Francisco Eguiguren Praeli defende “novo pacto político” para superar “crise que atingiu o fundo do poço“
“Acredito que a crise política que nosso país vive há seis anos, com seis presidentes, com vários congressos, vacâncias presidenciais, instabilidade política, protesto social, etc. denotam uma crise política que é o fim de um sistema. A Carta de 1993, como diriam os jovens, ‘já aconteceu’. Faz tempo que se foi. Não vamos defender um cadáver que está causando outros cadáveres”.
A firme e esclarecedora declaração do ex-ministro da Justiça do Peru, professor Francisco Eguiguren Praeli, foi feita recentemente ao programa Diálogo Constitucional, quando o país já soma mais de 60 mortos desde 7 de dezembro. Primeiro peruano a presidir a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), Eguiguren tem força nas suas palavras pela construção de uma sociedade democrática.
De forma bastante objetiva, seu pronunciamento expõe o sentimento do basta ecoado pela multidão que ocupa as ruas do país por novas eleições e uma Assembleia Constituinte para que a nação retome a sua soberania. Boa leitura
TRANSITAR PARA UMA NOVA CONSTITUIÇÃO EM DEMOCRACIA
FRANCISCO EGUIGUREN PRAELI
“A impressão que tenho é que os momentos constituintes não ocorrem como produto da razão, como talvez fosse desejável que acontecesse, quando um povo chega à conclusão de que a realidade mudou, que sua Constituição ficou aquém, que não existe a possibilidade de a atualizar através de um Tribunal Constitucional, jurisprudência ou leis. Isso seria desejável. Uma transição para uma nova constituição de forma planejada, organizada e sensata.
No nosso país, tanto quanto me lembre, nunca tivemos um momento constituinte em contexto democrático. Pode ser que haja algum que seja a exceção, mas não o tenho na cabeça. Nos últimos cem anos, todas as constituições que tivemos nasceram no marco de uma ditadura. Alguns como transição para a saída: o governo militar das Forças Armadas, dos generais Morales Bermúdez e Velasco Alvarado; ou a de 93 do fujimorismo, não para sair, mas para ficar e legitimar a reeleição presidencial imediata, o neoliberalismo e seu esquema político.
Eu sempre digo: por que não somos capazes, como país, de viver um processo constituinte em democracia, sem ditadura, sem amarras? Há condições para um processo constituinte? Isso é como quase tudo na vida. Estamos prontos, estamos preparados? Normalmente não estamos prontos nem preparados, mas as coisas acontecem e é preciso saber lê-las.
Acredito que a crise política que nosso país vive há seis anos, com seis presidentes, com vários congressos, vacâncias presidenciais, instabilidade política, protesto social, etc. denotam uma crise política que é o fim de um sistema. A Carta de 1993, como diriam os jovens, “já aconteceu”. Faz tempo que se foi. Não vamos defender um cadáver que está causando outros cadáveres.
Um novo pacto político e social é uma necessidade moral para o nosso país. Não sei se estamos fazendo certo, mas as novas forças representativas do país, se existirem, devem definir as regras do jogo para os próximos 20 ou 30 anos no Peru, olhando a experiência desses 30 anos, olhando para a crise política, para a crise de legitimidade.
Estaremos à altura? Não tenho ideia, mas sei de uma coisa: não se pode negar ao povo a possibilidade de se manifestar. Tiremos as dúvidas, perguntemos ao povo, numa consulta popular, aproveitando um referendo, se houver, ou a próxima eleição. Vamos perguntá-lo. Não custa muito, vem no mesmo pacote, mais um pedacinho de papel: você quer uma nova Constituição feita por uma Assembleia Constituinte? Vamos perguntar a eles e deixá-los decidir. Se eles disserem não, então não. Se disserem que sim, vamos aprovar as mudanças necessárias para uma constituinte que vai demorar (não é amanhã), convocá-la, elegê-la, trabalhar um ano, fazer uma nova Constituição.
De repente, que Deus nos proteja, haverá um momento de lucidez e uma nova e melhor Constituição, e um pacto político diferente. Acredito que existe um momento constituinte não como produto da razão; há um momento constituinte como produto da crise e do fim e declínio de um sistema político injusto que levou nosso país a esse doloroso saldo que temos de violência e morte sem solução. Um sistema que prejudica a economia em que os mais pobres ficam mais pobres porque não podem trabalhar. Esse é o sinal de que um sistema atingiu o fundo do poço. Eu acredito e diria que é necessário logo uma consulta popular sobre uma Assembleia Constituinte. Essa é a minha proposta”.