
Ao menos sete parlamentares mulheres de diferentes partidos denunciaram o recebimento de e-mails com ameaças de morte e de “estupros corretivos” devido às suas orientações sexuais. Os casos foram denunciados à Polícia Civil que investiga as ameaças.
As mensagens de teor violento e similares foram enviadas para a deputada federal Daiana Santos (PCdoB-RS), para as estaduais Rosa Amorim (PT-PE) e Bella Gonçalves (PSOL-MG), para as vereadoras do PSOL Iza Lourença (MG), Mônica Benício (RJ) e Cida Falabella (MG) e para a vereadora de Taubaté Talita Cadeirante (PSB).
Daiana Santos registrou um boletim de ocorrência, nesta terça-feira (22), na Delegacia Especial de Repressão aos Crimes por Descriminação Racial, Religiosa ou por Orientação Sexual ou Contra a Pessoa Idosa ou Com Deficiência (Decrin), em Brasília (DF).
Para Daiane, a motivação do crime relaciona-se à sua orientação sexual – ela é a primeira deputada assumidamente lésbica eleita no Rio Grande do Sul.
Em um dos trechos da mensagem, o autor fala que pode ir até a casa da deputada para realizar o que chama de “terapia”. Em outro trecho, ele diz que o estupro corretivo é uma “terapia” que “cura o homossexualismo feminino” porque “ser sapatão é uma aberração”.
O primeiro e-mail foi enviado para Bella Gonçalves no dia 8. Nele, o autor teria um pedido para que ela renunciasse ao seu mandato e teria escrito: “Seremos breves: você é lésbica e por isso sua presença não será mais tolerada”.
Na ocasião, o parlamentar optou por não divulgar as ameaças. A realidade mudou, no entanto, quando, Iza Lourença e Cida Gonçalves, também receberam a ameaça que citava o “estupro corretivo” como uma “terapia cognitiva para curar a lesbianidade”. O autor afirmava que iria até a residência das psolistas para testar a “prática”.
Foi nesta mesma noite, que a deputada federal Daiana Santos também recebeu a mensagem.
Talita Barbosa (PSB), conhecida como Talita Cadeirante, de 23 anos, vereadora de Taubaté, no interior de São Paulo, denunciou ameaças de estupro e homicídio em dois e-mails recebidos em menos de 24 horas. O conteúdo das mensagens era igual e continha o título: “Estupro vai fazer você andar”.
Talita afirmou se tratar de “um crime que não apenas viola a integridade pessoal da vereadora, mas também busca silenciar sua voz em sua luta contínua por uma sociedade mais inclusiva, igualitária e justa para todas as pessoas”.
No dia 15, a deputada estadual pernambucana Rosa Amorim recebeu e-mail semelhante. Na mensagem, o autor afirmava que sabia seu endereço.
Já para Monica Benício, viúva de Marielle Franco, e vereadora do Rio de Janeiro, o autor se disse “doutor em Psicologia pela Universidade de Harvard” e afirmou o mesmo que para Daiane: “Isso não é violência, é o que chamamos Estupro Corretivo Terapêutico, uma terapia de eficácia comprovada que cura o homossexualismo (sic) feminino porque ser sapatão é ser uma aberração”.
Após a denúncia pública, entre a última sexta-feira e esta segunda-feira, Iza Lourença recebeu novas ameaças. Desta vez com dados pessoais. “Teve um e-mail específico sobre minha filha, descrevendo crime de estupro e assassinato. É um grupo que pesquisou sobre nossas vidas, conhece nossos dados pessoais. Essa ameaça personalizada mexe muito mais”, disse Iza Lourença.
Já para Bella Gonçalves, as ameaças têm como intenção paralisar a atividade parlamentar:
“Eles questionaram justamente o lugar das mulheres na política. Fui a primeira vereadora lésbica e sou a primeira deputada lésbica. Isso tudo atrapalha nosso trabalho, obstrui. Estava coletando assinaturas para uma CPI do Transporte e agora preciso repudiar a violência”, relatou a deputada.
Monica Benicio e Daiane registraram queixa-crime por ameaça de um “estupro corretivo” recebida pela internet. O caso foi apresentado na Decradi (Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância).
Segundo Mônica, em 14 de agosto, ela teria recebido uma mensagem enviada por e-mail que utiliza como parte dos trabalhos. O autor se identifica como Astolfo Bozzônio Rodrigues. Na queixa-crime, a vereadora explica não saber se essa é uma identidade real, e ressalta que há uma conta vinculada a esse nome na rede social X (antigo Twitter) com publicações homofóbicas.
“Estupro corretivo é, infelizmente, uma realidade para nós, mulheres lésbicas, em uma sociedade que acha que o corpo da mulher deve ser exclusivamente posse de um homem. Quando isso foge à norma, é tido como uma aberração, o estupro corretivo seria a prática de um estupro em uma mulher lésbica para persuadi-la a deixar de ser lésbica, como se isso fosse algo possível de ser feito, cometendo mais uma violência”, lamentou.
“O e-mail descrevia, inclusive, como seria o crime, algo muito violento não só para uma mulher lésbica, mas para as mulheres como um todo”, disse Monica.
“Acho que é importante que a gente demande sempre que ser lésbica não é uma doença, e o estupro corretivo é crime”, acrescentou a vereadora.
Para Daiane, esse tipo de ameaça precisa ser investigada e seus autores, que se utilizam do anonimato do ambiente digital, responsabilizados. “É uma tentativa nítida de intimidação e de fazer nós, mulheres lésbicas legitimamente eleitas, recuarmos na nossa luta por direitos. Essa ação criminosa só mostra a importância da nossa atuação e da necessidade e comprometimento do Estado brasileiro com a garantia da proteção da vida da população LGBTI+. Não iremos nos calar”, afirma.