Sem apresentar o corpo ou quaisquer filmes ou documentação, o procurador público da Arábia Saudita declarou que o jornalista Jamal Khashoggi, que desapareceu no interior do consulado desde a tarde do dia 2, morreu devido a “uma briga” com pessoas dento do prédio.
Além da fantástica história – que substitui a inicial negando qualquer dano ao jornalista e dizendo, desde o dia do desaparecimento do jornalista saudita, que ele saíra normalmente do prédio – o procurador informou ainda que “as investigações ainda estão sendo conduzidas e 18 cidadãos sauditas foram presos”.
Uma nota, publicada pela imprensa estatal, acrescenta que o assessor da corte real, Saud al-Qahtani, e o vice-diretor de Inteligência, Ahmed as Asiri, foram demitidos de seus cargos.
O presidente Trump disse que a história – apesar de visivelmente forjada e relatada mais de duas semanas depois da morte do jornalista – “é crível”.
Convenhamos que somente a desesperada vontade de conciliar com um dos regimes mais bárbaros do mundo, mas ao mesmo tempo rico em petróleo e em ativos dele oriundos, pode explicar a ponta ‘credulidade’ presidencial norte-americana, diante de todo o histórico de horrores que envolve o assassinato de Khashoggi, tais como as declarações de fontes policiais turcas, divulgadas por jornais do país onde o crime ocorreu, incluindo o farta e detalhadamente documentado trajeto, desde a chegada a Istambul até a partida – passando pela reunião macabra no interior do consulado – dos integrantes do esquadrão montado para a execução de Khashoggi.
Como já tratamos em matérias aqui no nosso jornal, Khashoggi havia se tornado um incômodo crítico do atual governante ditatorial da Arábia Saudita, regime com as mãos manchadas de sangue de milhares de mulheres e crianças iemenitas, país que os sauditas bombardeiam com caças e mísseis norte-americanos somente porque os iemenitas se decidiram constituir um governo independente dos ditames dos Estados Unidos para a região.
Para a Casa Branca, o anúncio da investigação sobre o assassinato do jornalista seria “um passo positivo” e que espera por “justiça que seja oportuna, transparente e de acordo com todo o processo”.
O que Washington não explica é qual a razão para se acreditar que um homem sozinho, de 60 anos, teria saído em briga até a morte no interior de um consulado e o porquê da anunciada investigação sobre 18 cidadãos sauditas, além da demissão de elementos de alta patente, assim como a decisão, correlata, do príncipe Salman de ordenar a formação de um comitê ministerial, com ele na chefia, para “reestruturar a agência de Inteligência geral”, tudo isso por causa de uma simples briga, ainda que ela tivesse levado à morte uma personalidade ilustre.
Muito alvoroço para um regime capaz de cometer as maiores atrocidades sem dar bola para ninguém. Um exemplo do comportamento normal dos sauditas foi o sequestro de Said Hariri, filho do ex-premiê do Líbano, Rafik Hariri, que por sua vez morreu em Beirute quando seu carro passou por cima de uma bomba. Said Hariri estava concluindo negociações entre o seu bloco, o 14 de Março, e o Bloco Patriótico para formar um governo libanês de unidade nacional, o que daria poder aos aliados de Bashar Al Assad criando condições para a formação de estruturas que fogem ao controle que EUA e Israel querem impor à região. Hariri só foi liberado pelos sauditas mediante pressão mundial encabeçada pelo governo francês. Ele saiu do cativeiro saudita com um comportamento totalmente diferente do jeito extrovertido que sempre o caracterizou.
O que mudou agora? Até aonde o rumoroso assassinato vai conduzir os destinos do poder no interior do principal aliado dos EUA?
Há que se acrescentar que entre a declaração mais recente e a primeira que ia em direção oposta, negando a morte do jornalista, já tinha havido outra dizendo que Khashoggi, de fato, morrera em interrogatório que teria “dado errado” no interior do consulado.
Como já relatamos nas matérias com as quais acompanhamos o desenrolar desta demonstração da desumanidade do regime, os relatos são de que Khashoggi foi torturado e morto por esquartejamento que teria começado com ele ainda vivo.
As declarações de Trump – com as mãos encharcadas de sangue, como aponta o protesto fotografado em Washington – de que a prioridade é que “o caso seja resolvido” de forma a que a venda de bilhões em armas, beneficiando o dominante complexo militar-industrial norte-americano, mostra não apenas a sua degeneração, mas que não há como a humanidade conviver com este regime assim como com suas excrecências satélites, a exemplo de Israel e Arábia Saudita.
N.B.