Cobrado por um seguidor o motivo do sigilo, Bolsonaro respondeu: “Em 100 anos você saberá.” Despois de se encontrarem com o “mito”, os dois pastores, Gilmar Santos e Arilton Moura, passaram a mandar e desmandar nas verbas do FNDE. Prefeitos denunciaram que até ouro eles queriam como propina
O Palácio do Planalto, através do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), decretou sigilo sobre os encontros entre Jair Bolsonaro e os pastores lobistas do Ministério da Educação (MEC). Os dois pastores, Gilmar Santos e Arilton Moura, foram denunciados por três prefeitos de exigirem propina para liberar as verbas do Fundo Nacional para o Desenvolvimento da Educação (FNDE).
Ao chegar ao Palácio do Planalto, todos os visitantes devem se identificar, apresentar documentos de identificação e apontar o gabinete ou escritório de destino. As entradas, normalmente, precisam ser autorizadas pelos responsáveis pela área que será visitada. Tudo isso é de interesse público.
A reportagem do jornal O Globo solicitou, por meio da Lei de Acesso à Informação, a relação das entradas e saídas dos dois pastores no Palácio do Planalto, incluindo os registros que tiveram como destino o gabinete presidencial. Esse tipo de informação é diferente daquelas que constam da agenda do presidente, pois tratam da identificação feita nas portarias do prédio, tanto na entrada como na saída, pois nem todos os encontros de Bolsonaro são divulgados.
O Gabinete de Segurança Institucional apresentou um parecer alegando que não pode fornecer a informação solicitada pelo jornal. “Do exposto, fica clara a impossibilidade do fornecimento dos dados pessoais solicitados para outros fins que não a segurança na Presidência da República”, afirma a resposta oficial ao pedido.
Cobrado por um seguidor o motivo do sigilo, Bolsonaro respondeu: “Em 100 anos você saberá”. É com esse cinismo que ele responde à sociedade.
O que será que Bolsonaro conversou com os pastores para que o tema mereça ser mantido em sigilo? Pelo desdobramento dos fatos, que mostraram uma atuação ativa dos pastores na liberação de verbas do MEC após os encontros, certamente, entre os assuntos estava o pedido ao ministro da Educação para recebê-los de braços abertos no ministério. A censura não é apenas sobre o conteúdo das conversas. Ela proíbe até o acesso aos dias das visitas dos pastores ao Planalto.
No áudio vazado de uma reunião no Ministério da Educação o ex-ministro da Educação, Milton Ribeiro, aparece dizendo que foi Bolsonaro que intercedeu pelos pastores. Ou seja, depois de se reunir várias vezes com Bolsonaro, o ministro foi orientado a receber os dois pastores e dar a eles todo o poder para manipularem as verbas do FNDE. É isso que está sendo mantido em sigilo.
Na conversa gravada, o ministro afirma que o governo federal prioriza prefeituras cujos pedidos de liberação de verba foram negociados pelos pastores que não têm cargo no governo e atuam passaram a atura na definição de liberação de verbas do MEC. Milton Ribeiro diz na gravação que isso atende a uma solicitação do presidente Jair Bolsonaro (PL). “Foi um pedido especial que o presidente da República fez para mim sobre a questão do [pastor] Gilmar”, diz o ministro na reunião, que ocorreu dentro da pasta.
Depois que o áudio veio à público, dez prefeitos relataram a presença dos pastores nas reuniões para definir a liberação das verbas. Três deles denunciaram a cobrança de propina pelos dois pastores.
O prefeito de Luís Domingues (MA), Gilberto Braga, contou que Arilton pediu R$ 15 mil para que a demanda fosse registrada no Ministério da Educação e um quilo de ouro, que vale mais de R$ 300 mil, para que a verba fosse destinada para sua cidade. “Ele [Arilton] disse que tinha que ver a nossa demanda, de R$ 10 milhões ou mais, tinha que dar R$ 15 mil para ele só protocolar [a demanda no MEC]. E, na hora que o dinheiro já estivesse empenhado, era para dar um tanto, X. Para mim, como a minha região era área de mineração, ele pediu 1 quilo de ouro”.
O prefeito de Bonfinópolis (GO), Kelton Pinheiro, relatou que o pastor Arilton disse que faria um “desconto” na propina. “(Arilton) falou: ‘vou lhe fazer por R$ 15 mil porque você foi indicado pelo pastor Gilmar, que é meu amigo. Pros outros aqui, o que eu estou cobrando aqui é R$ 30 mil’”, disse.
Kelton Pinheiro contou ao Estadão que Arilton Moura também propôs ainda uma contribuição para a igreja. “Se você quiser contribuir com a minha igreja, que eu estou construindo, faz uma oferta para mim, uma oferta para a igreja. Você vai comprar mil bíblias, no valor de R$ 50, e você vai distribuir essas bíblias lá na sua cidade. Esse recurso eu quero usar para a construção da igreja”, disse o pastor, segundo o prefeito. “Fazendo isso, você vai me ajudar também a conseguir um recurso para você no Ministério.”
Kelton prosseguiu: “ele sentou do meu lado, em um dos lados da mesa e falou: ‘olha prefeito, eu vou ser direto com você. Tem lá um recurso para liberar com ministro, mas eu preciso de R$15 mil hoje’”, afirmou Arilton Moura, segundo o prefeito. “O discurso dele que ainda me deixou mais chateado foi: ‘eu preciso desse pagamento hoje, porque vocês políticos não têm palavra, vocês não cumprem com o que prometem. Depois eu coloco o recurso para você lá e você nem me paga’.”
No depoimento no Senado na segunda-feira (11), o presidente do FNDE, Marcelo Lopes da Ponte, apadrinhado de Ciro Nogueira, disse que os pastores que Bolsonaro alocou no MEC estavam usando o seu nome para pedir propina sem que ele soubesse.
Isto é uma mentira porque no depoimento à Policia Federal, o mesmo Marcelo Lopes admitiu ter ouvido de Arilon Moura a frase “você me ajuda e eu te ajudo”. Ele não tinha relatado isso aos senadores. Ele só também não explicou porque assinava a liberação das verbas para os que aceitavam pagar a propina aos pastores e não assinava para aqueles que se recusavam a pagar a propina.
O presidente da Comissão de Educação, senador Marcelo Castro (MDB-PI), questionou as motivações do governo em decretar sigilo nos registros das visitas dos pastores ao Palácio do Planalto. “Por que decretar sigilo das reuniões com os pastores? A agenda do presidente é pública. Por que esconder? Sinceramente, nos causa espécie. É algo absolutamente inusitado, surpreendente e inesperado. Mais um gato gravíssimo acerca das denúncias de irregularidades no MEC/FNDE”, escreveu nas redes sociais.