LEONARDO WEXELL SEVERO
A Operação Lava Jato descobriu nesta semana novos tentáculos do mega sistema de corrupção que envolve diferentes governos – no Brasil e no exterior – contra a economia popular, e colocou atrás das grades graúdos assaltantes do erário, incluindo vários ex-presidentes latino-americanos.
A bola da vez é o vizinho Paraguai, com a emissão, quinta-feira, do “alerta vermelho para a captura internacional” do doleiro Dario Messer. “O maior doleiro do Brasil” é considerado “irmão de alma” por Horacio Cartes, o contrabandista que ocupou a presidência do país vizinho e encontra-se em fim de mandato.
Brasileiro de origem israelense e com cidadania paraguaia, Messer é acusado de encabeçar um sistema ilegal de lavagem de dinheiro, evasão de divisas e subornos chamado “Bank Drop”, composto por 3.000 empresas que desfrutam de todo tipo de vantagens fiscais em 52 países e que realizou transações que alcançam US$ 1,6 bilhão.
Conforme delação de seis cambistas presos – Renato Chebar, Marcelo Chebar, Vinícius Vieira Barreto Claret (Juca Bala), Claudio Fernando Barbosa (Tony ou Peter), Luiz Fernando de Souza e Carlos José Alves Rigaud – que testemunharam os crimes buscando a redução da pena -, havia uma relação muito próxima do criminoso com diferentes estruturas de poder. Para comprovar a denúncia, eles entregaram à Justiça brasileira uma montanha de documentos com nomes, lugares, bancos, registros, extratos bancários, sistemas contábeis e até prova das comunicações realizadas. De acordo com os delinquentes, o super doleiro ficava com 60% dos benefícios das “operações” de câmbio, pois era ele quem – através das benesses obtidas com chancela estatal – aportava os volumosos recursos e dava lastro às imensas operações.
É sabido que Messer e Cartes sempre foram como dois lados de uma mesma moeda, e que quando o então presidente falava a empresários para “usarem e abusarem do Paraguai como de uma mulher fácil”, estava apenas comunicando em alto e bom som quais eram suas repugnantes práticas.
Na década de 80, no final do período ditatorial de Alfredo Stroessner (1954-1989), Messer abriu uma conta no banco HSBC e, ato contínuo, Cartes abriu duas contas no mesmo banco. Tal acontecimento ficou marcado, pois ocorreu somente sete dias após Cartes ter criado seu próprio centro oficial de lavagem, a Cambios Amambay – o que ocorreu dois meses antes de ser detido por evasão de divisas.
Eram tempos em que se matava, sequestrava, torturava e exilava, mas que os empresários amigos do ditador faziam a festa com dólares preferenciais do Banco Central do Paraguai (BCP) para, supostamente, investir na produção agrícola, capital com que montavam empresas de fachada para roubar o dinheiro público. A sangria permanece, não é à toa que familiares de Cartes e Messer são sócios em pelo menos cinco empresas.
Esta intimidade explica porque ao mesmo tempo em que a Lava Jato fecha o cerco sobre o “pai dos doleiros”, no Paraguai o “irmão” de Cartes conta com toda sorte de incentivos governamentais. No mês passado, o mais importante jornal do país, o ABC Color, publicou a descoberta de 19 contas vinculadas a Messer na sede do HSBC da Suíça. Além destas, informou o procurador brasileiro Stanley Valeriano da Silva, “havia muitas contas nos Estados Unidos e em outros paraísos fiscais”.
A operação da última quinta-feira teve como base a confissão de “Juca Bala” e de “Tony”, acusados de trabalhar para o seleto grupo delitivo comandado por Sérgio Cabral. Considerados “os cambistas dos cambistas”, os dois foram presos no Uruguai no ano passado.
Residente em Cidade del Este, município que faz fronteira com Foz do Iguaçu, Messer é acusado de ter lavado US$ 100 milhões para o ex-governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, que está preso. Conforme o procurador brasileiro, a Odebrecht é uma das empresas envolvidas: “Messer operava para as duas partes, recebia da Odebrecht para pagar a Cabral e recebia de Cabral para enviar os recursos em dólares ao exterior e ocultá-los da Justiça brasileira”.
Numa entrevista em 2010, foi Cartes quem revelou a intimidade da relação com Messer, a quem tratava como “irmão de alma”. Recentemente, o doleiro chegou a integrar uma comitiva oficial do governo paraguaio a Israel.
Em 2016, durante pronunciamento em Buenos Aires, Cartes recordou a intimidade do relacionamento com Messer e sua família, citando a influência do pai do “irmão”, o falecido Mordko Messer, que o socorreu quando trabalhava com dólares na fronteira. “Em um momento muito especial da minha vida, tempo de grandes dificuldades, Deus pôs no meu caminho a uma família, a uma grande pessoa, que me acolheu em seu coração e sentimento, me fez sentir parte de sua família, me ajudou e me ensinou coisas fundamentais que me serviram e me servem na vida e que ganhou meu eterno carinho filial, minha gratidão e minha admiração. Sua recordação enche meu coração e minha mente neste ato. Me emociona e me honra mencionar o nome querido de dom Mordko Messer, segundo pai, que Deus o tenha em sua Santa Glória”, ressaltou.
A profundidade e a força destas raízes – que continuam sendo muito bem regadas com dinheiro público – explica o medo pânico do governo Cartes diante do avanço da Lava Jato, avaliam os movimentos sociais paraguaios. Isso fez com que a Promotoria e a Justiça do país jamais tenham solicitado participar, sequer por um momento, da mais do que indispensável investigação. E faz com que uma eventual “colaboração” das estruturas de poder do Paraguai seja altamente questionável, vide o caso Curuguaty em que o poder judiciário atuou e continua atuando abertamente em favor da cleptocracia, transformando as vítimas em culpados.