Quanto ao criminoso bloqueio norte-americano, condenado mundialmente, o “magnânimo” finge desconhecer
A menos de uma semana do término de seu governo e da posse na Casa Branca do Napoleão de Mar-a-Lago, o decrépito presidente Joe Biden anunciou a revogação da ordem do primeiro mandato de Trump, que ele próprio estendera por mais quatro anos, de agravamento do bloqueio a Cuba sob o imoral e ilegal pretexto de que seria um “país patrocinador de terrorismo” (por sediar em Havana negociações de paz entre grupos guerrilheiros e o governo colombiano, visando a completa pacificação do país andino).
A arrogância de Trump, mantida por Biden durante seu mandato, fica mais do que evidente, quando sabemos que não há país no mundo sobre o qual melhor caia a pecha de “país patrocinador de terrorismo”: de golpes de Estado, cumplicidade no genocídio em Gaza e terror a varejo do jihadismo pró-EUA, desde o terror nuclear contra Hiroshima e Nagasaki.
Imputação ainda mais absurda por duas razões. Tanto pelo notório papel dos EUA e da CIA de incubadora da Al Qaeda, Estado Islâmico, Al Nusra e outros cortadores de garganta, e de principal financiador e fornecedor de armas, quanto por Havana ter sediado as negociações que permitiram em 2016 o fim do conflito entre as FARCs e o governo colombiano, que já durava mais de 50 anos.
Como sublinhou um manifesto de artistas e intelectuais brasileiros divulgado em junho do ano passado, “a permanência de Cuba na lista é uma infâmia que dura há tempos, assim como o bloqueio que há mais de 60 anos tenta subjugar a heróica ilha caribenha”.
Por sua vez o jornal cubano Granma denunciou as medidas de bloqueio por causarem graves danos à população, violarem os direitos humanos de todos os cubanos, e por seu ilegal alcance extraterritorial.
A cláusula espúria de “país patrocinador de terrorismo” tornou a vida da população cubana ainda mais difícil, servindo para inviabilizar importações extremamente necessárias, por exemplo, para evitar apagões por falta de combustível para termelétricas e falta de peças de reposição para seu funcionamento.
No relatório que fundamentou a resolução da Assembleia Geral da ONU no ano passado de repúdio ao bloqueio dos EUA, o governo cubano apontou que, com as “atualizações” das sanções sob Trump, Washington passou a exigir “licenças ou autorizações específicas” e pagamentos “em dinheiro e adiantado”, o que diminuiu as importações de alimentos dos Estados Unidos, aprovadas sob legislação em 2000.
TURISTAS CHANTAGEADOS
A designação de Cuba como “Estado Patrocinador do Terrorismo” (SSOT, no jargão de Washington) foi usada para restringir a entrada de turistas em Cuba, principal fonte de divisas para o país. Os EUA oferecem seu Programa de Isenção de Vistos para viajantes de 42 países, mas as pessoas que visitam Cuba não são elegíveis para visitar os EUA, devido à sua designação SSOT. Assim, em 2023, Cuba recebeu 2.436.980 visitantes internacionais, 57% do número alcançado em 2019.
Agora, cinicamente, porta-voz do Departamento de Estado disse ter sido “concluída uma avaliação”, e que não tem informações “que apoiem a designação de Cuba como patrocinador estatal do terrorismo”.
Biden tenta posar de “magnânimo”, quando sua demora em minimamente retornar à política de Obama [de quem era vice] em relação a Cuba não passa de uma canalhice indisfarçada. Biden manteve ao longo de quatro anos cada um dos 243 acréscimos feitos por Trump ao bloqueio a Cuba.
Com o retorno de Trump ao poder – e tendo como secretário de Estado o gusano-americano histérico da Flórida, Marco Rubio -, a cláusula agora suspensa pode ser reativada pelo biliardário de volta à Casa Branca a qualquer momento.
DECISÃO TARDIA
“Uma decisão na direção certa, embora tardia e com alcance limitado”, observou nas redes sociais o presidente de Cuba, Miguel Díaz-Canel.
Ele reiterou que “o bloqueio e a maioria das medidas extremas que foram postas em prática desde 2017 para sufocar a economia cubana e causar escassez continuam em vigor”.
Díaz-Canel agradeceu “a todos aqueles que contribuíram para a decisão anunciada pelos EUA de excluir Cuba da lista de Estados patrocinadores do terrorismo, que nunca deveria ter existido e que, juntamente com outras duas medidas adotadas, teve um custo elevado para o país e para as famílias cubanas”.
O presidente cubano prometeu continuar “a confrontar e denunciar a guerra econômica e as ações de interferência, desinformação e descrédito financiadas com fundos federais dos EUA”, acrescentando que a Ilha não desiste de ter com os EUA “uma relação civilizada que respeite a nossa soberania”.
