As investigações da Polícia Federal apontam para uma preparação antecipada da operação com a participação direta do então ministro da Justiça de Bolsonaro
As investigações sobre a atuação criminosa de Silvinei Marques, preso ontem, e de Anderson Torres nas eleições presidenciais do ano passado, apontam para uma preparação antecipada e conjunta da operação que visava impedir a presença de eleitores pró-Lula no segundo turno das eleições.
Segundo investigadores, as provas e depoimentos reunidos pela Polícia Federal (PF) revelam que o ex-ministro da Justiça de Bolsonaro coordenou a operação e que Silvinei Marques a colocou em prática.
A Polícia Federal reuniu documentos, mensagens e depoimentos que reforçam a suspeita de que Anderson e Silvinei agiram juntos na manipulação da Polícia Rodoviária Federal (PRF) para favorecer o então presidente Jair Bolsonaro no segundo turno da eleição de 2022.
Baseado nesses documentos e novos depoimentos, os investigadores prenderam ontem Silvinei Vasques, ex-diretor-geral da corporação. A prisão se deu porque Marques estava atrapalhando as investigações.
Ao pedir a prisão de Vasques, a PF argumentou que a medida evitaria uma “combinação de versões” entre servidores da PRF, que poderiam atuar com “reverência” ao antigo chefe. A suspeita aumentou depois que dois depoimentos de ex-subordinados de Vasques apresentaram inconsistências frente ao material colhido pela investigação.
Os federais sustentam que ambos os depoentes “faltaram com a verdade” e pediu a prisão de Silvinei. Moraes, portanto, entendeu que a ação era necessária por haver a indicação de um “temor reverencial” em relação a Vasques.
A Polícia Federal informou que a investigação apura os crimes de prevaricação, violência política e restrição ao exercício do voto. A suspeita é que, durante a gestão passada, a PRF tenha feito propositalmente mais blitze em cidades onde Lula teve desempenho amplamente superior ao de Bolsonaro no primeiro turno, especialmente no Nordeste. A organização das operações teria sido feita por Vasques e Anderson Torres. Há também a suspeita que Jair Bolsonaro tenha participado.
Em 19 de outubro, 11 dias antes do segundo turno, Silvinei Vasques reuniu 47 agentes da PRF para dizer que havia chegado a hora de a PRF “tomar lado” na disputa eleitoral. Um servidor da área de inteligência da PRF disse a um colega que a determinação de Vasques foi clara: “Foram as reuniões de gestão. Disse muita m… Policiamento direcionado”. Seu subordinado então questionou: “DG (o diretor-geral)?”. Ele confirmou: “Positivo.” Segundo a PF, a conversa fazia referência ao encontro de dez dias antes.
Naquele mesmo dia 19 de outubro, Silvinei esteve no gabinete de Anderson Torres no Ministério da Justiça, onde se encontrou com a servidora Marília de Alencar e outros agentes da PF que, assim como ela, estavam cedidos à pasta. A servidora informou à PF que foi incumbida por Torres de fazer um levantamento do mapa eleitoral do Nordeste mostrando onde Lula teria sido mais bem votado no primeiro turno.
O documento foi descoberto no celular da delegada Marília de Alencar. Segundo a apuração, o material foi apresentado a Torres em uma reunião no dia 17 de outubro, 13 dias antes do segundo turno. “Havia uma reunião agendada com o ministro para 11h. Sendo assim, como esta imagem foi capturada às 11h23min, há fortes indícios de que esta fotografia tenha sido realizada para esta reunião”, explica a PF na representação.
No arquivo periciado, há uma foto de uma folha de papel com a impressão de um painel com o título “Concentração maior ou igual a 75% — Lula”. Na página, também aparece um mapa do Brasil e uma lista de cidades, como Crato (CE) e Paulo Afonso (BA). Nesses dois locais, por exemplo, Lula teve no primeiro turno 81% e 77% dos votos, respectivamente, enquanto Bolsonaro alcançou 13% e 18%.
Marília Alencar disse em depoimento à PF que a área técnica da pasta havia sido demandada por Torres para levantar a quantidade de agentes que poderiam ser usados no dia da votação. Ela disse também no depoimento que entregou o relatório de votação para o então ministro da Justiça, Anderson Torres. À CPI dos atos golpistas, na terça-feira (8), Torres admitiu que recebeu o relatório das mãos de Marília, mas inventou uma versão de que não teria feito nada com ele.
As provas e depoimentos reunidos pela PF e que embasaram a prisão de Vasques – que foi comandante da Polícia Rodoviária Federal (PRF) durante a gestão Bolsonaro –, também mostram que Torres esteve envolvido desde o início na ação da PRF em 30 de outubro, quando diversas blitze, concentradas na região Nordeste, prejudicaram o trânsito de eleitores.