
O professor Jeffrey Sachs, da Columbia University (NYC), presidente da Rede de Soluções Sustentáveis da ONU e um dos mais destacados acadêmicos norte-americanos de ascendência judaica, advertiu que é preciso deter o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu e sua guerra contra o Irã, antes que a conflagração pela qual tem operado há quase 30 anos “acabe matando a todos nós em um Apocalipse nuclear”
A fixação que, apontou Sachs, remonta “aos seus mentores extremistas, Ze’ev Jabotinsky, Yitzhak Shamir e Menachen Begin”, os “pais” do Partido Likud, que acreditavam que os sionistas deveriam usar “qualquer tipo de violência — guerras, assassinatos, terror — para alcançar os seus objetivos de eliminar qualquer reivindicação palestina a uma pátria”.
Para Sachs, “a guerra de Israel contra o Irã é o movimento final de uma estratégia com décadas de existência”, que ele classificou como o “auge da manipulação extremista sionista da política externa dos EUA”.
Ele se referiu à chamada estratégia “Clean Break” (Ruptura Limpa), elaborada em 1996 por Netanyahu e seus conselheiros estadunidenses, contra a retirada de Israel dos territórios palestinos ocupados na guerra de 1967 em troca de paz regional.
“Em vez disso, Israel deveria remodelar o Oriente Médio conforme os seus interesses”, estratégia que “crucialmente previa os EUA como a força principal para alcançar esses objetivos — travando guerras na região para desmantelar governos contrários à dominação israelense sobre a Palestina”. Ou seja, Iraque, Líbano, Líbia, Síria, Sudão, como visto após o 11 de Setembro.
“Netanyahu foi um entusiasta dessas guerras por opção — seja publicamente ou nos bastidores — junto com os seus aliados neoconservadores no governo dos EUA, incluindo Paul Wolfowitz, Douglas Feith, Victoria Nuland, Hillary Clinton, Joe Biden, Richard Perle, Elliott Abrams, entre outros.”
Ao longo de 30 anos, Netanyahu vem repetidamente atribuindo ao Irã uma “ameaça existencial” por estar supostamente a “anos”, depois, “meses ou semanas” da “bomba nuclear”.
Ele também atuou para sabotar qualquer tentativa de acordo com o Irã, até ser atendido no primeiro mandato de Trump, que rompeu com o acordo que trocava levantamento de sanções pelo mais rígido regime de controle já adotado pela AIEA, negociado pelo antecessor Obama, com respaldo do Conselho de Segurança da ONU, e cumprido pelo Irã como atestou a ONU.
Em setembro de 2023, Netanyahu apresentou na Assembleia Geral da ONU um mapa do “Novo Oriente Médio” que apagava completamente um Estado palestino. Em setembro de 2024, ele detalhou esse plano mostrando dois mapas: uma parte do Oriente Médio como “bênção” e outra — incluindo Líbano, Síria, Iraque e Irã — como “maldição”, ao defender mudanças de regime nesses países.
Sachs registrou que o ataque israelense da semana passada contra o Irã – contra bairros, instalações nucleares e líderes iranianos – foi desencadeado em meio a negociações entre Washington e Teerã sobre a questão nuclear.
“A sexta rodada estava supostamente marcada para domingo, 15 de junho. Em vez disso, Israel lançou uma guerra preventiva contra o Irã em 12 de junho. Trump confirmou que os EUA sabiam do ataque com antecedência, mesmo enquanto o governo falava publicamente sobre as negociações iminentes.”
O ataque de Israel – Sachs acrescentou – foi feito “não apenas em meio a negociações que avançavam, mas poucos dias antes de uma Conferência da ONU sobre a Palestina que teria impulsionado a causa da solução de dois Estados. Essa conferência agora foi adiada”.
Sachs reiterou que o ataque de Israel ao Irã agora “ameaça se transformar numa guerra total que pode envolver os EUA e a Europa ao lado de Israel — e a Rússia e talvez o Paquistão ao lado do Irã. O Relógio do Juízo Final está a 89 segundos da meia-noite, o mais próximo do Apocalipse nuclear desde a sua criação, em 1947”.
No lugar desse extremismo, Sachs destaca que mais de 180 países na ONU apoiam a Solução de Dois Estados e a estabilidade regional. “Isso faz mais sentido do que Israel arrastar o mundo à beira do Apocalipse nuclear em busca dos seus objetivos ilegais e extremistas.”
A seguir, na íntegra, o artigo de Jeffrey Sachs, reproduzido do portal norte-americano ScheerPost.
JEFFREY SACHS*
Durante quase 30 anos, o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, empurrou o Oriente Médio para a guerra e a destruição. Este homem é um barril de pólvora de violência. Em todas as guerras que defendeu, Netanyahu sempre sonhou com a guerra principal: derrotar e derrubar o governo iraniano. Sua tão desejada guerra, que acaba de ser lançada, pode acabar matando a todos nós em um Apocalipse nuclear — a menos que Netanyahu seja detido.
