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Ao contrário do que diz Bolsonaro, o STF já quebrou sigilo de parlamentares e até de presidente
Jair Bolsonaro voltou a ameaçar o supremo Tribunal Federal (STF) na noite de terça-feria (16), através de mensagens, e na manhã desta quarta-feira (17), em conversa com apoiadores na porta do Palácio do Alvorada. Ele afirmou que o Supremo estaria cometendo abusos nas investigações dos grupos envolvidos nas ameaças aos ministros da Corte e na organização e financiamento de atos antidemocráticos. A pedido da Procuradoria Geral da República, o STF quebrou o sigilo bancário de 10 deputados e um senador.
“Tem gente que nasceu 40 anos depois do que eu vivi e quer dizer como eu devo governar o Brasil. Estou fazendo exatamente o que tem que ser feito. Eu não vou ser o primeiro a chutar o pau da barraca. Eles estão abusando, isso está a olhos vistos. O ocorrido no dia de ontem, quebrar sigilo de parlamentar, não tem história vista numa democracia por mais frágil que seja. Está chegando a hora de colocar tudo em seu devido lugar”, disse Bolsonaro.
As ameaças foram repudiadas por lideranças políticas e por entidades da sociedade civil. “É lamentável e perigoso a rotina com que o presidente da República demonstra o seu desapreço pelas instituições do Estado brasileiro. Na defesa de interesses de terceiros, continua fazendo ameaças veladas às instituições democráticas, Nós gostaríamos que o presidente da República utilizasse a sua capacidade de se digladiar para se dedicar a cuidar do enfrentamento da Covid-19, que já matou dezenas de milhares de brasileiros”, afirmou o deputado Bruno Araújo, presidente nacional do PSDB.
O líder do PDT no Senado, Weverton Rocha, disse que o presidente tem que parar de fazer ameaças a outros poderes. “Nós repudiamos, não aceitaremos qualquer tipo de ameaça dessas e o Congresso Nacional estará aqui pronto para ajudar a fazer cumprir a Constituição Federa”, garantiu o senador. O líder do Cidadania na Câmara, deputado Arnaldo Jardim, disse que o presidente tem que trabalhar e não criar crises. Colocar as coisas no lugar é respeitar os mortos que já ocorreram, é respeitar a gravidade da crise, que isso ocorra, e o presidente precisa dar o exemplo”, afirmou Jardim.
O deputado Fábio Trad, do PSD, disse que o Supremo está trabalhando para defender a democracia. “Em mais uma declaração despropositada, o presidente da República diz que está chegando a hora de tudo ser colocado no devido lugar. Afinal, o que pretende ele com esta declaração? Está prenunciando alguma medida que visa romper com o estado de direito? Está ameaçando o Poder Judiciário? Por não concordar com suas decisões? Está anunciando uma ruptura com a ordem jurídica estabelecida?”, indagou o deputado. “Lamentavelmente o que estamos assistindo é um presidente que se solidariza com suspeitos de praticarem crimes lançando ameaças sobre a Instituição que está trabalhando para combatê-los em defesa da democracia”, acrescentou Fábio Trad.
O vice-líder do PL na Câmara, deputado Marcelo Ramos reforçou que um poder não pode tentar se impor aos outros. “Ao contrário do que insinua o presidente, as coisas no Brasil estão exatamente no lugar em que deveriam estar. O Legislativo está legislando, o Judiciário está julgando e o Executivo está executando. O que tira as coisas do lugar, o que desarruma é um poder inconformado com a decisão de outro buscar caminhos fora da democracia e da Constituição”, afirmou Ramos.
O presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República, Fábio George Cruz da Nóbrega, disse que democracia exige obediência às decisões da Justiça. A democracia não é só o voto naquele candidato que exerce as funções de Presidente da República. Democracia pressupõe também o respeito ao livre funcionamento dos demais poderes, o Legislativo e o Judiciário. Quem discorda das decisões do Poder Judiciário em respeito à democracia, pode sim criticar essas decisões e pode sim recorrer, mas nunca descumpri-las ou desrespeitá-las”, disse o representante dos procuradores.
O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, pediu respeito às decisões do Supremo e o fim das ameaças do presidente. “Ele, assim como todos os brasileiros, devem obediência às decisões do Poder Judiciário. Também é muito importante, e já passou da hora, de cessarem as declarações dúbias, que geram um clima de instabilidade institucional, manifestações antidemocráticas que são inadmissíveis em um estado democrático de direito”, destacou Santa Cruz.
Além de significarem desrespeito à democracia, as declarações de Bolsonaro estão também completamente equivocadas. Ele disse que o que ele considera como “abusos”, que são as quebras de sigilo bancário de deputados, “não tem história nenhuma vista em uma democracia, por mais frágil que ela seja.” Ao contrário do que diz Bolsonaro, o STF já quebrou sigilo de parlamentares e até de presidente.
Em um dos casos mais emblemáticos, o ministro Luís Roberto Barroso autorizou a quebra do sigilo bancário do então presidente Michel Temer em fevereiro de 2018. A decisão foi tomada no âmbito do inquérito que investigava irregularidades na edição do decreto dos portos. A medida havia sido pedida pelo delegado da Polícia Federal Cleyber Malta, e não pela então procuradora-geral da República, Raquel Dodge. Na época, Temer limitou-se a divulgar uma nota informando que solicitaria ao Banco Central os extratos de suas contas bancárias e que não tinha “nenhuma preocupação com as informações”.
Em 2016, foi a vez do ministro Teori Zavascki determinar a quebra do sigilo bancário do então presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, no âmbito da Operação Lava Jato. Teori também adotou a mesma medida contra Collor na apuração sobre desvios de bilhões de reais da Petrobrás.
Já o então senador Aécio Neves e sua irmã, Andrea Neves, tiveram o sigilo fiscal e bancário quebrados por determinação do ministro Marco Aurélio Mello em dezembro de 2017. Na época, o ministro considerou indispensável o acesso às informações, para rastrear a origem e o destino de recursos ilícitos nas investigações em torno da delação da JBS. “Tudo deve objetivar a elucidação dos fatos, definindo-se, se for o caso, responsabilidades”, escreveu Marco Aurélio na decisão.