O ministro da Justiça do governo Bolsonaro, Sergio Moro, publicou a portaria nº 666/2019, que permite a deportação sumária ou impedimento de ingresso de estrangeiros no Brasil.
A portaria de Moro estabelece como alvo “pessoa perigosa ou que tenha praticado ato contrário aos princípios e objetivos dispostos na Constituição Federal”, estabelece novos parâmetros e regulamentação para a Lei da Migração, sancionada no governo Temer, em 2017. Parlamentares da Oposição ao governo no Congresso apontam a ilegalidade do texto.
“A pessoa sobre quem recai a medida de deportação de que trata esta portaria será pessoalmente notificada para que apresente defesa ou deixe o país voluntariamente, no prazo de até 48 horas, contado da notificação”, detalha o documento. A Polícia Federal será responsável por apurar esses casos.
Editado com cinco artigos, o texto cita como exemplos terrorismo, associação criminosa armada, tráfico de drogas, pornografia ou exploração sexual infanto-juvenil e torcida com histórico de violência em estádios.
Porém, quem define que alguém é culpado por essas atividades?
Pois é evidente que crimes cometidos no território nacional estão sujeitos às leis brasileiras, seja seu autor estrangeiro ou brasileiro. Portanto, é preciso prender, denunciar, julgar os acusados – e provar (ou não) a culpa deles.
Não é a isso, então, que se refere a “deportação sumária” – isto é, sem necessidade de sentença judicial.
O próprio texto da portaria esclarece que “pessoa perigosa” não é aquela que praticou uma transgressão às leis do Brasil, ao definir que esta se refere a “pessoa perigosa ou que tenha praticado ato contrário aos princípios e objetivos dispostos na Constituição Federal”.
Logo, a definição de “pessoa perigosa” não se refere a alguém que cometeu um crime – mas, exatamente, a quem não cometeu crime algum.
Trata-se, portanto, de mera suspeição.
Quem define, então, o “perigo”? Quem define os que seriam “suspeitos”?
O governo Bolsonaro?
Ou, talvez, o governo Trump?
Moro, sem que exista lei alguma que sustente essas medidas, estabeleceu uma nova modalidade de desrespeito à Constituição: inventar um crime por mera portaria, sem que qualquer crime tenha sido cometido.
Pois, na República Velha, as deportações de operários não nascidos no Brasil foram perpetradas com base na Lei de Expulsão de Estrangeiros – mais conhecida como Lei Adolfo Gordo, nome de seu autor -, aprovada pelo Congresso em 1907.
Era um Congresso reacionário, que aprovou um conteúdo já rejeitado duas vezes (em 1894 e em 1902), e a lei era cretina.
Mas havia lei – e aprovada pelo Congresso.
Porém, Moro emitiu uma portaria sem que exista nenhuma lei que preveja suas “deportações sumárias” de pessoas “perigosas”, isto é, de pessoas, nascidas em outros países, que não agradam ao governo Bolsonaro.
SUSPENSÃO
A oposição ao governo Bolsonaro no Congresso apresentará um Projeto de Decreto Legislativo (PDL) para sustar a portaria editada pelo ministro da Justiça.
Na sexta, o deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP), autor do projeto, procurou o presidente da Câmara, Rodrigo Maia com a intenção de deliberar um acordo para que o projeto seja pautado assim que os deputados voltarem aos trabalho, na semana que vem.
Orlando diz ter ouvido de Maia que, se construir maioria entre os líderes, terá o projeto pautado para votação no plenário da Câmara. Para aprovação, o PDL precisa apenas de maioria simples.
“Tenho orgulho de ter relatado a lei de migração, que revogou o estatuto do estrangeiro elaborado na ditadura militar. É lamentável que Moro reedite medidas de intimidação, como a ilegal Portaria 666. Já elaboramos Projeto de Decreto Legislativo para revogar a medida arbitrária”, disse Orlando Silva.
No Twitter, o deputado federal Alessandro Molon (PSB-RJ) disse “Estranhíssima portaria (n. 666!) do Ministro Sergio Moro, prevendo a deportação de estrangeiros “perigosos”. Perigosos para quem? Para a reputação dele? Não aceitaremos o cerceamento de garantias individuais. Não vamos tolerar supressão da liberdade de imprensa. Não rasgarão a Constituição!”, disse.
“A liberdade de imprensa está garantida pela Constituição. A fala do presidente e a portaria 666 a ameaçam. A violação de dispositivos deve ser apurada, mas o trabalho jornalístico legítimo é de interesse de todos. É preciso interromper essa escalada autoritária”, afirmou Molon.
INCONSTITUCIONALIDADE
A portaria do ministro fere a Lei de Migração de 2017, e, ainda, não é da competência do Ministério da Justiça legislar sobre esse tipo de matéria (aliás, sobre nenhuma), sobretudo quando entra em conflito com a lei federal.
A Lei de Migração prevê três modalidades de retirada compulsória do estrangeiro no país, a repatriação, a deportação e a expulsão. A portaria de Moro não trata da expulsão, mas da repatriação e da deportação.
A repatriação é a devolução da pessoa em situação de impedimento de ingresso. É o caso, por exemplo, do estrangeiro que chega a um aeroporto brasileiro e é barrado pelas autoridades migratórias, sendo obrigado a retornar ao país de origem.
A deportação é a retirada de pessoa que já se encontre dentro do país, mas que esteja em situação migratória irregular, como, por exemplo, com visto vencido. A deportação exige procedimento administrativo prévio, com as garantias do contraditório e ampla defesa, e direito a recurso com efeito suspensivo.
A expulsão é a retirada compulsória, conjugada ao impedimento de reingresso por prazo determinado, do estrangeiro que cometeu determinados crimes considerados especialmente graves, com sentença condenatória transitada em julgado.
Com relação à deportação, a Lei de Migração prevê que deve ser precedida de notificação pessoal ao deportando, da qual conste, expressamente, as irregularidades verificadas e prazo para a regularização não inferior a 60 dias, podendo ser prorrogado por igual período.
Para o Grupo de Trabalho Migrações, Apatridia e Refúgio, vinculado à Defensoria Pública da União (DPU), por exemplo, o ato do governo “viola” o devido processo legal o direito à ampla defesa.
“O GT demonstra preocupação com o texto da portaria, que viola o devido processo legal e o exercício da ampla defesa, além de adotar uma compreensão do fenômeno migratório baseada no paradigma da ameaça à segurança nacional”, diz trecho de uma nota divulgada pela DPU.
“Da forma como está proposta, a portaria ministerial cria situações de potencial violação de direitos humanos de imigrantes, e é contrária aos princípios e garantias consagrados na Constituição Federal, na Lei de Migração […] e Lei do Refúgio”, acrescenta o texto.