Na semana passada, o deputado petista Vicente Cândido, relator da mal chamada Comissão Especial sobre Reforma Política – que, aliás, já encerrou seus trabalhos desde o final de maio – declarou que pretende aumentar o fundo de financiamento das eleições, que quer instituir, para R$ 3 bilhões.
O projeto pode ser resumido de forma clara e insofismável: o deputado Cândido, seus correligionários e seus ajudantes, colaboradores ou mandantes de outros partidos, acham que o dinheiro do Tesouro, o dinheiro público, serve para propinar ladrões.
O texto apresentado pelo deputado do PT foi fechado em um cambalacho (desculpem, leitores, mas o nome é esse) cujo participante mais ativo foi o senador Aécio Neves, então presidente do PSDB, atualmente em banho de vinagre, além do notório Gilmar Mendes, do então presidente do PT, Rui Falcão, do ministro Kassab, do PSD, do senador Agripino Maia, do Dem, de Romero Jucá, do PMDB, além do ministro da secretaria de Governo, Antonio Imbassahy e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia.
Uma trupe de canalhas raramente vista, todos reunidos, no dia 11 de maio, na residência do presidente da Câmara dos Deputados. Dali saiu o texto que o deputado Cândido apresentou no dia 25 de maio, na Comissão Especial.
O próprio Cândido, após o banimento de Aécio pelo STF, declarou que incorporava no texto as propostas do tucano – provavelmente porque Aécio já não poderia emendar o texto no Senado, por motivo de força maior.
Até o momento, ainda que não seja seguro, ouve-se na Câmara que o único ponto desse conluio que parece subsistir – ou que vão tentar manter – sob a atual tempestade política, é o “fundo eleitoral”.
Como a propina, com a Operação Lava Jato, tornou-se mais escassa e mais arriscada, esses ladrões estão propondo que ela seja substituída por dinheiro público, por dinheiro que o povo paga em impostos.
Tudo na tentativa de manter a situação exatamente como está, com o reinado da mesma mediocridade e da mesma ladroagem. Basta, para isso, ver os critérios que o projeto de Cândido quer estabelecer para a distribuição desse dinheiro. Nada poderia deixar mais claro o caráter e o conteúdo desse casuísmo despudorado – e despudorado não apenas porque é um casuísmo, desses a que a ditadura jamais se atreveu, mas porque, moralmente, tal proposta parece saída de algum valhacouto imundo. Rui Barbosa execrou aquele tipo de moral que equivale ao “alcoice [isto é, o bordel] agregado à casa de família”. No projeto do deputado Cândido, a casa de família desapareceu.
Em suma, seu projeto é distribuir 98% desses R$ 3 bilhões de acordo com a votação dos partidos para a Câmara dos Deputados em 2014 – exatamente a eleição mais ilegítima da História do país, a eleição mais roubada que já houve por aqui, aquela que pariu (ou abortou) a pior Câmara que já existiu no país, devido ao festival de propinas e mentiras que foi a campanha do PT e do PMDB (e, como se viu pelos papos republicanos que seu candidato a presidente da República – e presidente nacional do partido, Aécio Neves – mantinha com a JBS, também a do PSDB).
O projeto consiste em tentar substituir (ou, melhor, complementar) o dinheiro da propina com o dinheiro do Tesouro.
O PT – partido afundado na ladroagem, desde seu patrono, Lula, sua presidente, Gleisi Hoffman, até um tesoureiro, Vaccari, na cadeia, acompanhado por um ministro da Fazenda, Palocci – receberia R$ 409.542.000 (409 milhões e 542 mil reais).
O PMDB – de Temer, Geddel, Jucá e outros gatunos – receberia R$ 326.046.000 (326 milhões e 46 mil).
O PSDB de Aécio – aquele que pedia dinheiro à JBS para pagar ao Perrella – receberia R$ 334.572.000 (334 milhões e 572 mil).
Mas isso não seria tudo.
Como o democrático Cândido reservou 2% dos R$ 3 bilhões para “distribuição igualitária” entre os partidos – o senso de igualdade do PT não vai além de 2% – isto quer dizer que cada partido, inclusive o PT, o PMDB e o PSDB têm direito a mais R$ 1.714.286 (um milhão, 714 mil e 286 reais). Logo, o total de cada um desses partidos é o seguinte:
PT: R$ 411.256.286;
PMDB: R$ 327.760.286;
PSDB: R$ 336.286.286.
Somente esses três partidos levariam um terço do fundo do deputado Cândido, isto é, R$ 1 bilhão (R$ 1.075.302.858).
Muitos leitores, compreensivelmente, perguntarão: mas que fundo é esse?
Será o fundo partidário?
Não, leitor, não é o fundo partidário, que, aliás, permanece o mesmo: este ano o PT receberá R$ 35,6 milhões de fundo partidário; o PMDB, R$ 28,6 milhões; e o PSDB, R$ 29,3 milhões (cf. TSE, Distribuição do Fundo Partidário, Dotação Orçamentária 2017).
O fundo do deputado Cândido é outro, um dinheiro que vai além, bem além, do fundo partidário.
Que alguns leitores jamais tenham ouvido falar nesse fundo – ou no projeto do deputado Cândido – é apenas devido à atual avacalhação legislativa e governamental, essa que o deputado petista quer preservar e conservar.
Assim são levadas as coisas na atual Câmara: acham que quanto menos gente discutir o que se trama, melhor. Os partidos maiores – PT, PMDB, PSDB – têm tão pouca legitimidade, a maioria de seus deputados é tão pouco representativa de qualquer coisa no Brasil, e quiçá na superfície da Terra, que a última coisa que querem é discutir, muito menos que a discussão extravase as saletas de conchavos e os corrilhos – sempre contra o povo e a favor do banditismo político e econômico que infelicita o país.
O fundo que o deputado Vicente Cândido quer estabelecer foi apelidado – por ele mesmo – de “Fundo Especial de Financiamento da Democracia”. Significaria, em essência, que o Tesouro regaria os cofres dos partidos políticos – daqueles que se tornaram organizações criminosas – para que continuem na mesma posição e do mesmo jeito que antes.
Democracia é, realmente, algo que esse fundo não financia. Pelo contrário, financia o que existe de mais antidemocrático no país. Ou será que alguém acha que Temer é uma personalidade democrática? Ou Dilma? Ou Aécio?
É provável, no entanto, que, convertido ao neoliberalismo, o partido de Lula – ou a ala ideológica do deputado Cândido – ache que a democracia tem preço. Vale uns R$ 3 bilhões. Quem adere ao neoliberalismo acha que tudo tem um preço, das Arenas da Copa do Mundo até o mandato de deputado.
Mas isso não é a pior coisa. O pior é quando se acha que os outros é que têm de pagar pelo seu mandato – seja auferindo propinas, roubando o dinheiro do povo na Petrobrás, ou roubando o dinheiro do povo diretamente do Tesouro.
CARLOS LOPES