Comportamento servil, torpe e racista do general foi o que levou Bolsonaro a integrá-lo em seu governo
O general intendente, Eduardo Pazuello, virou ministro da Saúde de Bolsonaro sem nunca ter estado à frente de nada que dissesse respeito ao setor. Em plena pandemia, ele mal sabia o que era o SUS, como ficou claro em seu embate com o senador Otto Alencar (PSD-BA) na CPI. Também nunca administrou um posto de saúde sequer. Sua única credencial foi mostrada por ele mesmo após ser desautorizado publicamente por Bolsonaro: “um manda e o outro obedece, simples assim”, disse ele.
A intenção de Bolsonaro ao nomear Pazuello para o Ministério da Saúde hoje parece evidente. Para quem tinha planos de sabotar o combate à pandemia de Covid-19 e impedir a compra e vacinas, não poderia haver alguém mais talhado para o cargo. Pazuello mostrou-se um serviçal, fez tudo o que Bolsonaro queria. Ou melhor, não fez nada contra a pandemia. Atrasou as compras de vacinas, tentou esconder os números da tragédia e espalhou cloroquina e outras drogas ineficazes pelo Brasil a fora. Caiu em desgraça ao matar asfixiadas centenas de pessoas em Manaus, na crise do oxigênio.
Ele era o nome perfeito para quem queria, como Bolsonaro, colocar em prática o seu plano genocida de estimular que toda a população se infectasse rapidamente com o novo coronavírus. Bolsonaro se fixou na chamada imunidade de rebanho, uma monstruosidade que provocou a morte de centenas de milhares de pessoas em todo o Brasil. Questionado sobre essa intenção na CPI, Pazuello mentiu escorreitamente sobre tudo isso, zombou dos senadores e livrou a cara do chefe. Dois dias depois estava num palanque ovacionando Bolsonaro.
Mas, de onde vem tamanha “afinidade” entre o capitão cloroquina e o general Pazuello? Reportagem do Estadão detalha que tipo de fatos e situações uniu esses dois personagens. Em 2005, mesmo ano em que Bolsonaro discursava em homenagem ao miliciano Adriano da Nóbrega, assassino que depois viraria chefe do “Escritório do Crime”, uma espécie de agência de assassinatos de aluguel da milícia do Rio de Janeiro, Pazuello, que comandava o Depósito Central de Munições do Exército, em Paracambi, a 70 km do Rio, respondia a um inquérito por obrigar um soldado negro a fazer papel de animal.
O caso ocorreu em 11 de janeiro de 2005 e a 1ª Região Militar resolveu pela abertura do Inquérito Policial Militar (IPM) a fim de apurar a conduta do oficial. No inquérito, Pazuello argumentou ter tomado a atitude “para a preservação da boa saúde dos cavalos de tração utilizados na OM (organização militar)”. O soldado negro humilhado por Pazuello não teve como se defender. Ele não levou à frente a denúncia com medo de represálias por parte de Pazuello. Mais tarde, o inquérito acabou arquivado.
O episódio foi esclarecedor do caráter de Pazuello – ou a falta dele – e explicou o por quê do fascínio de Bolsonaro pelo seu ministro de aluguel. Quando Pazuello viu dois soldados passarem em uma carroça, julgou que estavam velozes demais e quis lhes dar uma lição. Mandou parar, desatrelar o animal, e determinou que o recruta Carlos Vítor de Souza Chagas, um jovem negro de 19 anos, substituísse o cavalo. O soldado teve de puxar a carroça com o outro soldado em cima, enquanto o quartel assistia à cena, às gargalhadas.
Carlos Vítor de Souza Chagas era um soldado negro e fora escolhido ao acaso por um tenente para ajudar um colega, que era branco, a carregar uma banheira na carroça. “Ele não tinha como pegar sozinho”, explico Chagas. Foi quando Pazuello apareceu. “Eu não estava pilotando o cavalo, estava na carroça. Quem estava era o outro garoto”, acrescentou o soldado. Mas foi ele o escolhido para o castigo pelo então tenente-coronel Pazuello. Para Chagas, foi um ato claro de racismo do futuro ministro de Bolsonaro. Este último, não por acaso, entre outras coisas, também se referia a negros quilombolas como sendo possuidores de “arrobas”.
