Por 391 votos a 242, o parlamento britânico rejeitou pela segunda vez na noite de terça-feira (12) o acordo Brexit negociado pela primeira-ministra Thereza May com a União Europeia, mesmo após ela haver asseverado ter obtido de Bruxelas garantias “juridicamente vinculativas” sobre controversa salvaguarda na fronteira com a Irlanda (“backstop’). Faltam apenas 17 dias até a data limite de 29 de março de saída da UE.
O parecer do Advogado Geral do Reino Unido, Geoffrey Cox, refutando as supostas garantias obtidas por May praticamente definiu o resultado da votação: “os riscos legais permanecem inalterados”.
Cox atestou que o governo May “não havia conseguido a capacidade unilateral” do Reino Unido de sair do protocolo do ‘backstop’ e que só poderia ativar um mecanismo de retirada em caso de “demonstrar má fé por parte da UE” durante as negociações.
O Advogado Geral ressaltou também que não havia garantias legais quanto a limite de tempo de vigência do ‘backstop’ ou quanto a arranjos alternativos para o backstop e aconselhou a rejeição do acordo.
No dia anterior, May e o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, haviam se reunido em Estrasburgo e encenado acerto sobre “esclarecimentos” e “garantias legais” pedidas por Londres, para atrair os deputados indecisos.
Asseveraram em coletiva de imprensa concordância sobre os britânicos poderem abrir uma ‘disputa formal’ contra o bloco e Juncker reiterou o compromisso da UE de buscar “novas alternativas para o backstop” até 2020.
Promessas que o líder trabalhista Jeremy Corbyn chamaria, em seu pronunciamento, de “teatro noturno” para enganar os próprios correligionários de May.
O chamado ‘backstop’ é uma salvaguarda voltada a evitar a volta de uma fronteira rígida entre a Irlanda e a Irlanda do Norte, para manter o Tratado de Sexta Feira Santa de 1998 que restaurou a paz na região e encerrou a campanha de libertação do Exército Republicano Irlandês.
Mas está definido de tal forma no acordo Brexit de May que, para a maioria dos líderes ingleses, amarraria a Grã Bretanha indefinidamente à União Europeia, sujeita às suas normas mas sem poder interferir nelas.
Politicamente, a questão é ainda mais delicada, por ameaçar a paz na Irlanda e porque o governo de May cai sem os 10 votos dos unionistas (a favor dos laços com Londres).
Quase sem voz, May chantageou os deputados britânicos dizendo que “ou apoiam o acordo, e o Reino Unido abandona a UE com um acordo, ou se arriscam a um Brexit sem acordo ou a que haja nenhum Brexit”.
Ameaça que recuperou alguns dos 230 votos contra da histórica derrota em janeiro, mas completamente incapaz de mudar o quadro; o ‘não’ venceu por 149 votos de vantagem. Como registrou o ex-chanceler e ex-prefeito de Londres, Boris Johnson, esse plano “chegou ao fim do caminho”.
Nesta quarta-feira (13) irá a debate e votação na Câmara dos Comuns a saída “sem nenhum acordo”, que deverá, igualmente, ser rechaçada pelos parlamentares. Isso deflagrará no dia seguinte a votação da extensão do artigo 50 – o que na prática prorroga o prazo para fechar acordo.
Alternativa que a partir de agora é por onde May e Bruxelas estão visivelmente apostando.
Após a derrota, May declarou lamentar “profundamente” a decisão e disse que tem lutado para honrar o resultado do referendo Brexit de 2016 e para obter um bom acordo com Bruxelas.
Corbyn voltou a defender que, diante do impasse no Brexit e do desmanche do governo May, “é hora de uma eleição geral” no Reino Unido. “Penso que nesta Câmara há uma maioria a favor de um acordo sensato, credível e negociável como o proposto pelo Partido Trabalhista. E estou ansioso para ver como o Parlamento recupera o controle desta situação e podemos concluir com sucesso o que o Governo falhou miseravelmente”, afirmou.
Do outro lado do canal do Mancha, um porta-voz de Donald Tusk, o presidente do Conselho Europeu, asseverou que a UE fez “todo o possível” para chegar a um acordo. Expressou, ainda, desapontamento com a “incapacidade do governo do RU de assegurar maioria para o Acordo de Saída concordado por ambas as partes em novembro”.
O comunicado europeu acrescenta ser “difícil de ver o que mais podemos fazer” e avalia que a decisão do parlamento inglês aumentou “significativamente” o risco de um não-acordo Brexit. Quanto à extensão do artigo 50, que poderá ir à votação na quinta-feira, o porta-voz de Tusk disse que a EU consideraria por unanimidade um “pedido fundamentado” caso haja uma “justificação crível”.
Por sua vez May afirmou que a União Europeia vai “querer saber se o Reino Unido quer revogar o artigo 50 ou se quer um novo referendo”, escolhas que o parlamento inglês terá de “enfrentar agora”.
A bancada trabalhista pediu esclarecimentos sobre o que acontecerá em 29 de março, enquanto os deputados do SNP alertaram que chegou a hora de May aceitar que é necessário um novo referendo. Em deliberações anteriores, os deputados haviam aprovado a substituição do ‘backstop’ por “arranjos alternativos” e moção que rejeita que o Reino Unido deixe a União Europeia “sem um Acordo de Retirada” e “sem um Marco para o Futuro Relacionamento”.
Votaram a favor de May e do acordo 235 deputados conservadores, 3 trabalhistas e 4 independentes. Contra, votaram 238 trabalhistas, 75 conservadores, 35 nacionalistas escoceses (SNP), 17 independentes, 11 liberais democratas e 10 unionistas de Belfast (DUP).
Na coletiva conjunta com May em Estrasburgo, Juncker havia ameaçado de que essa seria a “última vez” que ele negocia o acordo de saída com os britânicos: “É este acordo ou o Brexit poderia não acontecer”. Já o veterano Charles Walker, vice-presidente do Comitê de Deputados Tory 1922, previu que a rejeição do acordo Brexit de May pela segunda vez levará a “eleição geral em questão de dias ou semanas”.