A menos que se vá além do neoliberalismo, o revés desses reacionários será apenas temporário, adverte o economista indiano Prabhat Patnaik
Há um debate em curso no Brasil e no mundo atualmente sobre as causas do ressurgimento do fascismo. O consenso entre os estudiosos é de que não se trata de um fenômeno localizado. Há um aumento das forças de extrema direita em quase todos os continentes. As ondas fascistas surgiram com mais intensidade e se exacerbaram após a crise financeira de 2008, que marcou o esgotamento da ofensiva neoliberal em todo o mundo. Agora, para impor o neoliberalismo, o grande capital lança mão do terror e das ditaduras.
MARGINAIS
É certo dizer que grupos fascistas já existem espalhados em praticamente todos os países, mas é certo também afirmar que a característica deles é serem quase sempre grupos marginais e isolados dentro da sociedade. Alguns com características próprias, mas com muitas coisas comuns entre eles – principalmente o reacionarismo. Esses grupos só adquirem importância social e política quando passam a ser instrumentalizados, insuflados e financiados pela parcela mais apodrecida do capital financeiro. O capital os financia para que eles cumpram determinadas funções políticas em socorro de seus privilégios ameaçados.
Estes foram os casos dos fascismos, alemão e italiano, nas décadas de 20 e 30 do século XX. Eles foram fortemente financiados pela oligarquia financeira ocidental com o objetivo de cumprirem a “missão” de destruir a revolução russa e esmagar a nascente República Soviética.
Há quem diga que o fascismo é fruto da radicalização das contradições interimperialistas. No entanto, esta interpretação não está correta e não se confirmou na vida real e nem mesmo na própria história.
A primeira guerra mundial, por exemplo, uma confrontação aguda entre potências imperialistas pela redivisão do mundo, se deu sem a presença das forças do fascismo. As correntes fascistas surgiram e adquiriram relevo num momento posterior, exatamente quando, fruto do agravamento da crise geral do capitalismo, houve espaço para a primeira revolução socialista no mundo e o surgimento do primeiro Estado dirigido pela classe operária. A força arrebatadora do socialismo e o seu exemplo colocaram em risco, pela primeira vez na história, a existência do capitalismo. O fascismo surgiu por causa disso.
DITADURA DO CAPITAL FINANCEIRO
Georgi Dimitrov, presidente da Internacional Comunista, conduziu a discussão sobre esta questão no sétimo congresso da organização, realizado em 1935, quando da ascensão do nazismo. Ele concluiu exatamente que o fascismo, surgido na Europa naquela ocasião, foi uma reação extremada do capitalismo em crise ao surgimento e fortalecimento do socialismo. “O Estado fascista é a ditadura aberta e terrorista dos setores mais reacionários do capital financeiro”, disse ele. O economista polonês, Michal Kalecki, referiu-se de forma semelhante ao domínio fascista como sendo baseado numa parceria entre “grandes empresas e os fascistas arrivistas”.
Na década de 1930, o capitalismo vivia um de seus piores momentos. A crise de 1929, conhecida como a “grande depressão”, havia provocado uma grave recessão mundial, destruindo milhares de empresas e jogando milhões de trabalhadores nas ruas em todo o mundo, principalmente nos países centrais. Enquanto isso, a União Soviética florescia, construía o socialismo e encantava o mundo, com crescimentos de sua economia que chegavam a 13 e 14% ao ano. O país dos sovietes virava referência no mundo. Os planos quinquenais transformavam um país agrário, atrasado, na maior potência econômica europeia.
Essa situação deixou em polvorosa o capital financeiro, que viu no agravamento da situação e na força do socialismo, uma ameaça concreta à sua existência e ao seu domínio econômico. O nazismo alemão e o fascismo italiano foram vigorosamente financiados pelo capital financeiro com a função de destruir o socialismo nascente. A II Guerra Mundial foi a concretização desta missão que, felizmente, acabou sendo frustrada.