Em pronunciamento à Assembleia Geral da ONU, Díaz-Canel assinalou que [os EUA] “fizeram de tudo para apagar a Revolução cubana do mapa político mundial. Não aceitam alternativas ao modelo que concebem para o que acham ser o seu quintal”. Ele declarou, ainda, ser “inaceitável” questionar o direito de todo Estado “de desenvolver o sistema político, econômico, social e cultural soberanamente escolhido por seu povo”.
APAGÕES E SANÇÕES
Em outubro passado, Cuba viveu o pior apagão de sua história, que expôs toda a excrescência do bloqueio norte-americano. No domingo, registrou uma internauta, “a Lua era a única luz que iluminava a noite cubana”.
“O colapso do sistema de energia é mais uma demonstração de todos os problemas que o bloqueio nos causa”, afirmou então Díaz-Canel. “Tudo acontece por causa das divisas que não temos, devido à perseguição financeira e do combustível que não temos por causa da sabotagem energética”, acrescentou.
Sob as leis de intensificação do bloqueio dos anos Clinton, o navio que aportar em Cuba fica proibido por seis meses de ingressar nos EUA. Sob as “regulamentações” de Trump, que Biden manteve, o petróleo tem que ser pago em cash no momento da entrega e não adianta ter dinheiro em conta bancária, porque Cuba é excluída do sistema de pagamentos controlado por Washington.
“Os combustíveis são pagos em dinheiro, e muitas vezes tendo dinheiro nos bancos não podemos fazer as transações porque ninguém quer aceitá-los. Foi o que nos aconteceu com o navio de gás liquefeito, que esteve atracado durante quase um mês”, disse o ministro de Minas e Energia de Cuba, Vicente Levy.
O bloqueio também dificulta ao extremo a compra de peças de reposição para a geração e distribuição, com as unidades mais novas do sistema em operação “há mais de 35 anos” e mantidas em funcionamento graças ao esforço dos técnicos cubanos.
AGRAVOS SUSTADOS
Conforme registrado pelo jornal Granma, o anúncio de Washington inclui três aspectos: excluir Cuba da lista do Departamento de Estado de países que supostamente patrocinam o terrorismo; fazer uso da prerrogativa presidencial para impedir que ações sejam tomadas, nos tribunais dos EUA, em resposta a ações judiciais movidas ao abrigo do Título III da Lei Helms-Burton; eliminar a lista de entidades cubanas restritas que designa um grupo de instituições com as quais os cidadãos e instituições norte-americanas estão proibidos de realizar transações financeiras, o que teve impacto em terceiros países.
Mas, como enfatizou Havana, continua a perseguição “privada” contra os abastecimentos de combustível e os navios mercantes que atracam em Cuba [que ficam seis meses sem poder entrar em portos dos EUA], mantém-se a ameaça aos acordos legítimos de cooperação médica internacional com outros países e punem-se as transações financeiras internacionais.
O arquipélago cubano continua a ser um destino proibido para os cidadãos norte-americanos, sendo que às empresas e entidades subsidiárias de uma corporação desse país é negado o comércio com Cuba, salvo algumas exceções altamente restringidas.
Além disso, continuam o assédio, a intimidação e as ameaças contra os nacionais de qualquer nação que pretenda comercializar, investir ou simplesmente fazer turismo na Ilha.
ONU RECHAÇA BLOQUEIO PELA 32ª VEZ
Em outubro de 2024 a Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU) condenou, pela trigésima segunda vez consecutiva, o embargo que os EUA mantêm contra Cuba há mais de seis décadas. Intitulada “Necessidade de acabar com o bloqueio econômico, comercial e financeiro imposto pelos Estados Unidos da América contra Cuba”, a resolução foi aprovada praticamente por unanimidade, 187 votos a favor e só 2 contra – EUA e o regime de apartheid israelense.
Instaurado em 1961, o bloqueio comercial e econômico mantido pelos EUA contra Cuba custa por ano US$ 5 bilhões ao país, e foi reforçado por leis como a Lei Helms-Burton de 1996 e a Lei de Democracia Cubana de 1992. Que sempre tiveram como norte “fazer a economia gritar” e tentar jogar o povo contra um governo soberano e que age em prol da maioria.
De acordo com cálculo da chancelaria cubana, os danos acumulados por mais de seis décadas de bloqueio ascendem em valores atualizados a US$ 164,14 bilhões (R$ 990 bilhões), valor que vai a quase US$ 1,5 trilhão se contabilizado pela variação do dólar frente ao ouro no mercado internacional.
Em outro desdobramento, como decidido pela cúpula de Kazan, a partir deste 1º de janeiro Cuba se tornou Estado Parceiro do Brics. Em paralelo, o governo cubano anunciou para breve a libertação de 533 presos durante os distúrbios em Cuba de 2021, provocados pela escassez decorrente do bloqueio, atendendo a gestões do Vaticano e cumprindo as normas legais cubanas.