O governo Bolsonaro revogou, nesta segunda-feira (28), três resoluções do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) para a proteção dos manguezais e restingas brasileiros. A derrubada das resoluções ocorreu em reunião do próprio Conama, convocada por Salles, que preside o órgão.
As resoluções que foram derrubadas delimitavam as áreas de proteção permanente (APPs) de manguezais e de restingas do litoral brasileiro. A medida abre margem para especulação imobiliária nas faixas de vegetação das praias e ocupação de áreas de mangues para produção de camarão.
A derrubada das resoluções ocorre cerca de cinco meses após o ministro do Meio Ambiente do governo Bolsonaro, Ricardo Salles, declarar em reunião interministerial (no dia 22 de abril deste ano) que o governo precisava aproveitar as atenções voltadas à pandemia para “passar a boiada” em atos normativos de meio ambiente.
Na prática, agora está liberada a construção de resorts milionários nas restingas. Algumas são locais de desova de tartarugas. Nelas, há, por exemplo, unidades do projeto Tamar, que trabalha pela preservação de espécies ameaçadas de extinção.
RESÍDUOS
O Conama também liberou a queima de lixo tóxico em fornos usados para a produção de cimento, com a justificativa de a queima dessas substâncias vai diminuir a quantidade de resíduos sólidos.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que a queima de lixo tóxico seja feita em ambientes controlados, já que podem causar danos à saúde da população. No Brasil, desde 1999 regras proibiam a prática em fornos usados para a produção de cimento.
Outra resolução que determinava critérios de eficiência de consumo de água e energia para que projetos de irrigação fossem aprovados também foi derrubada. O argumento da Confederação Nacional de Agricultura (CNA) foi de que a irrigação não é “um estabelecimento ou atividade, mas apenas uma tecnologia utilizada pela agricultura para o fornecimento de água para as plantas em quantidade suficiente e no momento certo”.
CONSELHO
O Conama é o principal órgão consultivo do Ministério do Meio Ambiente e é responsável por estabelecer critérios para licenciamento ambiental e normas para o controle e a manutenção da qualidade do meio ambiente.
Desde 2019, o governo iniciou um processo de enfraquecimento do Conama, ao diminuir o número de entidades da sociedade civil. O colégio, que contava com 96 conselheiros, entre membros de entidades públicas e de ONGs, passou a ter 23 membros titulares, incluindo seu presidente, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles.
Ambientalistas, parlamentares e a Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente (Abrampa) pediram que os itens fossem retirados da pauta da reunião do Conama. Houve ainda tentativa de cancelar a reunião, por meio de ação judicial. Todas as tentativas fracassaram.
O Ministério Público Federal participou da reunião desta segunda, mas não tinha poder de voto. Em sua fala, a procuradora Fátima Borghi destacou que as mudanças na legislação foram feitas sem as audiências públicas necessárias e que o Conselho Nacional do Meio Ambiente não tinha competência jurídica para a derrubada das resoluções.
RETROCESSO
O senador Fabiano Contarato (Rede-ES) disse nesta segunda-feira, que vai entrar com uma ação popular na Justiça Federal para barrar a decisão. “Contamos com o Judiciário para frear mais esse retrocesso! Depois da omissão absurda no desmatamento na Amazônia e nas queimadas no Pantanal, o governo federal agora derruba normas de proteção de áreas de preservação permanente e libera manguezais e restingas para especulação imobiliária”, afirmou Contarato em nota divulgada à imprensa.
A Rede Sustentabilidade entrou com ação no Supremo Tribunal Federal (STF), com pedido para que seja declarada a inconstitucionalidade da nova resolução. Na ação, a Rede argumenta que houve violação aos parâmetros normativos previstos sobre o licenciamento de empreendimentos de irrigação, sobre os limites de Áreas de Preservação Permanente de reservatórios artificiais e de localidades em geral e sobre a queima de agrotóxicos e outros materiais orgânicos em fornos de cimento.
O documento alerta sobre a “violação ao direito ao meio ambiente equilibrado, caracterizada por queimada de agrotóxicos, diminuição de APPs à revelia de recomendações técnicas e modificação nociva ao meio ambiente no que diz respeito à irrigação na agricultura”. A peça trata ainda de “ofensa ao princípio da vedação ao retrocesso institucional e socioambiental”.
“Após reduzir a participação da sociedade civil e dos estados e municípios no Conama, o antiministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, aproveita para passar o resto da boiada e reduzir as áreas de proteção ambiental”, disse ao Estadão o líder da Rede, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP). “Não podemos aceitar que se fira a Constituição entregando à especulação imobiliária as áreas de restingas e manguezais. Cabe ao STF assegurar o direito fundamental ao meio ambiente equilibrado e impedir esse grave retrocesso.”
O deputado Alessandro Molon (PSB-RJ) apresentou um projeto de decreto legislativo, no qual também pede que a nova resolução seja sustada, para que os temas sejam analisados. “Há um dever estatal de assegurar a progressiva melhoria da qualidade ambiental, não se admitindo flexibilizar direitos ambientais já consolidados. A extinção de espaços protegidos, por exemplo, é um flagrante retrocesso na preservação ambiental”, afirma Molon. “Como as revogações das referidas resoluções visam atender setores econômicos e beneficiar empreendimentos imobiliários, se faz necessário observar que na CF existe um entrelace da ordem econômica com o meio ambiente”.
A bancada do Psol também apresentou um projeto de decreto legislativo, pedindo a suspensão das decisões. “Primeiro, o governo Bolsonaro esvazia o Conama através de decreto, retirando a participação da sociedade civil, depois implementa medidas que violam direitos socioambientais”, afirma a líder da bancada, deputada Sâmia Bomfim (Psol-SP), na ação assinada pelos demais deputados da legenda. “As decisões do Conama afrontaram o poder regulamentar concedido ao Poder Executivo, sendo absolutamente incompatível com os princípios reitores da Constituição Federal de 1988, especialmente em relação aos princípios de proteção e defesa do Meio Ambiente.”
O líder da Minoria da Câmara dos Deputados, José Guimarães (PT/CE), também apresentou Projeto de Decreto Legislativo (PDL) com o objetivo de sustar os efeitos da Resolução nº 500, que revogou resoluções anteriores de proteção ambiental.