Escandaloso tráfico de influências, acertos extrajudiciais e manipulação da Justiça em favor de interesses políticos e econômicos de grupos privados sintonizados com Horacio Cartes, presidente do Paraguai. Estes são alguns dos crimes praticados contra o interesse da nação guarani, comprovados por recentes gravações que ecoam a servidão e a completa falta de caráter do ex-ministro do Interior golpista, advogado Carmelo Caballero.
Numa das muitas “causas” grotescas em que Caballero se viu envolvido, ele entrou em campo, com o apoio do senador colorado Óscar González Daher, secretário do Jurado do Enjuizamento de Magistrados (JEM, órgão máximo do judiciário), e seu assessor Raúl Fernández Lippmann, para postergar indefinidamente um conflito com o reverendo Moon. A ideia era sabotar qualquer definição da Justiça – embolsando rios de dinheiro com a chantageam -, preservando os interesses da seita, acusada pela produção e uso de documentos públicos falsos e associação criminosa, por meio dos quais Moon adquiriu uma propriedade de 480 mil hectares no Chaco paraguaio.
Um dos áudios revela a intimidade de Caballero com González Daher, o próprio presidente e o empresário José Ortiz, gerente da Tabesa (companhia de tabaco do Grupo Cartes) e mão direita do atual mandatário. Em seu diálogo, Lippmann y Carmelo Caballero revelam a aberta ingerência de Cartes e Daher para tentar incriminar – a qualquer custo – inocentes no caso dos protestos populares que levaram ao incêndio do Congresso em 31 de março (31-M).
Caballero, advogado de Ortiz, mão direita de Cartes, conta como ele e sua equipe, incluído o gerente, estão “trabalhando a milhão” em favor de Javier Díaz Verón para a Promotoria Geral do Estado. Na escuta, Caballero afirma que Ortiz disse: “queremos que todos (os oposicionistas acusados pelos protestos) do Congresso estejam presos” e Díaz Verón “está nos ajudando muitíssimo”. Na oportunidade, Lippmann também confessou a Caballero que José Ortiz pôs dinheiro para “comprar imputações” falsas contra os implicados no “31-M”.
“Todos eles deveriam estar processados. Quero escutar a defesa de uma conspiração de terrorismo de Estado. Que renuncia coisa nenhuma! Perda do mandato e denúncia penal contra todos os envolvidos. É isso o que corresponde”, defendeu a senadora Desiré Mazi.
“Finalmente temos a prova material do que todos os advogados sabíamos: do festival de roubo, prevaricação, de perseguição de gente inocente por dinheiro”, declarou Guillermo Ferreiro, advogado dos camponeses de Curuguaty. Ele recordou que, como ministro, Caballero foi o principal responsável para encobrir a investigação sobre o “enfrentamento” que deixou 17 mortos em 15 de junho de 2012, impossibilitando que fossem encontrados os responsáveis. O sangrento episódio desembocou no julgamento político express que levou à destituição do presidente Fernando Lugo uma semana depois. Conforme o advogado, o processo ficou completamente viciado pela contaminação da estrutura política, “sustentada por juízes e promotores, em comunhão com o poder judiciário e o silêncio do Colégio de Advogados e do JEM”.
Sobre o teor do que está gravado, Ferreiro lembra que tudo é suficientemente claro para que os camponeses – condenados a até 35 anos de prisão – já estivessem livres. “Quando ocorreu o massacre e Lugo era ainda o presidente, Humberto Rubin entrevistou o comissário Roque Freitas, que era o chefe da divisão aérea e naval, chefe dos helicópteros, e lhe preguntou se o massacre estava gravado. O comissário faz uma pausa e diz que há muito material que será entregue à Justiça”, ressaltou o advogado. E assim que Carmelo Caballero assume o Ministério do Interior, sublinhou, “não moveu um dedo” para facilitar a investigação dos fatos pelo Ministério Público.
“A Promotoria não havia pedido sequer esta gravação do helicóptero, a prova mãe. Nós, por escrito, dissemos ao promotor que peça isso, que é uma prova importante. O promotor informa que pediu e que tudo se perdeu. Então eu apresento uma solicitação ao Ministério Público, onde peço ao Ministério do Interior que faça uma perícia. Carmelo não fez nada para proteger essas provas. Pedi que se fizesse um resumo por escrito. Não moveu um dedo. Nem a Promotoria nem o Ministério do Interior quiseram nos entregar a evidência”, relembrou o advogado.
Guillermo Ferreiro enfatizou que durante o governo de Lugo se assegurou que havia uma gravação do massacre e que logo, ao assumir seu vice, o golpista Federico Franco, “lhes convinha uma certa história e, provavelmente, nessa gravação havia algo que punha em dúvida sua teoria”. “Então destruíram essas provas”, frisou.
Para o repórter investigativo e escritor Miguel H. López, professor da Universidade de Assunção e prêmio nacional de jornalismo, o caso das escutas telefônicas equivale a um “terremoto”. O fato, avalia, é que “abre todas as comportas de dúvidas sobre causas emblemáticas como o massacre de Curuguaty, juízo prostituído, negligente, ilegal e arbitrário, questionado até por organismos das Nações Unidas, e que tem a 11 compatriotas condenados à prisão, sem provas”. Com base nas gravações e no tráfico de influência, assinala Miguel López, “os coletivos que acompanham os camponeses defendem a tese de que foi Caballero quem ordenou e – talvez – apagou a gravação tomada pela câmara frontal do helicóptero que sobrevoou antes, durante e depois o epicentro dos tiroteios, a repressão e as mortes”.
LEONARDO SEVERO