CRISE DO CAPITALISMO
Foi, portanto, a crise do capitalismo e o fortalecimento do socialismo que levaram o capital financeiro a recorrer ao fascismo e não centralmente uma contradição entre países capitalistas. A decisão do grande capital de tirar a máscara da demagogia liberal burguesa e lançar mão do terror fascista aberto – que matou 60 milhões de pessoas nos 13 anos em que esteve no poder – foi para combater o socialismo. O agravamento da crise do capitalismo em sua fase monopolista e o avanço do socialismo fizeram o capital financeiro, em desespero, lançar mão do fascismo.
Todas as forças políticas que, naquela ocasião, tentaram administrar a crise do capitalismo com políticas de conciliação de classes, foram atropeladas e varridas, ou pela revolução em curso ou pela onda fascista que se conformava.
Na atualidade, a situação guarda algumas semelhanças com o período citado acima. O caráter parasitário do capitalismo monopolista da atual era imperialista – caracterizada por Lenin como fase final do capitalismo – levou ao extremo a especulação financeira e ao inevitável declínio da economia dos EUA e de seus satélites. O imperialismo vive novamente uma grave crise e está em um profundo declínio.
Ao mesmo tempo, surge no horizonte a China socialista, que avança com força, se transforma na fábrica do mundo e já disputa a hegemonia econômica do planeta. Além de disputar a hegemonia, a China conforma um vigoroso campo anti-imperialista em todo o mundo. Esta situação, ou seja, o agravamento da crise do capitalismo, a debacle do neoliberalismo e a ameaça de que um país socialista arraste para a sua influência praticamente toda a periferia do sistema e esteja se aproximando da hegemonia do mundo é o que faz o capital financeiro estremecer e lançar mão novamente do terror como instrumento de luta política.
TERROR FASCISTA
A onda fascista que agora se revela ao mundo representa o uso do terror, do obscurantismo, da xenofobia, do racismo e de outras políticas reacionárias e anti-humanas. Ela precisa ser derrotada porque é uma grave ameaça à vida no planeta e às grandes conquistas da humanidade. Mas é importante compreender que arrogância não significa força. Ao contrário, ela representa fraqueza diante do desmoronamento de seu mundo. Representa o pavor diante de um socialismo em forte ascensão. O imperialismo esperneia porque o neoliberalismo faliu e o socialismo se fortalece a cada dia, conquistando corações e mentes por todo o mundo.
O economista marxista indiano, Prabhat Patnaik, nos traz uma importante contribuição para este debate, em seu artigo “O fascismo é um fenómeno totalmente moderno”, recentemente publicado no Peoples Democracy. Ele destaca que é necessário enterrar a política neoliberal para se superar o fascismo. “Se a ascensão fascista for vista como apoiada pelo capital monopolista para reforçar a sua hegemonia durante um período de crise do neoliberalismo que não pode ser superado dentro da própria estrutura do neoliberalismo, então a luta política contra ela terá de ser acompanhada por uma agenda econômica que vá além do neoliberalismo”, argumenta.
SUPERAR O NEOLIBERALISMO
“A menos que se vá além do neoliberalismo, o que é necessário para superar a crise que ele causou, mesmo uma derrota política dos elementos fascistas nas eleições só causará um revés temporário para eles; eles voltarão ao poder novamente, como Donald Trump fez nos EUA, porque a conjuntura que deu origem à sua ascensão não teria sido superada. Consequentemente, uma luta bem-sucedida contra a ascensão dos elementos fascistas requer não apenas uma união política das forças democráticas e antifascistas, mas também um programa econômico mínimo que implique ir além do neoliberalismo, pelo menos em certos aspetos cruciais para começar”, conclui o autor.
Esta avaliação do estudioso indiano se encaixa bem no caso do Brasil. Aqui o fascismo chegou ao poder e, como todo o fascismo da periferia, se submeteu inteiramente aos interesses do imperialismo norte-americano, intensificou a política neoliberal e afundou a economia do país. As forças democráticas e patrióticas impediram um golpe de Estado e lograram derrotar os fascistas nas urnas. Agora, intimamente associado ao fascismo trumpista, o mesmo grupo tenta retornar ao poder no país. O Brasil tem imposto derrotas importantes a esse grupo. Mas, mais do que nunca é necessário, como aconselhou o economista indiano, enterrar o neoliberalismo definitivamente para impedir que o obscurantismo volte a infernizar a população brasileira.
SÉRGIO CRUZ