Quem não pagou um quilo de ouro (R$ 300 mil) ou comprou 50 mil bíblias (R$ 50 mil) não recebeu verbas. Antes de cair, ministro disse que tudo foi a pedido de Bolsonaro
O presidente do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), Marcelo Lopes da Ponte, que administra uma verba de R$ 68 bilhões, afirmou, nesta quinta-feira (7/4), em depoimento no Senado, que “terceiros” usaram o nome dele e do ex-ministro da Educação Milton Ribeiro para “se gabaritar ou para fazer lobby sem a nossa devida autorização”.
Ele só não explicou de onde vinha todo o poder que tinham os dois pastores indicados por Bolsonaro para definir a liberação ou não de verbas de acordo com o pagamento ou não da propina. Todos os prefeitos que se recusaram a pagar um quilo de ouro (R$ 300 mil)ou comprar 50 mil bíblias (R$ 50 mil) ou depositar direto na conta de igrejas, não receberam as verbas.
GILMAR SANTOS E ARILTON MOURA
O titular da autarquia vinculada ao Ministério da Educação, onde ocorreu o escândalo, se referia aos pastores Gilmar Santos e Arilton Moura, os dois pastores que apareceram no áudio vazado onde o ex-ministro diz que foi Bolsonaro que pediu para abrir todo o espaço do mundo para os pedidos que eles encaminhassem. Daí começou o festival de propinas.
Ministro afirma que Bolsonaro intercedeu para dar força aos pastores propineiros (Ouça)
A dupla de evangélicos é acusada de atuar como lobista de prefeitos para destravar demandas municipais junto ao MEC. Segundo os próprios prefeitos, para isso, os pastores cobravam propinas em torno de R$ 15 mil, R$ 40 mil, atpe R$ 300 mil. Quem se recusou a pagar a propina ficou a ver navios. Em depoimento no Senado os prefeitos reafirmaram que foram cobradas propinas pelos pastores de Bolsonaro.
Ele confirmou que Gilmar e Arilton estiveram presentes em agendas da pasta. Disse que eles discursavam e ministravam orações. “Eu os conheci em uma agenda no MEC; minha relação foi enquanto convidado. Participaram de algumas agendas, não sei precisar o número. Faziam alguma fala, alguma oração. Era o que eles geralmente faziam”, explicou. A oração certamente vinha depois da cobrança da propina.
Os dois pastores não eram funcionários do governo. Então não se justifica sua presença em agendas do governo, a não ser para mostrar seu poder aos prefeitos. Dez prefeitos denunciaram os pedidos de propina. Outros, que receberam as verbas, disseram aos senadores que não pagaram propina.
ENTENDA O CASO
Em 22 de março, se tornou conhecida gravação na qual o então ministro da Educação, Milton Ribeiro, dizia a prefeitos que, a pedido de Jair Bolsonaro (PL), repassava verba a municípios indicados por pastores evangélicos. O episódio levou à demissão de Milton Ribeiro.
“A prioridade é atender primeiro os municípios que mais precisam e, em segundo, atender a todos os que são amigos do pastor Gilmar. Esse foi um pedido especial do presidente da República [Jair Bolsonaro]”, disse o então ministro.
De acordo com o prefeito de Luís Domingues (MA), Gilberto Braga, em 7 de abril do ano passado, ele foi a Brasília para participar de reunião no MEC. O objetivo do encontro seria discutir obras inacabadas vinculadas à pasta. Após a reunião, disse Braga, o pastor Arilton Moura convidou os prefeitos para almoço.
“Até então, eu não conhecia o ministro da Educação. O pastor estava, sim, sentado à mesa na hora da palestra no MEC e, em seguida, nós fomos para esse almoço. E, lá nesse almoço, que não estava o ministro, só estavam os dois pastores, tinha uma faixa de uns 20 a 30 prefeitos. E a conversa era muito bem aberta. Ele virou para mim e disse: ‘Cadê suas demandas?’”, disse.
E seguiu: “E ele falou rapidamente: ‘Você vai me arrumar os R$ 15 mil para eu protocolar as demandas e depois que o recurso tiver empenhado, depois, como a sua região é de mineração, vai me trazer 1 quilo de ouro’. Eu não disse nem que sim nem que não, me afastei da mesa e fui almoçar”, acrescentou Gilberto Braga.
LICITAÇÃO SUSPENSA PELO TCU
Ele foi questionado também sobre a licitação que foi barrada pelo Tribunal de Contas da União (TCU). O governo federal teria aceitado desembolsar R$ 480 mil para a aquisição de ônibus escolares orçados em R$ 270 mil. A licitação recebeu parecer contrário de órgãos de controle. Ela só foi altetada depois que o escândalo veio à tona.
O fato é que no meio de todas essas irregularidades, uma nova informação, revelada pelo jornal O Estado de S. Paulo, mostra que dois diretores do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), adquiriram veículos que não condizem com seus respectivos salários.
Com remuneração mensal estimada em pouco mais de R$ 10 mil, Garigham Amarante, que chegou a ser cotado para assumir o ministério, e Gabriel Vilar compraram carros de R$ 330 mil e R$ 250 mil, respectivamente.
CARROS DE LUXO
Vilar adquiriu um Volkswagen Tiguan Allspace R-Line 2021 de cor branca, avaliado em R$ 250 mil, em 19 de julho do ano passado. Já Amarante financiou o SUV Mercedes-Benz GLB 200 Progressive, de R$ 330 mil, em 10 de agosto de 2021.
Na simulação de financiamento para aquisição do carro de Amarante, por exemplo, a prestação chegaria a comprometer 99,97% da renda. Isso porque, em condições similares às usadas, a prestação chegaria a R$ 10.299,35. Além disso, o IPVA tem um custo de R$ 9.748 por ano.
O diretor cotado para ministro ainda usa dois outros veículos: um Hyundai Tucson GLS 1.6, ano 2020, avaliado em R$ 150 mil, que está registrado no CPF de Amarante; e um Honda HR-V, que está registrado na garagem do FNDE, no Setor Bancário Sul.
Assim como o diretor geral disse que os pastores cobravam propina e liberavam verbas sem ele saber, os diretores alegaram que obtiveram os veículos por financiamento, e apresentaram como entrada valores provenientes da venda de carros antigos. “Comprei do mesmo jeito que toda a população brasileira compra um bem de alto valor: financiado junto ao banco”, afirmou Amarante.
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