“Ter um ministro do meio ambiente que não tem um forte compromisso com a agenda ambiental é quase como ter alguém que vai cumprir a liquidação do Ministério”, afirma Marina Silva (Rede) sobre Ricardo Salles, indicado de Bolsonaro para a pasta.
No domingo (9), o presidente eleito confirmou a indicação do advogado e ex-secretário do Meio Ambiente de Geraldo Alckmin no governo de São Paulo, Ricardo Salles.
Ricardo é réu em ação do Ministério Público de São Paulo por ter alterado mapas do plano de manejo de uma área de preservação ambiental em benefício de empresários. Também foi denunciado por crime eleitoral, por abuso do poder econômico.
Para Marina Silva, que ocupou o cargo de ministra do Meio Ambiente entre 2003 e 2008, Ricardo não tem conhecimento sobre a área que atuará.
Segundo Bolsonaro, o próprio Ministério do Meio Ambiente não deveria existir, sua proposta era fundi-lo com Agricultura.
“Eu vejo uma grande ameaça à agenda da justiça social e da proteção ambiental. Uma das primeiras menções do presidente eleito, Jair Bolsonaro, a respeito do Ministério do Meio Ambiente, não foi para fortalecê-lo, mas para fundi-lo ao Ministério da Agricultura. Ele escolheu o ministro do setor depois que foram nomeados todos os titulares dos outros ministérios. Escolheu por pressão da sociedade e, inclusive, de parte do próprio agronegócio, que entendeu que uma fusão iria criar problemas para o setor”, disse Marina.
O indicado, porém, foi alguém que dá pouca ou nenhuma importância para a preservação ambiental. “O ministro começa questionando a própria agenda ambiental. Quando você não tem conhecimento de uma agenda, você busca entender e dialogar com os setores que atuam na área. O ministro faz o contrário”, afirmou a ex-ministra.
O futuro ministro fez declarações questionando os dados recolhidos e divulgados pelo Governo Federal sobre o desmatamento. Para ele, os dados não “não revelam toda a verdade” e são “informações genéricas”.
Bolsonaro, por sua vez, impediu que o Brasil sediasse o COP-25, encontro internacional para debater o Acordo de Paris e a atuação dos 195 países signatários e que atuam tentando conter o aquecimento global e as mudanças climáticas causadas pela humanidade.
Para Marina, o Brasil vinha cumprindo, desde o encontro Rio-92, um papel exemplar e de protagonismo nesse sentido, mas essa ação do presidente eleito põe tudo isso em risco. “A ameaça que o presidente fez de sair do Acordo de Paris, a recusa em sediar a Convenção do Clima em 2019 (COP25) são indicativos que nos levam a crer que agenda ambiental não será prioritária e que a manutenção do Ministério do Meio Ambiente pode ter sido uma estratégia para desestruturá-lo por inanição”.
“Nós estamos abrindo mão disso de liderar essa agenda não só pelo discurso, mas também pelo exemplo. Nós conseguimos reduzir o desmatamento durante dez anos com a economia em crescimento. Isso foi muito importante para a agricultura brasileira. Agora você imagine um cenário de desmatamento em alta com baixo crescimento econômico, o quanto isso pode suscitar de barreiras tarifárias para o agronegócio brasileiro”, questionou.
INDÍGENAS E QUILOMBOLAS
Marina externou também sua preocupação para com as populações indígenas e quilombolas sob o governo Bolsonaro. Para ela, a transferência da Funai, órgão responsável pela proteção e demarcação de terras indígenas, do Ministério da Justiça para o Meio Ambiente foi um erro.
“É a primeira vez que se tem um presidente da República que faz uma campanha se colocando claramente contra um segmento tão vulnerável, como são as populações indígenas e as populações quilombolas”.
“Mesmo na época da ditadura, houve momentos em que índios tiveram ganhos, claro que com muita luta e resistência. É a primeira vez que um presidente dá um comando contrário aos direitos das comunidades indígenas no que concerne à preservação de sua cultura, de seu modo tradicional de vida”, continuou.
“Preservar os índios pressupõe preservar as bases materiais, culturais e sociais que asseguram a condição deles de serem diferentes. Quando eles são ameaçados por perderem suas terras ou de serem assimilados, isso é muito preocupante”, disse.
“Eu acho que o melhor lugar para a Funai é no Ministério da Justiça. A comunidade indígena brasileira é constitucionalmente tutelada. No Ministério da Justiça havia um guarda-chuva de isenção para a Funai. É claro que o pior lugar era no Ministério da Agricultura. O Ministério da Justiça tem um poder de convocação muito mais amplo para manejar e dirimir conflitos”, declarou, em entrevista para o portal UOL.