
Texto vai ao exame do Senado. Oposição denunciou, além das pedaladas, o fato de que a “folga fiscal” vai deixar cerca 25 milhões de brasileiros sem nenhum auxílio – o pretexto utilizado pelo governo para sustentar a emenda constitucional – e permitir o uso descabido de emendas parlamentares para favorecer o governo Bolsonaro
A maioria dos deputados federais — por 323 a 172 e 1 abstenção — aprovou, em 2º turno, a PEC dos Precatórios (PEC 23/21).
Antes, o plenário da Câmara aprovou requerimento para dispensar o cumprimento do intervalo regimental para concluir a votação ainda nesta terça-feira (9).
Em seguida, os deputados votaram e rejeitaram quatros destaques para votação em separado, que foram rejeitados.
O texto agora vai ao exame do Senado Federal. Antes de ir a votos no plenário, em dois turnos, que para aprovar a matéria necessita de no mínimo 41 votos, vai ser debatida pela CCJ (Comissão de Constituição e Justiça).
Nas votações em 1º turno, o plenário rejeitou 7 dos 8 destaques apresentados pelos partidos na tentativa de mudar trechos do texto do relator Hugo Motta (Republicanos-PB), aprovado na madrugada da última quinta-feira (4).
Precatórios são dívidas do governo com sentença judicial transitada em julgado (definitiva), podendo ser em relação a questões tributárias, salariais ou qualquer outra causa em que o poder público seja o derrotado.
Ou seja, a PEC permite que o governo promova as chamadas “pedaladas” para não honrar direitos adquiridos e transitados em todas as instâncias da Justiça, depois de muitos anos, inclusive com aposentados e pensionistas.
OPOSIÇÃO DENUNCIA PROPOSTA DO GOVERNO

Ao se pronunciar na segunda fase de votação da proposta, o líder do PDT, deputado Wolney Queiroz (PE), reformulou o encaminhamento do voto: “nós da bancada do PDT encaminhamos essa matéria favoravelmente na semana passada. Fizemos internamente um debate profundo, maduro, cuidadoso e avaliamos os pedidos que recebemos dos nossos prefeitos dos diversos Estados, que precisavam financiar suas dívidas previdenciárias. Recebemos a mensagem e o apelo de alguns governadores do nosso campo político, os quais precisavam securitizar suas dívidas”, explicou.
“Recebemos também as demandas daqueles que precisavam receber esse auxílio emergencial e achavam que esse caminho da aprovação da PEC seria o único possível e, portanto, clamavam para que o partido votasse a favor. Mas encontramos um obstáculo quase intransponível, que era a questão dos professores que contavam com os precatórios dos Fundef. E o PDT é o partido da educação e não poderia, jamais, faltar com os professores”.

“É importante destacarmos que, quando aprovamos o teto de gastos nesta Casa, previmos 10 anos para fazer a revisão de valores. Acho até que a revisão de valores pode ser discutida, porque existe uma mudança efetiva de valores, o orçamento modifica; porém, não pontualmente, como neste tema. Por isso, o Cidadania orienta o voto ‘não’” à PEC dos Precatórios, disse o líder do Cidadania Alex Manente (SP).
No 2º turno, o PCdoB reafirmou o voto “não”, contrário à proposição, “porque ela é inconstitucional, fere direitos adquiridos, fere o transitado em julgado e fere direitos dos professores e das professoras e de milhões de brasileiros que têm precatórios a receber”, disse o líder da bancada Renildo Calheiros (PE).

O PSol orientou o voto “não”, encaminhou a líder, deputada Talíria Petrone (RJ). “Aproveito para dizer que não é verdade que a decisão do Supremo interfere na atribuição do Legislativo, até porque o ‘orçamento secreto’ é uma vergonha para a democracia. Como o próprio voto da ministra Cármen Lúcia apontou, a cooptação de apoio com emendas — abro aspas — ‘põe em risco o sistema democrático’. E, sim, é papel do Supremo interferir quando há o rompimento do sistema democrático”, acrescentou.
Ao encaminhar voto contrário à proposta, o líder do PT, deputado Bohn Gass (RS) delineou as mazelas do governo. “Primeiro, quando os colegas deputados sobem à tribuna para dizer que é para ajudar os pobres, eu lembro que o governo Bolsonaro que vocês defendem não vai mais permitir comprar carne”.
Acrescentou: “Vai-se ao açougue para pegar osso, porque agora tem osso de primeira e osso de segunda, e aqueles que usavam o ovo para substituir a carne já estão pensando o que irão fazer, porque o ovo também já ficou mais caro, por conta de uma política desastrosa que vocês defendem do Paulo Guedes e do Bolsonaro. Ou eu estou mentindo e inventando aqui?”.
MUDANÇAS PROMOVEM RETROCESSOS NO PROGRAMA EMERGENCIAL

