Num discurso comentado pelo Washington Post como sendo de opção “pela rampa de saída” ao invés da “escalada”, o presidente Donald Trump asseverou na quarta-feira(8) que “não houve baixas” no ataque de retaliação do Irã contra duas bases no Iraque, desfechado no mesmo horário do atentado com drones que assassinou o principal líder militar do Irã e o segundo nome do país, o general Qassem Suleimani, acrescentou que o Irã “parecia estar se refreando” e por agora anunciou mais sanções econômicas.
No discurso, Trump estava ladeado por seus principais cúmplices no assassinato de Suleimani, seu vice, Mike Pence, e o ex-diretor da CIA e agora secretário de Estado Mike Pompeo, vendo-se ao fundo generais do Pentágono. Ninguém parecia estar esbanjando tranquilidade.
Naquele estilo que já se tornou trivial, de açougueiro louco que conversa com as partes decepadas da vítima, Trump voltou a oferecer “progresso” e “paz” ao povo e aos líderes do Irã.
Trump também insistiu em que Suleimani já devia ter sido eliminado há muito tempo, pediu à Otan que o acompanhe em seu delírio, e chamou os europeus, Rússia e China a segui-lo no abandono do acordo nuclear com o Irã.
É ou não é insano, numa situação como essa, depois de tocaiar e executar com mísseis o segundo principal líder de um país, em visita oficial a outra nação, e de rasgar todas as leis internacionais e normas da convivência civilizada, encerrar sua peroração com a conclamação: “povo e líderes do Irã: queremos que vocês tenham um futuro e um grande futuro, que vocês merecem, um futuro de prosperidade em casa, em harmonia com as nações do mundo. Os Estados Unidos estão prontos para abraçar a paz com todos que a procuram”? “Deus abençoe a América. Muito obrigado. Obrigado. Obrigado”, concluiu Trump.
ALI KHAMENEI
O ataque às duas bases foi tão somente, assegurou a uma multidão em Qom o principal líder iraniano, o aiatolá Ali Khamenei, “um tapa na cara” dos agressores, os EUA. Em última instância, o ataque mostrou que o Irã tem os meios para atingir as muitas bases dos EUA na região. Analistas consideraram que os mísseis utilizados no ataques, embora bastante precisos, não foram ainda o modelo mais avançado de que o Irã dispõe.
A “vingança final”, esclareceu o presidente Hassan Rouhani, será expulsar os EUA e sua corrupção do Oriente Médio. “Eles cortaram a mão de Suleimani nessa atrocidade, a vingança disso é cortar os pés dos EUA” na região.
No final da tarde, como quase diariamente, alguns foguetes atingiram a zona verde de Bagdá, um deles a 100 metros da embaixada dos EUA, a maior do mundo em extensão.
ARTIGO 51, DIREITO DE DEFESA
O chanceler iraniano Mohamad Javad Zarif afirmou que o revide foi de acordo com o direito de legítima defesa da Carta da ONU, previsto no artigo 51, e foi “proporcional”.
“O Irã tomou e concluiu medidas proporcionais de autodefesa sob o artigo 51 da Carta da ONU alvejando as bases de onde foram lançados os covardes ataques contra nossos cidadãos e autoridades seniores”. O chefe da diplomacia iraniana acrescentou que “não buscamos escalada ou guerra, mas nos defenderemos contra qualquer agressão”.
O governo de Bagdá foi comunicado poucos minutos antes do ataque, como declarou o primeiro-ministro interino, Adel Abdul Mahdi.
O secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, pediu “contenção” e que se evite uma escalada. Governos europeus pediram “calma”. Alguns países anunciaram que estavam retirando provisoriamente seus conselheiros militares do Iraque. Rússia e China, que já anunciaram que trabalharão em conjunto para evitar o agravamento da crise no Oriente Médio depois de condenarem o assassinato de Suleimani, conclamaram à volta da diplomacia e redução das tensões.
HANGARES DESTRUÍDOS
Afirmações de Trump de que os danos às bases haviam sido “mínimos” foram desmentidos por fotos de satélite publicadas pela própria emissora estatal dos EUA, a NPR, que mostra hangares e galpões atingidos em cheio e destruídos. O portal iraniano PressTV disse que há “instalações e helicópteros destruídos”.
Emissoras de televisão iranianas falam em 80 baixas provocadas pelo ataque, o que é contestado por Trump, que disse que não houve baixas do lado norte-americano. Ninguém mostrou alguma imagem de feridos ou mortos.
Nas ruas de Teerã, manifestantes comemoraram o ataque às duas bases norte-americanas.
Não poderia faltar – em se tratando de discurso de Trump – a costumeira encenação, no caso, iniciar o discurso, antes de dar bom dia, dizendo que enquanto fosse presidente “não permitiria” que o Irã “tenha armas nucleares”.
Como se não tivesse sido ele que rasgou o acordo assinado por Obama e que vinha sendo estritamente cumprido por Teerã, como atestou desde 2015 a Agência Internacional de Energia Atômica e era reconhecido por todos os signatários, inclusive os EUA.
Mesmo tendo anunciado que não está mais sujeito aos limites do Acordo (aliás, mais rigorosos do que os do Tratado de Não Proliferação), Teerã manteve o monitoramento da AIEA nos seus sítios nucleares – o que o Post registrou – e declarou que os recuos nos limites serão imediatamente revertidos assim que os EUA voltem a cumprir o Tratado, encerrando as ilegais sanções econômicas asfixiantes.
Trump sempre esconde, mas o Irã é signatário do Tratado de Não Proliferação nuclear (TNP) e reafirmou em 2015 “que, sob nenhuma circunstância, jamais buscará, desenvolverá ou adquirirá armas nucleares”.
ANTONIO PIMENTA