
Marina Lacerda participou de ato em frente ao Congresso dos EUA em apoio a um projeto de lei que torna obrigatória a divulgação dos documentos em posse do FBI e do Departamento de Justiça
Marina Lacerda, a brasileira que foi uma das vítimas do bilionário e especulador Jeffrey Epstein nos Estados Unidos, em entrevista à rede norte-americana ABC News deu detalhes sobre os anos em que ela fez parte de uma rede de meninas forçadas a abusos sexuais na mansão do pedófilo.
Na quarta-feira (3), em um ato na frente do Congresso dos EUA pela divulgação dos arquivos do caso e contra a impunidade dos “clientes” de Epstein, Marina afirmou que os abusos aconteceram quando ela tinha “apenas 14 anos”.
Considerado o mais notório pedófilo dos Estados Unidos, com vínculos com magnatas e figurões da política, como Bill Clinton e Donald Trump, Epstein apareceu morto em 2019 na prisão, o que foi oficialmente dito “suicídio” mas amplamente percebido como uma queima de arquivo.
A divulgação dos assim chamados “arquivos de Epstein” foi uma das principais promessas de campanha de Trump, já abandonada.
A casa de Epstein “era uma porta giratória”, disse Marina. “Sempre tinha garotas. Se ele estava em Nova York, passava uma semana inteira com o máximo de garotas possível. Eu diria que ele tinha encontros com umas cinco a oito mulheres, talvez até mais, talvez até dez mulheres por dia”, relatou a brasileira.
REDE DE ABUSOS
À ABC New ela contou que foi chamada para fazer massagens, mas terminou envolvida na rede de abuso de menores. “Eu não esperava o que aconteceria naquele dia (…), porque com Jeffrey Epstein, tínhamos que fazer sexo, querendo ou não”.
Marina Lacerda foi peça-chave para o julgamento de Epstein, que acabou condenado em 2019 por tráfico sexual de menores. Segundo a ABC News, as evidências fornecidas por ela deram aos promotores do caso “evidências essenciais” que levaram à acusação e posterior condenação do financista.
Na entrevista, Marina disse ter acreditado que poderia receber uma proposta de emprego de Epstein que poderia mudar a vida dela e da família para melhor. “Eu pensava que, se eu apenas jogasse o jogo, não seria mais só essa imigrante do Brasil, e teria algo a esperar do futuro”, contou.
Segundo ela, os abusos duraram três anos. Marina relatou que, aos 17 anos, o bilionário começou a perder o interesse por ela por ficar “velha demais”.
Hoje com 37 anos, Marina participou de uma coletiva de imprensa organizada pelos deputados Thomas Massie, republicano, e Ro Khanna, democrata, que juntos tentam pautar no Congresso a votação de um projeto que obrigue à divulgação de todos os documentos em poder do FBI ou do Departamento de Justiça.
ALICIAMENTO
A brasileira disse que conheceu Epstein em 2002, e que, à época, havia acabado de se mudar para os EUA com a mãe e a irmã. As três dividiam um quarto no bairro do Queens, em Nova York e ela trabalhava em três empregos para ajudar a família.
Então, uma amiga do bairro lhe disse que poderia “ganhar US$ 300 para dar uma massagem em um cara mais velho”. “Isso passou de um emprego dos sonhos para o pior pesadelo.”
Ela contou também que chegou a ser procurada pelo FBI em 2008, mas não foi ouvida pela Justiça porque Epstein havia obtido um acordo judicial como forma de abafar o escândalo. Marina só pôde depor sobre o caso 11 anos depois, quando o caso foi reaberto.
“Como imigrante do Brasil, eu me sinto fortalecida em saber que a garotinha que lutava para sobreviver aos 14 e 15 anos finalmente tem uma voz”, ela disse na quarta-feira.
Entre 2002 e 2005, Epstein foi acusado de aliciar dezenas de meninas menores de idade para encontros sexuais em suas mansões, uma “pirâmide sexual”, como a chamou uma procuradora. Ele tinha um avião a jato, conhecido como Lolita Express, cuja lista de passageiros é um quem-é-quem das altas rodas. Também tinha uma mansão na “Ilha Pedo” no Caribe, em Palm Beach e em Manhattan.
Segundo a professora e ativista Hannah Dickinson, em entrevista ao programa Loud and Clear da Radio Sputnik-EUA, Epstein escolhia como presas “meninas de baixa renda”, incluindo “meninas que estavam desabrigadas, em lares adotivos ou não, que não tinham um sistema de apoio estável de pessoas para vir em seu auxílio”.
Epstein não apenas abusava das menores, como as traficava com outros integrantes dos círculos pedófilos na elite dos EUA e até do exterior, como o conhecido caso do príncipe britânico Edwards.
“IMUNIDADE AOS POSSÍVEIS CO-PEDÓFILOS”
Em 2008, com o FBI em posse de 53 páginas de crimes, Epstein se safou de uma pena de prisão perpétua, confessando um crime menor (prostituição), cumprindo apenas 13 meses, com permissão para sair da prisão todos os dias supostamente para “trabalhar” e pernoitando em uma ala especialmente aprontada para ele em Palm Beach.