Pazuello tem um irmão de quem é sócio, Alberto Pazuello. Ele é acusado de pertencer a grupos de extermínio no Amazonas. Eles são sócios numa empresa de navegação da família. Alberto, o irmão de Eduardo Pazuello, era membro de uma milícia denominada “A Firma”, formada nos anos 90 em Manaus, com a participação de policiais civis e militares e o apoio ou conivência de autoridades da segurança pública estadual. O ex-ministro de Bolsonaro manteve a sociedade com o irmão mas foi para a Academia Militar da Agulhas Negras antes de ir para o Serviço de Intendência do Exército.
A proximidade com milícias parece ser o ponto de ligação de Bolsonaro a Pazuello. Enquanto Bolsonaro as defendia do plenário da Câmara, Pazuello tratava com elas dentro de casa. Numa ocasião em que foi preso o irmão de Pazuello, recebeu a polícia a tiros. Assim foi descrito e episódio em um jornal local em 1995. “Ao dar voz de prisão a Alberto, este recebeu os policiais civis a bala, e a Polícia Militar enviou ao local uma tropa da Polícia de Choque, que conseguiu entrar na mansão, desarmar e deter o revoltado Pazuello” (Jornal do Commercio, 23/06/1995).
Em 1996 – quando Alberto Pazuello foi preso pela segunda vez e acusado de participar do grupo de extermínio “A Firma” -, no correr da investigação sobre a Scuderie Le Cocq, milícia fundada no Rio e que atuava fortemente no Espírito Santo, a Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados teve a sua atenção despertada para Manaus, e, especialmente, para a milícia “A Firma”. Na ocasião também, em depoimento ao promotor Carlos Cruz, de Manaus, uma ex-empregada de Alberto apontou um compartimento secreto na casa do empresário [Alberto Pazuello], que seria usado para guardar grandes quantidades de drogas. E contou ter presenciado dois assassinatos no local. A polícia encontrou diversas marcas de balas nas paredes do quintal.
O futuro ministro se formaria em Agulhas Negras na turma de 1984 e logo pegou um atalho, que teria um grande impacto em sua carreira: o oficial decidiu parar na Brigada Paraquedista e fez o curso de operações especiais, tornando-se ele mesmo um Força Especial (FE).
Na Brigada, conheceu o então capitão Jair Bolsonaro, antes de sua saída da tropa após inquérito por indisciplina, no caso que ficou conhecido como “terrorismo de baixa potência”. Bolsonaro havia relatado à Revista Veja seus planos de explodir bombas em algumas instalações públicas. No processo, uma das testemunhas de acusação foi o então editor da Veja, o jornalista Ali Kamel, atualmente chefe do jornalismo da Globo.
Foi das Forças Especiais, a turma da “faca na caveira”, que Pazuello recrutaria sua “equipe” para compor o Ministério da Saúde. Todos tão afeitos quanto ele às questões de Saúde Pública. Suas funções no Ministério eram simples. Perseguir servidores, esconder os dados sobre a epidemia do coronavírus, adquirir milhões de comprimidos de cloroquina e enrolar os fornecedores de vacinas. O resultado foi que no período em que Pazuello esteve no ministério os mortos de Covid saltaram de cerca de 290 mil para 430 mil.
Eram homens como os coronéis Élcio Franco, que se tornaria o secretário executivo da pasta e usava o broche com a faca e a caveira no terno, e George Divério, o superintendente da Saúde no Rio, nomeado por Pazuello e demitido após tentar contratar com recursos da pandemia e sem licitação empresas com sedes em áreas de milícias para reformar prédios. Foi ainda na Brigada e entre os FEs que Pazuello conheceu o atual ministro-chefe da Casa Civil, Luiz Eduardo Ramos, outro Força Especial.
Pazuello agora resolveu imitar ainda mais o chefe e afrontar a disciplina do Exército. Em obediência a Bolsonaro, ele compareceu a um comício político no Rio de Janeiro, organizado para propagar o vírus e fazer campanha eleitoral antecipada de Bolsonaro. O caso está nas mãos do Comando de Exército, que decidirá qual punição será aplicada ao general por infringir o Regulamento Disciplinar do Exército. Antes ele já havia participado de outro evento em Manaus. O comportamento de Pazuello, como sua presença no evento em Manaus, será levado em consideração.