A proposta limita o valor de despesas anuais com precatórios, corrige os valores exclusivamente pela Taxa Selic e muda a forma de calcular o teto de gastos.
Com o limite, em 2022 o governo poderá pagar cerca de R$ 44,5 bilhões em vez dos R$ 89,1 bilhões previstos. Outros R$ 47 bilhões de folga orçamentária serão abertos com a mudança no cálculo da correção do teto de gastos.
Desse modo, abre folga fiscal no Orçamento para pagar o que batizou de Auxílio Brasil, que rebatiza e extingue o Programa Bolsa Família, com valor de R$ 400. O valor é mais que o dobro do PBF, todavia, vai atender por apenas 1 ano, menos que a metade do que atendia o programa que ora extingue.
No entanto, além da extinção do Bolsa Família, os valores previstos no novo programa são, em média, inferiores, e o que é mais grave: deixará de fora cerca de 25 milhões de brasileiros, que, a partir de agora, não contarão com um único centavo do governo, sequer para comer.
Os oposicionistas também acusaram o governo de utilizar o auxílio emergencial como pretexto para aprovar a PEC, como se não existissem outras alternativas de financiamento do programa. Vários parlamentares lembraram de outras medidas que poderiam solucionar a questão como o corte de 15% dos incentivos fiscais (receita potencial de até R$ 45 bi), imposto de lucros e dividendos (R$ 40 bi), corte em despesas discricionárias (R$ 12,8 bi) e fim da pejotização (R$ 18 bi). A soma desses valores supera em muito o espaço fiscal previsto na PEC.
EDUCAÇÃO RECEBERÁ EM TRÊS PARCELAS
De acordo com o texto chancelado, os precatórios para o pagamento de dívidas da União relativas ao antigo Fundef (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério) deverão ser quitados com prioridade em três anos: 40% no primeiro ano e 30% em cada um dos dois anos seguintes.
Essa prioridade não valerá apenas contra os pagamentos para idosos, pessoas com deficiência e portadores de doença grave.
ESTADOS E MUNICÍPIOS FICAM DE PIRES NA MÃO
A oposição também denunciou que, assim como na questão dos auxílios, o escalonamento que o governo propõe aos estados e municípios é uma medida demagógica que não resolve o problema do financiamento deles no longo prazo. O governo quer deixar os entes federativos de penico na mão para submetê-los politicamente, no lugar de criar financiamento perene para que os estados possam arcar com suas responsabilidades fiscais.
REGRA DE OURO
A única mudança no texto, feita com aprovação de destaque do Novo, retirou a permissão para o governo contornar a chamada regra de ouro por meio da lei orçamentária.
Eram necessários 308 votos, no mínimo, para manter o texto, mas a base aliada obteve apenas 303 votos. Outros 167 deputados votaram a favor da exclusão do dispositivo.
A chamada “regra de ouro” proíbe a realização de operações de crédito (emissão de títulos públicos) em montante maior que as despesas de capital (investimentos e amortizações de dívida).
Atualmente, essa só pode ser contornada por meio de créditos suplementares ou especiais com finalidade específica e aprovados em sessão conjunta do Congresso por maioria absoluta — pelo menos 257 deputados e 41 senadores.
DECISÃO DO SUPREMO
Os debates e votações transcorriam quando os deputados ficaram sabendo do resultado da decisão do Supremo em relação às “emendas de relator” ou “orçamento secreto”.
Vários parlamentares, principalmente da oposição, destacaram a decisão dos ministros da suprema Corte como algo que assegura a “transparência” na aplicação das emendas parlamentares, hoje o principal instrumento do toma-lá-dá-cá que Bolsonaro utiliza para garantir maioria nas votações legislativas e favorecer alguns deputados em suas pretensões reeleitorais e interesses muitas vezes nada republicanos.
Até agora, por 6 a 1, os ministros do STF formaram maioria, nesta terça-feira, para confirmar a decisão provisória da ministra Rosa Weber que suspendeu as emendas de relator, conhecidas como “orçamento secreto”. A votação continua até as 23h59 desta quarta-feira (10), no plenário virtual.
Até o fim do prazo, os ministros ainda podem alterar os posicionamentos, pedir vista (mais tempo para análise) ou pedir destaque do tema para o plenário físico. Se houver pedido de vista ou destaque, vai ser preciso marcar nova data para retomar a análise.