Mas o mais escandaloso é que, no acordo judicial, ele obteve sigilo sobre tudo. Era concedida imunidade a “quaisquer possíveis co-conspiradores”, no presente ou no futuro. Uma cláusula impedia as vítimas e o público de acessarem os documentos do caso. As mais de 30 acusadoras de Epstein – a maioria, menores na época da ofensa – não foram informadas sobre os termos do acordo.
“PERVERSÃO DA JUSTIÇA”
Em 2019, o caso voltou à tona, quando autoridades federais consideraram o acordo inválido e determinaram a prisão do bilionário por tráfico sexual. A casa caiu quando a jornalista Julie Brown, pelo Miami Herald, em 2018, investigou o que tinha acontecido com aquelas vítimas de Epstein de 2005, sob o título “Perversão da Justiça”.
A ela, uma das vítimas, Courtney Wild, então com 31 anos e que tinha 14 anos quando sofreu o abuso, disse que assim que o acordo foi assinado com os procuradores de Miami, “eles silenciaram minha voz e a voz de todas as outras vítimas de Jeffrey Epstein“.
Em 2005, o que desencadeara a investigação foi a denúncia de pais à polícia da Flórida de que sua filha de 14 anos tinha sido abusada sexualmente por Epstein na sua mansão em Palm Beach. A menina contou o ocorrido e identificou outras duas menores que estavam na casa naquele mesmo dia, que por sua vez identificaram outras. Três dezenas de possíveis vítimas foram identificadas. A maioria, segundo o Miami Herald, de áreas pobres.
Em depoimento em 2015, outra vítima descreveu ter sido traficada por Epstein “para fins sexuais para muitos outros homens poderosos, incluindo político e executivos de negócios poderosos”. “Epstein exigiu que eu descrevesse os eventos sexuais que tive com esses homens, presumivelmente para que ele pudesse chantágea-los”, acrescentou.
A repercussão da denúncia do Miami Herald levou um juiz de Miami a cancelar o acordo secreto, por violar os direitos das vítimas. Promotores de Nova Iorque retomaram o caso fazendo uma busca na mansão de Epstein em Manhattan, onde encontraram um cofre entupido de fotos sensuais – ou nuas – de meninas menores.
OMERTÁ
Após ser indiciado e ter negada a fiança, o bilionário foi para a prisão – e em poucos dias estava morto.
Em fevereiro, alguns documentos sobre o caso Epstein chegaram a ser publicados pelo governo e a chefe do Departamento de Justiça de Trump, Pam Bondi, chegou a dizer que a “lista dos clientes” já estava sobre a sua mesa. Em um desses arquivos, o nome de Trump aparece ao lado de outras pessoas em registros de voos ligados ao bilionário.
Posteriormente viralizaram nas redes fotos de “best friends” de Trump e Epstein. Em julho, o Wall Street Journal publicou uma dedicatória de Trump para Epstein quando este completou 50 anos. The New York Times, por sua vez, afirmou que Trump montou uma festa privé em sua mansão com adolescentes e um único convidado, Epstein.
Aí a maré virou. O Departamento de Justiça dos Estados Unidos informou que não existe nenhuma lista de clientes nos documentos relacionados à investigação. O próprio Trump passou a afirmar que tal documento é uma farsa.
O cavalo de pau nessa questão gerou perplexidade na base trumpista, com muitos se sentindo ludibriados, enquanto o clamor pela verdade não para de crescer.
Segundo uma pesquisa nacional da Universidade de Massachusetts Amhrest, de agosto, 7 em cada 10 norte-americanos consideram que Trump “não está respondendo bem” à questão – o que inclui a base de Trump: 43% dos republicanos, 43% dos conservadores e 47% dos que votaram nele em 2024.
CRIA DO BEAR STEARNS
Epstein, um ex-professor que nos anos 1970 conseguiu ingressar como operador do Bear Sterns e se especializou em lidar com bilionários, e nesse sombrio processo também se tornou um, segundo denúncias tinha vínculos com o Mossad, e sua “pirâmide sexual” serviria também para chantagear, quando necessário, os “clientes”.
Sua parceira nessas tenebrosas operações, Ghislaine Maxwell, por sua vez, era filha de um conhecido ativo do Mossad nas altas rodas londrinas. Após a publicação das declarações comprometedoras e fotos de Trump com Epstein, ela foi transferida para uma verdadeira colônia de férias penal e insiste em ser indultada pelo presidente dos EUA.
De acordo com o Business Insider, Epstein também esteve envolvido no caso do colapso do Bear Stearns no crash de 2008 e foi considerado testemunha chave no processo criminal contra dois proeminentes executivos que administravam um fundo de hedge de que o bilionário era um dos maiores investidores. Os dois executivos foram depois absolvidos, conforme a ‘jurisprudência Holder’ do governo Obama de “nenhum banqueiro ladrão na cadeia”.