“Houve uma interferência política do presidente da República na Polícia Federal, tanto na direção-geral como também na superintendência do Rio de Janeiro”, disse o ex-ministro
Em entrevista no domingo (24) a Poliana Abritta, do Fantástico, o ex-ministro da Justiça e da Segurança Pública, Sérgio Moro, afirmou que “houve uma interferência política do presidente da República na Polícia Federal, tanto na direção-geral como também na superintendência do Rio de Janeiro”. “Entendi, pela relevância do assunto, que era minha obrigação revelar a verdade por trás da minha saída”, afirmou.
Moro destacou que cabe à PGR e à Polícia Federal avaliar se houve crime por parte do presidente da República. “Na minha parte, não me cabe emitir opinião específica a esse respeito”, disse. O ex-ministro apresentou provas da interferência de Jair Bolsonaro com o objetivo de controlar investigações conduzidas pela PF que poderiam atingir seus familiares e amigos. Uma delas mostra Bolsonaro dizendo a Moro que a “perseguição” da PF contra deputados bolsonaristas era “mais um motivo para a troca”.
Além das provas que Moro já havia apresentado, vieram à tona esta semana mensagens mais comprometedoras ainda contra Bolsonaro. Poucas horas antes da reunião ministerial de 22 de abril, Bolsonaro comunicou ao ex-ministro Sérgio Moro que o ex-diretor-geral da Polícia Federal, Maurício Valeixo, iria ser demitido.
O comunicado consta de novas mensagens divulgadas trocadas entre Bolsonaro e o ex-ministro Sérgio Moro. Elas reforçam mais ainda a interferência de Bolsonaro na PF que Moro denunciou. Num texto enviado às 6h26 daquela quarta-feira, Bolsonaro escreveu: “Moro, o Valeixo sai nessa semana”, afirmou. “Isto está decidido”.
Moro confirmou as mensagens na entrevista. “Ele mandou essas mensagens, de fato, no dia 22, dizendo: olha, vai trocar de qualquer jeito. Você escolhe apenas a forma. Isso demonstra que essa argumentação de que não havia desejo de interferência na Polícia Federal não é propriamente correto”, disse o ex-ministro. “Esse vídeo é mais um dos elementos de prova. Nós tivemos a reunião ministerial, na qual novamente ele externou essa situação de que ele queria trocar, intervir, porque os serviços de inteligência não funcionavam, ele precisava trocar. E ele ali, me parece claro, até pelo gestual que ele realiza, que ele se refere a mim. Ele fala da Polícia Federal. Agora, eu não ia discutir isso no âmbito de uma reunião ministerial. Até porque ali o ambiente não era um ambiente muito favorável ao contraditório”, observou Moro.
O que existe, prosseguiu Moro, “é todo um contexto, que é a necessidade externada pelo presidente de colocar pessoas de confiança dele e uma insatisfação com serviços de inteligência que eram prestados pela PF. Agora, tem que ver o que ele entende exatamente como ‘serviços de inteligência’, que pra ele estavam insatisfatórios”.
“O que ele quis dizer com esse serviço particular. O que me causou mais preocupação foi, me parece, o desejo de que os serviços de inteligência prestados por esse serviço particular fossem passados a ser prestados pelos serviços oficiais”, acrescentou.
Moro desmentiu Bolsonaro de que ele estaria falando do GSI na reunião ministerial. “Acho que o vídeo fala por si. Quando ele olha na minha direção, isso evidencia que ele estava falando desse assunto da Polícia Federal. E temos que analisar os fatos que ocorrem anteriormente – ele não teve nenhuma dificuldade em alterar o serviço do GSI. Inclusive do Rio de Janeiro, ele promoveu até as pessoas envolvidas. Sinal de que não havia nenhuma insatisfação – e os fatos posteriores”, afirmou.
“E os fatos posteriores são o quê? A mensagem que ele me manda na quinta de manhã, que ele fala ‘mais um motivo pra troca’, após me enviar uma mensagem relativa ao inquérito no Supremo Tribunal Federal. E, por outro lado, o que acontece? Acontece a demissão do diretor Valeixo”, destacou Sérgio Moro.
O ex-ministro falou também sobre a posição de Bolsonaro sobre a pandemia do coronavírus. “O presidente da República tem uma posição negacionista em relação à pandemia. Houve um debate também sobre a questão de prisão no caso de infração, descumprimento de isolamento e de quarentena. Teve alguns episódios, que foram até noticiados, de algumas pessoas que foram presas por violação de isolamento de quarentena e eu sempre externei: olha, minha posição é que a prisão deve ser evitada ao máximo, isso deve ser objeto de diálogo, objeto de convencimento, mas existe uma possibilidade legal da prisão, porque é um crime previsto, uma infração penal prevista no artigo 268 do Código Penal”, explicou.
“Dentro do governo, lembro de varias reuniões que eu participei – isso pode ser dito melhor pelo ministro Mandetta – em que foi alertado o risco de que houvesse essa escalada de mortes. E, no entanto, me parece que falta um planejamento geral por parte do governo federal em relação a essas questões”, disse.
“Agora, eu acho que a minha própria lealdade, ao próprio presidente, demanda que eu me posicione com a verdade, com o que eu penso. E não apenas concordando com a posição do presidente. Se for assim, não precisa de um ministro, precisa de um papagaio. Em nenhuma circunstância se pode concordar, digamos assim, que o armamento sirva de alguma forma para que as pessoas possam se opor, de forma armada, contra medidas sanitárias”, acrescentou Moro.
Questiodo sobre porque não discutiu as pressões sobre a PF na reunião, Moro respondeu que ali não era a melhor lugar para discutir esse assunto. “Quanto às questões relativas à interferência da Polícia Federal, eu tinha uma reunião com o presidente na quinta-feira, no dia seguinte. E, sinceramente, acho que esses assuntos eram mais apropriados para serem discutidos numa reunião entre eu e o presidente”, explicou. E acrescentou que estava desconfortável na reunião.
“Bem, eu estava bastante desconfortável e incomodado naquela reunião. Como eu já disse, não tinha muito espaço ali para o contraditório. Eu acabei saindo, queria ter saído antes. Eu tinha também um compromisso agendado que me dava uma desculpa para poder sair antes que terminasse”, contou Sérgio Moro.