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CAROLINA MARIA RUY
Questões que se impõem no mundo do trabalho, como o trabalho por App (entregadores e motoristas), a importância da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) e a ideia de “profundas transformações no mundo do trabalho”, foram levantadas no artigo “CLT versus plataformas, segundo os trabalhadores”, assinado por João Saboia (professor emérito do Instituto de Economia da UFRJ), Tiago Magaldi (professor substituto do Departamento de Sociologia da UFRJ) e François Roubaud (diretor de pesquisa do IRD (França) e professor visitante do Instituto de Economia da UFRJ), publicado no Valor Econômico em 24/02/2025.
Os autores se baseiam em uma pesquisa multidisciplinar da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que mostra que os trabalhadores por aplicativos “não querem” a CLT por ganharem mais, terem liberdade e autonomia e não ter patrão na nova modalidade. Por outro lado, podem ser cancelados pelas plataformas. E os autores acrescentam que há a falta de previdência social.
Diz o texto:
“Surpreendentemente, apesar dos rendimentos relativamente baixos e das longas jornadas de trabalho, os TTPs [trabalhadores de transporte em plataformas] se mostram relativamente satisfeitos com o trabalho realizado nas respectivas plataformas e, quando perguntados se trocariam seu trabalho atual por um emprego com carteira assinada, várias razões para se manterem no trabalho em plataforma foram apresentadas. Em primeiro lugar, afirmam que as alternativas existentes no mercado formal de trabalho para eles seriam empregos com salários menores do que o rendimento que conseguem levantar nas plataformas. Informam que ajustam suas jornadas de trabalho às suas necessidades, chegando até 12 ou 14 horas diárias. Com isso conseguem obter rendimentos superiores aos que receberiam no setor formal. A autonomia para definir seu horário de trabalho é ponto de destaque para os trabalhadores de plataforma. A liberdade para definirem não apenas o total de horas de trabalho, mas também se querem ou não trabalhar em um determinado dia, é um ponto muito positivo segundo os TTPs entrevistados. Um terceiro fator destacado pelos trabalhadores de plataforma em relação à percepção da autonomia é o elogio da suposta ausência de “patrão” ou um representante deste no cotidiano de trabalho”.
Diz também:
“Os resultados da pesquisa mostram a singularidade do trabalho em plataformas no caso dos TTPs e as dificuldades para enquadrar esse tipo de trabalho na legislação brasileira desenvolvida em outros tempos para um mercado de trabalho que passou por modificações profundas nos últimos dez anos”.
Minhas considerações:
A abordagem que parte da necessidade e da falta de opções do trabalhador para defender a ideia de que ele “prefere” o aplicativo no lugar de um trabalho regulamentado pela CLT é perigosa e pode induzir ao erro ao usar dados empíricos para legitimar a precarização. É preciso considerar o contexto em que vive o trabalhador que defende o trabalho desregulamentado.
Pragmáticos, eles fazem as contas do quanto podem ganhar mais sacrificando-se mais. Sabem que no mundo real os trabalhos CLT a que têm acesso são desvalorizados. Renunciam à perspectiva de longo prazo não só do ponto de vista da aposentadoria, mas também do crescimento profissional. É o aqui e agora.
Do ponto de vista do país isso é um problema. O ideal para o desenvolvimento é investir em uma produtividade mais qualificada. Mesmo que seja para o trabalhador começar no nível mais baixo da fábrica, do comércio ou do serviço, mas que exista uma estrutura dentro da qual o trabalhador possa se formar e crescer. O trabalho por app não permite isso.
Considero falsa a ideia de que existem “profundas transformações no mundo do trabalho”. Para o capitalismo a constante transformação é vital. O sistema vive de criar novidades para manter seu motor em funcionamento.
No caso dos trabalhos por app (entregadores e motoristas na grande maioria), as maiores transformações são para os empregadores que ganham com a exploração de um trabalho sem precisar lidar com a pessoa que o realiza. O trabalhador, por sua vez, continua vendendo sua força de trabalho para grandes empresas, por um dinheiro que vai pouco além da sobrevivência. A “liberdade” e “autonomia” que ele vê não passam de desregulamentação. Ele acha que não tem patrão, mas precisa trabalhar mais de 12 horas por dia e não tem a quem recorrer quando precisa. É uma situação pré CLT.
O Brasil perde quando a CLT é atacada. Perde do ponto de vista da população com potencial de crescer e desenvolver suas vocações. A CLT deve ser atualizada. Mas ela deve ser atualizada para incluir mais e garantir mais direitos. Deve ser ampliada, não destruída.
Cabe ao Estado promover não apenas a regulamentação dos trabalhadores por App, mas, principalmente, investimento em infraestrutura, em pesquisa e tecnologia, em cadeias de indústrias, serviços e comércio para abrir postos de trabalho mais qualificados e com direitos. Engajar o povo em um contexto de desenvolvimento como já aconteceu quando o país, em sua história, deu saltos de qualidade.
Carolina Maria Ruy é jornalista e coordenadora do Centro de Memória Sindical