Senadores, deputados e especialistas criticaram a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 3/22, que entrega terrenos da União na costa à iniciativa privada, apontando que ela afrouxa regras ambientais, permite a “privatização” do acesso às praias e não resolve o problema fundiário das regiões ocupadas.
Na segunda-feira (27), foi realizada uma audiência pública no Senado para debater o tema.
A PEC 3/2022, que tem a relatoria de Flávio Bolsonaro (PL-RJ), entrega os “terrenos de marinha”, que pertencem à União, aos Estados, municípios e ocupantes privados, inclusive os que se beneficiam de concessões.
Terreno de marinha é a faixa mais próxima das praias. Caso seja privatizado, o acesso do público às praias pode ser prejudicado.
No site do Senado Federal, a votação popular tem 98% dos votos contrários ao texto.
PARLAMENTARES CRITICAM
Para a senadora Leila Barros (PDT-DF), essa proposta “flexibiliza as normas ambientais” ao tirar da gestão federal esses territórios.
Ela falou que o que lhe “causa mais perplexidade” é esse tema ter avançado no Senado no mesmo momento em que centenas de cidades no Rio Grande do Sul estão debaixo d’água.
“A perda desses terrenos para propriedades privadas tende a aumentar suas ameaças por eventuais afrouxamentos de regras federais, limitando a capacidade de resposta a eventos extremos”, apontou.
Leila ainda afirmou que esses terrenos continuarem públicos “é fundamental para garantir o acesso equitativo à costa e a preservação das praias como bem comum”.
A senadora reconhece o problema fundiário existente para as famílias e prefeituras, mas apontou que “precisamos pensar em um outro tipo de solução para esses problemas”.
O deputado Túlio Gadelha (Rede-PE), que esteve na audiência, se posicionou de forma contrária à PEC e apontou que o problema fundiário deve ser resolvido com “investimento, georreferenciamento dessas terras”.
O senador Fabiano Contarato (PT-ES) denunciou, em suas redes sociais, que “o que esta PEC está fazendo é transferir a titularidade do terreno de marinha, que é da União, para Estados e Municípios, e isso é um perigo à pauta ambiental, porque vai favorecer especulação imobiliária, construção de resorts e ataques ao meio ambiente”.
ESPECIALISTAS
Convidado para falar no evento, Bruno de Oliveira, que é diretor do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), afirmou que a PEC “fere os princípios de justiça social” e que os terrenos de marinha têm importância na soberania e defesa nacional.
De acordo com ele, “a partir do momento que eu passo a propriedade para a iniciativa privada, se precisar fazer algum empreendimento para o desenvolvimento nacional eu vou ter que desapropriar o terreno e os custos ficam mais elevados”.
Nas redes sociais, o debate sobre a PEC tem ocorrido acerca da possibilidade da “privatização das praias”.
Segundo Bruno, o texto permite, sim, que haja restrição no acesso a elas uma vez que os terrenos mais próximos passem para a iniciativa privada.
Se “o acesso hoje, em que há restrição, já acontece” esse tipo de ação, “se a gente privatizar, conceder aos particulares essa propriedade, não vai haver uma apropriação dos mares e praia por direito, mas vai ter de fato”.
Marinez Garcia Scherer, coordenadora-geral do Departamento de Oceano e Gestão Costeira do Ministério do Meio Ambiente, falou dos riscos de passar para os Estados e municípios áreas de grande importância ambiental, como as restingas, manguezais e falésias.
“Não é à toa que essas áreas são consideradas áreas de conservação permanente. São assim porque são importantes para a segurança humana e para o bem-estar humano”, disse.
“Tirar do Estado a possibilidade de planejamento futuro, de ordenar o bem público e delimitar a ocupação em áreas vulneráveis é um gol contra, um tiro no pé, um retrocesso. Porque é ir contra o que o resto do mundo está fazendo para proteger essas áreas”, continuou a especialista.
Scherer contou que o governo federal tem definido ações “que não são de retirar proteção da área costeira, e sim de aumentar a proteção dessa área”.
A secretária de Gestão do Patrimônio da União do Ministério da Gestão, Carolina Gabas Stuchi, destacou que “o domínio da União é que garante essa proteção estratégica de um conjunto de áreas que são essenciais para defesa e desenvolvimento econômico do Brasil”.
O projeto, na visão de Carolina Stuchi, “sobrepõe o interesse privado ao interesse público” e permite a privatização dos terrenos de marinha sem levar em consideração “a especificidade de cada um desse conjunto de áreas”.
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