
Ex-ministro foi flagrado negociando a CoronaVac pelo triplo do preço com lobistas e atravessadores fora do expediente. Como ele não estava nas condições descritas, Bolsonaro disse que não viu nada demais
Jair Bolsonaro confirmou, no domingo (18), na porta do hospital Vila Nova Star, na Zona Sul de São Paulo, onde esteve internado para conseguir evacuar, que Eduardo Pazuello realmente mentiu para a CPI e recebeu lobistas de uma empresa de Santa Catarina que oferecia CoronaVac ao governo pelo triplo do preço cobrado pelo Instituto Butantan.
MENTIRA AOS SENADORES
Pazuello tinha jurado de pés juntos aos senadores, em depoimento à CPI, que jamais recebeu nenhum empresário enquanto esteve no ministério, porque seria imoral. O vídeo desmente o ex-ministro. Ele aparece reunido com lobistas da World Brands Distribuidora. Uma empresa de comércio de madeira toda enrolada com a Justiça. Pazuello estava nitidamente tentando atravessar o Instituto Butantan, único parceiro no Brasil que produz a CoronaVac, vacina desenvolvida pela gigante chinesa Sinovac.
Não se sabe como o vídeo veio à tona. Sabe-se que ele foi feito pelo assessor do ministro. O senador Alessandro Vieira havia pedido a quebra dos sigilos telefônicos e telemáticos do assessor de comunicação de Pazuello, Marquinhos Show. As quebras não foram confirmadas. O assessor, por sua vez, disse no domingo (18) à CNN que entregou uma cópia para um dos lobistas e apagou a sua de seu celular.
MINISTRO COMEMORA VACINA SUPERFATURADA
O fato é que o vídeo fala por si mesmo. Pazuello comemora claramente a assinatura de um memorando de intenção com os lobistas para a compra de 30 milhões de doses da vacina ao custo de US$ 28,5 cada dose, ou seja, três vezes mais do que o preço cobrado pelo Instituto Butantan.
Assista ao vídeo
Bolsonaro disse que o vídeo não prova nada, porque, segundo ele, “propina se pede pelado e dentro da piscina”. Até agora parecia que a coisa só era acertada em rodas de chope em Shoppings Centers de Brasília, mas, Bolsonaro acrescentou mais essa via. Ele explicou que o lugar ideal para se pedir propina é a piscina, e com todos pelados. Já que a coisa no submundo da família Bolsonaro é assim, por óbvio todos vão ficar de agora em diante de olho mais aberto no que vem ocorrendo nas águas do Alvorada.
Realmente, Pazuello não estava pelado e nem dentro de uma piscina, ele estava no gabinete do Élcio Franco, seu auxiliar. Com um detalhe: depois do expediente, sem nada na agenda. Bolsonaro não explicou porque os lobistas estavam sendo recebidos pelo ministro após o expediente e fora da agenda. Ele só disse que “Brasília é o paraíso dos lobistas, de picaretas”.
“Todos pressionavam por vacinas. Muitas pessoas foram recebidas no ministério. O próprio traje do Pazuello, ele está sem paletó”, afirmou (não se sabe o que Bolsonaro quis dizer com isso). Mas ele prosseguiu a explicação: “Aquele pessoal se reuniu com o diretor responsável (será Roberto Dias?) para uma possível compra lá no ministério e na saída [Pazuello] conversou”. O vídeo mostra o ministro visivelmente satisfeito com o resultado da conversa.
MODUS OPERANDI DA QUADRILHA
Além da piscina, Bolsonaro apresentou ainda mais um outro modus operandi da quadrilha que, segundo ele, não estava presente neste episódio. “Se fosse algo secreto, algo superfaturado, ele estaria dando entrevista, ou estaria escondido no porão do ministério?”, questionou Bolsonaro.
“Algo superfaturado” é evidente que existia, aliás três vezes mais do que os US$ 10 cobrados por dose pelo Butantan. Além disso, a reunião foi secreta e não apareceu na agenda oficial. Só não foi feita no porão, mas, como já dissemos, ela ocorreu na sala de Élcio Franco, local que, para a CPI, não há dúvidas que era um verdadeiro “porão” de negociatas.
Na reunião, que só veio à tona com o vazamento do vídeo, foi acertado foi a compra das 30 milhões de doses pelo triplo do preço cobrado pelo Butantan. “Vamos sair daqui com o memorando assinado”, disse Pazuello. Só isso já é um escândalo. E, sobre esse fato, Bolsonaro disse que é tudo normal. “Se eu tivesse na Saúde, eu teria apertado a mão daqueles caras tudo”. Ou seja, para Bolsonaro, receber lobistas fora da agenda oficial e tentar atravessar o Instituto Butantan, representante exclusivo no Brasil, para superfaturar a vacina, é perfeitamente normal neste governo.
A empresa chinesa também rebateu o governo enviando uma nota onde reafirma que só quem fala em nome dala no Brasil é o Instituto Butantan. O Planalto já sabia disso. E, mesmo assim, tentou prejudicar o instituto e os cofres públicos.
Após a divulgação do vídeo, Dimas Covas, afirmou que ficou surpreso com tudo isso. “Eu tinha avisado várias vezes o governo federal que a CoronaVac somente seria comercializada no Brasil pelo Butantan”, afirmou. Ele lembrou, inclusive, que o instituto seria o fabricante do imunizante, inicialmente com o uso do IFA (Ingrediente Farmacológico Ativo) chinês, e depois, a produção da CoronaVac passaria a ser feita integralmente no Brasil em razão do contrato de transferência de tecnologia com a empresa chinesa.
NEGOCIATAS COM VACINAS
A CPI da Covid já havia levantado outras negociatas de integrantes do governo envolvendo atravessadores na compra de vacinas superfaturadas. A primeira foi a vacina indiana Covaxin, que tinha como lobista a empresa Precisa, uma firma que, com outro nome, já havia dado um golpe de R$ 20 milhões no Ministério da Saúde. O governo chegou a empenhar R$ 1,6 bilhão para o negócio da Covaxin. O roubo só não se concretizou porque o servidor de carreira do ministério da Saúde, Luis Ricardo Miranda, denunciou a tentativa de desvio de US$ 45 milhões para uma terceira empresa sediada num paraíso fiscal.
A segunda negociata foi a intermediação da empresa americana Davati que ofereceu 400 milhões de doses da vacina da AstraZêneca. Os lobistas da empresa se reuniram em fevereiro num shopping em Brasília com o diretor do departamento de logística do ministério da Saúde, Roberto Dias, homem de confiança do líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (PP-PR). Ali o diretor pediu propina no valor de um dólar por dose comprada. A propina seria de R$ 400 milhões. Com a divulgação do escândalo pelo cabo da PM de Minas, Luiz Paulo Dominguetti, na CPI, o negócio foi abortado e o diretor que pediu a propina foi exonerado do cargo.
O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), vice-presidente da CPI, afirmou que a comissão abriu a “caixa de pandora do governo”. “Estamos desvendando todos os esquemas de corrupção implementados pelo governo Bolsonaro”, observou. O governador de São Paulo, João Doria (PSDB) disse que a negociação “é uma verdadeira vergonha nacional”. “Enquanto trabalhávamos para viabilizar a Coronavac de forma segura e com preço justo para os brasileiros, o ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, em nome do governo Bolsonaro, negava a vacina e superfaturava seu preço nos bastidores”, acrescentou João Doria.