
“Tudo o que foi feito deve ser revogado, através de referendo revogatório, convocado com a maior brevidade possível pelo próximo governo”, asseverou Ildo Sauer
Convidamos o leitor a assistir o vídeo, na íntegra, da 2ª mesa do Seminário “O desmonte do setor de energia – Petrobrás e Eletrobrás – e os caminhos para sua reconstrução”, promovido pela Fundação Maurício Gabrois, através da Cátedra Claudio Campos, coordenado por Rosanita Campos. A novidade alvissareira foi, além da presença do presidente da Fundação, Renato Rabelo, a presença do diretor Prof. Nilson Araújo, que chegou de tratamento médico em Cuba.
Aldo Arantes, militante histórico do PCdoB, membro do Comitê Central, fez uma homenagem a Haroldo Lima: “Haroldo Lima foi mais que amigo, foi um irmão. Estivemos juntos na juventude, na UNE, na prisão, na tortura e na retomada da luta. O Haroldo, como vocês sabem, foi personagem fundamental na discussão da energia na Constituinte, nos debates sobre a Petrobrás. Teve um papel decisivo quando o Brasil descobriu o pré-sal, na definição das novas regras e no papel da Petrobrás. E mais, na luta contra a ditadura. Agora mesmo, na conquista da federação partidária. Deixou um precioso legado. Tinha uma alma grande e foi muito acertada esta homenagem na discussão da energia. Haroldo, presente!”.
Para o professor da USP e ex-diretor de gás da Petrobrás Ildo Sauer, “no Brasil, a partir do sec. XX, a transformação de um país movido a jegue, a burro, carro de bois só se daria se a energia passasse a fazer parte da história brasileira, ao lado da industrialização, da urbanização”.
Esse processo se materializa a partir dos anos 30 do século passado com a criação do Conselho Nacional do Petróleo em 1938. Na Carta Testamento, diz o Presidente Getúlio Vargas: “Quis criar a liberdade nacional na potencialização de nossas riquezas através da Petrobras, mal começa esta a funcionar, a onda de agitação se avoluma. A Eletrobrás foi obstaculada até o desespero. Não querem que o trabalhador seja livre. Não querem que o povo seja independente”.
Para o presidente Renato Rabelo, “a entrega da Eletrobrás está sendo consumada. O Brasil renuncia a sua soberania. Na realidade, é um crime contra o futuro. Não há como pensar em desenvolvimento sem energia. Precisamos abrir um novo caminho para o nosso país. Energia é como o sangue no corpo humano”.
O professor Nilson Araújo declarou: “Este seminário se realiza no momento que se deflagrou o processo de doação da Eletrobrás. O governo espera arrecadar R$ 67 bilhões e ceder o controle da empresa. O ministro do TCU declarou que deveria ser pelo menos R$ 140 bilhões e eu tenho visto estimativas de até R$ 400 bilhões, comparando com o preço de empresas semelhantes de outros países”.
Segundo o professor Ildo Suer, “mesmo durante a ditadura, com seus crimes sanguinários e o desrespeito aos direitos humanos, se manteve a base social do projeto desenvolvimentista com a siderurgia e a Vale do Rio Doce”.
Para Ildo, “as agências reguladoras, criadas por FHC, não foram devidamente alteradas posteriormente. Continuaram a servir de anteparo aos capitalistas em detrimento aos consumidores e ao povo brasileiro”.
”Tudo que foi feito deve ser revogado, através do referendo revogatório, convocado, com a maior brevidade possível”, asseverou Ildo.
O professor Roberto D’Araújo, diretor do Instituto Ilumina, apresentou significativos números da Eletrobrás, a saber: a empresa Duke Energy, com capacidade de 52 GW, é avaliada em U$88,07 bilhões. A Eletrobrás, com a mesma capacidade, 50,5 GW, é oferecida por U$12,07 bilhões.
A média de crescimento do consumo de energia no Brasil é de +1,5 MW/ano, sem ter havido investimentos relevantes. Só a estagnação econômica que vive o país explica não estarmos numa crise energética. Em abril/2022, o custo da energia no mercado livre era de R$ 55 MWh, enquanto no mercado cativo era de R$ 700 MWh.
O Brasil, devido à falta de investimentos, está muito atrasado na produção de energia limpa, com 2,5% de energias solar e nuclear, enquanto na Dinamarca são 70% de energias solar e nuclear. Anunciada a privatização, as ações da Eletrobrás caíram 79%.
Para Aurélio Valporto, economista, presidente da Associação Nacional dos Investidores, “energia é essencial para a existência do organismo econômico”. “Quanto mais abundante, quanto mais barata, melhor para o povo”. Aurélio declarou que é contra a privatização de monopólios. “A Eletrobrás é monopólio que transmite energia. Quase 50% da transmissão é feita pela Eletrobrás. Não vai existir uma linha do lado”.
O economista defendeu que o governo não pode abrir mão dos reservatórios, baterias capazes de armazenar energia eólica.
Para a professora Clarisse Ferraz, com pós-doutorado em economia na UFRJ, “a privatização da Eletrobrás é a perda de um elemento chave para a transição a uma energia limpa e barata por todo território nacional. Foi com esse mesmo fim que foi criada a Eletrobrás, para que o Brasil se industrializasse e deixasse de ser uma economia agrário-exportadora”. A professora citou que a Eletrobrás é responsável por um dos maiores feitos da engenharia nacional: Itaipu, que foi a maior barragem do mundo durante dez anos e o maior sistema de transmissão durante 20 anos.
Na avaliação de Ícaro Chaves, da Associação dos Engenheiros e Técnicos do Sistema Eletrobrás, “é provável que a Eletrobrás seja privatizada nos próximos dias”. Ícaro considera “que está sendo vendido o direito de se cobrar mais caro pela energia”.
Outro crime, segundo Chaves, “é que a Eletrobrás privatizada terá direito a 70% da Eletronuclear. A Constituição diz que a energia nuclear é monopólio da União”.
Ícaro disse que o ministro Vital do Rego registrou a subavaliação da Eletrobrás em 63 bilhões de reais, “apenas relativos ao valor adicionado às concessões de 22 usinas, que terão seu regime prorrogado por mais 30 anos, como produtor independente”.
Sérgio Cruz, jornalista da Hora do Povo, declarou que “a privatização da Eletrobrás é um ato de pilhagem do patrimônio público” e alertou: “Estamos numa emergência política, estamos assistindo à destruição do nosso sistema energético”.
Para Sérgio, “o país inteiro está discutindo a retomada do desenvolvimento. Podíamos estar, nesse momento, discutindo quais são os passos que têm que ser dados do ponto de vista energético para garantir o processo de reindustrialização, discutindo a transição energética”.
O jornalista considera que o Brasil tem “belíssimas condições de fazer esta transição, exatamente pela estrutura construída de hidroelétricas, com reservatórios que podem ser um instrumento de estabilização do sistema. Você desenvolve as renováveis, oscilantes, com uma reserva do setor hidroelétrico. Está garantida a continuidade do sistema”. “Isso aí tem uma importância estratégica”, completou.
A criação da Petrobrás e da Eletrobrás foram consequências da decisão do país de se desenvolver: “Energia para industrializar o país”, afirmou. Sérgio também considera que “o novo governo terá que reverter essa pilhagem com a maior emergência”.
CARLOS PEREIRA