A fixação de Netanyahu pela guerra remonta aos seus mentores extremistas, Ze’ev Jabotinsky, Yitzhak Shamir e Menachem Begin. A geração mais antiga acreditava que os sionistas deveriam usar qualquer tipo de violência — guerras, assassinatos, terror — para alcançar os seus objetivos de eliminar qualquer reivindicação palestina a uma pátria.
Os fundadores do movimento político de Netanyahu, o Likud, defendiam o controle sionista exclusivo sobre toda a região que fora o Mandato Britânico da Palestina. No início do mandato britânico, no início da década de 1920, os árabes muçulmanos e cristãos constituíam cerca de 87% da população e possuíam dez vezes mais terras do que a população judaica. Em 1948, os árabes ainda superavam os judeus em cerca de dois para um. Mesmo assim, a carta de fundação do Likud (1977) declarou que “entre o Mar e o Jordão só haverá soberania israelense”. O agora infame slogan “do rio ao mar”, frequentemente caracterizado como antissemita, revela-se, na verdade, o grito de guerra anti-palestino do Likud.
O desafio para o Likud era de como perseguir os seus objetivos maximalistas apesar da sua flagrante ilegalidade à luz do direito e da moralidade internacionais, ambos os quais defendem uma solução de dois Estados.
Em 1996, Netanyahu e seus conselheiros estadunidenses elaboraram uma estratégia chamada “Clean Break” (Ruptura Limpa). Eles defendiam que Israel não se retirasse dos territórios palestinos ocupados na guerra de 1967 em troca de paz regional. Em vez disso, Israel deveria remodelar o Oriente Médio conforme os seus interesses. Crucialmente, a estratégia previa os EUA como a força principal para alcançar esses objetivos — travando guerras na região para desmantelar governos contrários à dominação israelense sobre a Palestina. Os EUA foram conclamados a travar guerras em nome de Israel.
A estratégia do “Clean Break” foi efetivamente implementada pelos EUA e por Israel após o 11 de Setembro. Como revelou o Comandante Supremo da OTAN na época, General Wesley Clark, pouco depois dos ataques, os EUA planejavam “atacar e destruir os governos de sete países em cinco anos — começando pelo Iraque, depois Síria, Líbano, Líbia, Somália, Sudão e Irã”.
A primeira dessas guerras, em 2003, visava derrubar o governo iraquiano. Planos para novas guerras foram adiados à medida que os EUA se atolavam no Iraque. Ainda assim, os EUA apoiaram a divisão do Sudão em 2005, a invasão israelense do Líbano em 2006 e a incursão da Etiópia na Somália no mesmo ano. Em 2011, o governo Obama lançou a operação secreta da CIA Timber Sycamore contra a Síria e, junto com o Reino Unido e a França, derrubou o governo da Líbia por meio de uma campanha de bombardeios. Hoje, esses países estão em ruínas, muitos mergulhados em guerras civis.
Netanyahu foi um entusiasta dessas guerras por opção — seja publicamente ou nos bastidores — junto com os seus aliados neoconservadores no governo dos EUA, incluindo Paul Wolfowitz, Douglas Feith, Victoria Nuland, Hillary Clinton, Joe Biden, Richard Perle, Elliott Abrams, entre outros.
Em depoimento ao Congresso dos EUA em 2002, Netanyahu defendeu a desastrosa guerra no Iraque, declarando: “Se vocês derrubarem Saddam, o regime de Saddam, eu garanto que isso terá repercussões enormemente positivas na região.” E continuou: “E penso que pessoas bem ao lado, no Irã, jovens e muitos outros, dirão que a época de tais regimes, de tais déspotas, acabou.” Ele também disse falsamente ao Congresso: “Não há qualquer dúvida de que Saddam está buscando, está trabalhando, está avançando para o desenvolvimento de armas nucleares.” O slogan para reconstruir um “Novo Oriente Médio” foi usado para justificar essas guerras. Inicialmente proclamado em 1996 através do “Clean Break”, foi popularizado pela então-Secretária de Estado Condoleezza Rice em 2006. Enquanto Israel bombardeava brutalmente o Líbano, Rice afirmou:“O que estamos vendo aqui, em certo sentido, são as dores de parto de um novo Oriente Médio, e qualquer coisa que fizermos, temos de garantir que estamos avançando para esse novo Oriente Médio, não voltando ao antigo.”
Em setembro de 2023, Netanyahu apresentou na Assembleia Geral da ONU um mapa do “Novo Oriente Médio” que apagava completamente um Estado palestino. Em setembro de 2024, ele detalhou esse plano mostrando dois mapas: uma parte do Oriente Médio como “bênção” e outra — incluindo Líbano, Síria, Iraque e Irã — como “maldição”, ao defender mudanças de regime nesses países.
A guerra de Israel contra o Irã é o movimento final de uma estratégia com décadas de existência. Estamos testemunhando o auge da manipulação extremista sionista da política externa dos EUA.
