Coletivos de Trabalho.
HP – Qual o significado da realização da Conclat agora?
Müller – A Conclat é uma proposta aprovada no 4º Congresso da CTB, na Bahia, antes da pandemia, e depois discutida com as demais centrais. Estaremos em processo eleitoral dentro de alguns meses. É preciso dar destaque às demandas dos trabalhadores e levar aos candidatos que tenham disposição de dialogar. Não é possível que num país com as desigualdades e as dimensões que tem o Brasil não haja uma efetiva valorização do trabalho. A luta dos marítimos deve servir de exemplo, porque se um governo veta aos trabalhadores de exercerem sua profissão no seu próprio país, isso cria um precedente terrível. Onde mais vai tentar fazer o mesmo? A Conclat visa levantar questões dos trabalhadores que atinjam toda sociedade. A questão da valorização do salário mínimo, de uma renda básica que traga dignidade, independente se o cidadão está empregado. O Brasil segue há anos com desemprego que supera 11%. Tem 130 milhões de brasileiros com insegurança alimentar. Não é possível um país com a produção de alimentos que tem o Brasil e brasileiro passando fome. A Conclat deve ter um posicionamento contra essa reforma trabalhista aprovada a toque de caixa. Há certas formas de trabalho legitimadas que antes eram consideradas trabalho análogo ao trabalho escravo. Isso tem que ser abolido.
HP – A CUT se antecipou e entregou ontem para o ex-presidente Lula sua Plataforma particular. Qual sua opinião sobre esta iniciativa?
Müller – Eu, como dirigente da CTB, prefiro que você faça essa pergunta para o Adilson, presidente da CTB, que já publicou seu posicionamento. Não é bom que haja alguma central buscando ter uma interlocução hegemônica, nem para partido político.
HP – A reforma trabalhista estabelece o negociado sobre o legislado? Isto fortalece a negociação coletiva e a democracia nas relações do trabalho?
Müller – Para a maior parte dos sindicatos brasileiros isso não é bom. A iniciativa foi dos patrões com o objetivo de impor condições piores do que está estabelecido na lei. Aqui, nos marítimos, garantimos acordos coletivos acima da lei.
HP – E a contribuição sindical compulsória de um dia de trabalho, é um estímulo à acomodação no movimento sindical? Bolsonaro e Temer contribuíram para o aumento da representatividade das entidades sindicais?
Müller – Esse foi o golpe mais duro desferido ao sistema de financiamento sindical. No parlamento e entre os próprios trabalhadores há dificuldade de se restabelecer o que existia originalmente. Agora, ninguém pode contestar a legitimidade das assembleias sindicais de estabelecerem contribuições que sejam aprovadas pela categoria, especialmente quando acontecem em função da negociação de acordos coletivos.
HP – Unicidade sindical ou pluralismo sindical?
Müller – Unicidade sindical, sem dúvidas. Nas minhas viagens constatei que os países onde tem a pluralidade é maior o índice de miséria e o capitalismo se dá em sua forma mais selvagem.
HP – O Brasil, durante 50 anos, de 30 a 80, cresceu o PIB em 7% ao ano. Em 80, tinha o PIB maior que a China. Hoje, 40 anos depois, o PIB da China é dez vezes maior e o Brasil cresceu, de lá para cá, 2% em média. Na sua opinião, o que houve?
Müller – Vamos lembrar que a economia, alguns anos atrás, teve um crescimento significativo. O Brasil é um país rico. Mas tem que ter melhor distribuição de renda. Não tem como a economia do país se tornar mais relevante sem o incremento da renda do trabalhador, sem o fortalecimento do mercado interno. É isso que a China tem experimentado. A renda do chinês tem melhorado substancialmente com a incorporação da inovação. Nós temos uma administração econômica que não consegue nem tem capacidade de dar respostas aos desafios que o capitalismo impõe. A equipe econômica, o Guedes, não demonstra capacidade de resolver as questões que dificultam o crescimento econômico, a geração de emprego.
CARLOS PEREIRA