NATHANIEL BRAIA
(HP 05/12/2003)
Patrice Lumumba, por seu papel e consciência na luta da África contra o colonialismo e o racismo, se tornou o patriarca da libertação dos povos africanos do colonialismo e dos ideais de liberdade e integração pan-africana.
Nascido em 2 de julho de 1925, em Onalua, com sua pátria sob domínio colonial belga, teve que recorrer a escolas religiosas missionárias, única forma existente então para que os congoleses tivessem acesso à educação escolar.
Desde cedo atuando pela dignidade de seu povo, Lumumba deslanchou sua jornada em direção à liderança na luta de libertação do Congo ao fundar o Movimento Nacional Congolês (MNC), primeira organização política nacional, em 1958, depois de haver sido eleito presidente do Sindicato Independente dos Trabalhadores Congoleses.
Em dezembro do mesmo ano, ao intervir na Conferência dos Povos Africanos, como membro da delegação do MNC, destacou-se pela clareza com que defendeu as ideias pan-africanas de unidade contra o colonizador, juntando-se a outros líderes africanos que se destacavam na torrente com que o conjunto dos movimentos nacionais avançava para romper o jugo com que os países europeus haviam submetido o continente africano. Ao lado de Lumumba, se colocaram, Kwame Nkruma, da recém liberta Gana – país anfitrião do 6º Congresso, o primeiro realizado em solo africano; Tom Mboia, líder do Kenia; Sekou Touré, da Guiné; Julius Nyrere, da Tanzânia. No congresso, Lumumba proclamou a tarefa a ser cumprida: “a despeito das fronteiras que nos separam, a despeito de nossas diferenças étnicas, para fazer o continente africano livre e feliz, resgatado da insegurança, do medo e do jugo colonial”.
UNIDADE
Logo após seu retorno ao Congo, junto com a delegação do MNC, se acelerou a luta pela independência, conquistada dois anos depois. Desde os primeiros passos em seu combate, o dirigente congolês visualizou a questão fulcral para a garantia da libertação nacional do colonialismo: a unidade da nação em formação, acima das pequenas e mesquinhas veleidades e vaidades dos chefetes tribais. A concepção clara da dignidade nacional, da necessidade de cimentá-la acima das divisões étnicas e tribais, lhe valeu o ódio dos colonialistas e da casta dominante do imperialismo americano, que desejava substituí-lo, usando para isso, como instrumento, as rivalidades entre as etnias, muitas vezes exacerbando-as através do suborno a integrantes de etnias diferentes daquela a qual pertencia o dirigente, que independente da sua origem, havia se destacado por seu denodo e capacidade de encarnar o anseio de liberdade de todos os contingentes de seu povo e mesmo de todo o continente oprimido e humilhado, como foi capaz de representar Patrice Lumumba.
INDEPENDÊNCIA
A expressão que adquiriu com rapidez, o estímulo com que conduziu os demais na luta pela independência fez com que, nas negociações em Bruxelas, a delegação congolesa exigisse a sua presença. Lumumba se encontrava preso – acusado de incitar ‘a desobediência civil’ durante as manifestações de massa pela independência em outubro de 1959 – e os belgas tiveram que tirá-lo da cadeia diretamente para o avião de onde ele iria dirigir o processo de libertação na sua fase final: as negociações em Bruxelas até a assinatura dos protocolos que especificavam a data para a entrega do poder a um governo congolês, que viria a ter Lumumba no comando, no posto de primeiro-ministro.
Em seu discurso no dia da independência, em 30 de junho de 1960 – do qual publicamos alguns dos trechos mais significativos -, ele alertou os compatriotas e todos os africanos para a jornada árdua e para os obstáculos que se descortinavam à frente, afirmando que: “A República do Congo foi proclamada e agora se encontra nas mãos de seus próprios filhos. Juntos meus irmãos, minhas irmãs, vamos começar uma nova luta, uma luta sublime… Vamos mostrar ao mundo o que o homem negro é capaz de fazer quando trabalha em liberdade… E para tudo isso, meus caros compatriotas, estejam certos que contaremos, não apenas com nossa imensa força e imensas riquezas, mas com a assistência de inúmeros países cuja colaboração aceitaremos se ofertada livremente e sem a tentativa de imposição de uma cultura alienígena, não importa qual seja sua natureza…”
Como que profetizando os próximos embates, declarou: “Conclamo-os a esquecer suas disputas tribais. Elas nos exaurem. Elas trazem o risco de sermos humilhados no exterior”.
Essas ideias, essa determinação e capacidade de falar ao coração do povo congolês e africano, não foram aceitas pelos colonizadores belgas, nem pelos que comandavam o império nos EUA: Eisenhower e seus agentes da CIA ,que planejaram um golpe para destituí-lo, prendê-lo e assassiná-lo sob tortura.
Foi exatamente o separatismo – com base no traidor Moisé Tshombe, que se proclamara líder da região de Katanga, uma das mais ricas do Congo, ocupada imediatamente por tropas belgas, com base no traidor Mobutu, membro do governo que tinha Lumumba como dirigente – o instrumento usado para impedir a verdadeira libertação do Congo.
A vergonhosa e criminosa ação da CIA na morte de Lumumba foi comprovada durante as audiências da Comissão Church, presidida pelo senador norte-americano Frank Church (material fartamente documentado na edição de 7 a 10 de novembro no HP). Como descreve o relatório da comissão, “Dulles (então chefe da CIA), telegrafou ao funcionário da base da CIA em Leopoldville, República do Congo, que ‘nos altos escalões’ a ‘remoção’ de Lumumba era ‘um urgente e prioritário objetivo’. Logo depois, o serviço clandestino da CIA formulou uma trama para assassinar Lumumba”.
ASSASSINATO
Morto sob torturas indescritíveis na noite de 17 para 18 de janeiro de 1961, Lumumba ficou dois meses no comando do Congo livre. Como carta testamento a seu povo ficou a que redigiu, já sob as sevícias dos mercenários, a sua mulher Pauline Opangu: “minha fé se manterá inquebrantável. Eu sei e eu sinto no fundo de mim mesmo que cedo ou tarde meu país se libertará de todos os seus inimigos internos e externos, que ele se levantará, como um só homem para dizer não ao vergonhoso e degradante colonialismo e reassumir sua dignidade sob um sol puro.”
A era da traição ao Congo teve fim com a vitória e posse de Laurent Kabila em 1997, líder do movimento de libertação que caminhou até o comando de uma nação livre, passando por combates travados ao lado de Lumumba e depois de Che Guevara, quando a luta pela deposição dos inimigos internos, capachos do colonizador, teve que assumir a forma de guerra de guerrilha em suas selvas.