O pretexto para o ataque israelense ao Irã é a alegação de que o país está prestes a adquirir armas nucleares. Tal alegação é infundada, uma vez que o Irã tem repetidamente proposto negociações justamente para eliminar a opção nuclear em troca do fim das sanções impostas pelos EUA há décadas.
Desde 1992, Netanyahu e seus apoiadores têm afirmado que o Irã se tornaria uma potência nuclear “em poucos anos”. Em 1995, autoridades israelenses e seus aliados nos EUA apontavam um prazo de cinco anos. Em 2003, o Diretor de Inteligência Militar de Israel disse que o Irã teria a bomba nuclear “até o verão de 2004”. Em 2005, o chefe do Mossad disse que o Irã poderia construir a bomba em menos de três anos. Em 2012, Netanyahu afirmou na ONU que “faltavam apenas alguns meses, possivelmente semanas, para que eles tivessem urânio enriquecido suficiente para a primeira bomba”. E assim por diante.
Esse padrão de prazos sucessivos por mais de 30 anos faz parte de uma estratégia deliberada, não de falhas de previsão. As alegações são pura propaganda; há sempre uma “ameaça existencial”.Mais importante ainda, há a falsa alegação de Netanyahu de que negociações com o Irã são inúteis.
O Irã tem repetido que não deseja uma arma nuclear e que está há muito tempo disposto a negociar. Em outubro de 2003, o Líder Supremo, Aiatolá Ali Khamenei, emitiu uma fatwa proibindo a produção e uso de armas nucleares — decisão que foi oficialmente citada pelo Irã numa reunião da AIEA em Viena, em agosto de 2005, e desde então é referida como uma barreira religiosa e legal à obtenção de armas nucleares.
Mesmo para os céticos das intenções iranianas, o país tem consistentemente defendido um acordo negociado com verificação internacional independente. Em contraste, o lobby sionista tem se oposto a tais acordos, pressionando os EUA a manterem sanções e a rejeitar qualquer tratado que permitisse um monitoramento rigoroso da AIEA em troca do cancelamento das sanções.
Em 2016, o governo Obama, juntamente com o Reino Unido, França, Alemanha, China e Rússia, assinou o Plano de Ação Conjunto Global (JCPOA) com o Irã — um acordo histórico para monitorar estritamente o programa nuclear iraniano em troca de alívio das sanções. Contudo, sob forte pressão de Netanyahu e do lobby sionista, o presidente Trump retirou-se do acordo em 2018. Previsivelmente, quando o Irã respondeu expandindo seu enriquecimento de urânio, foi culpado por violar um acordo que os próprios EUA haviam abandonado. O duplo padrão e a propaganda são evidentes. Em 11 de abril de 2021, o Mossad de Israel atacou instalações nucleares iranianas em Natanz. Após o ataque, em 16 de abril, o Irã anunciou que aumentaria ainda mais o enriquecimento de urânio, como barganha, ao mesmo tempo em que pedia repetidamente a retomada das negociações para um acordo como o JCPOA. O governo Biden rejeitou todas essas propostas.
No início de seu segundo mandato, Trump concordou em abrir uma nova negociação com o Irã. O Irã prometeu renunciar às armas nucleares e aceitar inspeções da AIEA, mas manteve o direito de enriquecer urânio para fins civis. O governo Trump inicialmente aceitou isso, mas depois recuou. Desde então, houve cinco rodadas de negociações, com ambas as partes relatando progressos a cada ocasião.
A sexta rodada estava supostamente marcada para domingo, 15 de junho. Em vez disso, Israel lançou uma guerra preventiva contra o Irã em 12 de junho. Trump confirmou que os EUA sabiam do ataque com antecedência, mesmo enquanto o governo falava publicamente sobre as negociações iminentes. O ataque de Israel foi feito não apenas em meio a negociações que avançavam, mas poucos dias antes de uma Conferência da ONU sobre a Palestina que teria impulsionado a causa da solução de dois Estados. Essa conferência agora foi adiada. O ataque de Israel ao Irã agora ameaça se transformar numa guerra total que pode envolver os EUA e a Europa ao lado de Israel — e a Rússia e talvez o Paquistão ao lado do Irã.
Podemos em breve ver várias potências nucleares em confronto direto, arrastando o mundo para mais perto do aniquilamento nuclear. O Relógio do Juízo Final está a 89 segundos da meia-noite, o mais próximo do Apocalipse nuclear desde a sua criação, em 1947.
Nos últimos 30 anos, Netanyahu e seus aliados nos EUA destruíram ou desestabilizaram uma faixa de 4.000 km de países que se estende do Norte da África ao Chifre da África, passando pelo Mediterrâneo Oriental até a Ásia Ocidental. Seu objetivo tem sido de bloquear a criação de um Estado Palestino por meio da derrubada de governos que apoiam a causa palestina. O mundo merece mais do que esse extremismo. Mais de 180 países na ONU apoiam a solução de dois Estados e a estabilidade regional. Isso faz mais sentido do que Israel arrastar o mundo à beira do Apocalipse nuclear em busca dos seus objetivos ilegais e extremistas.