Com manutenção dos juros estratosféricos, elevada inadimplência e arrocho no crédito, ano pode encerrar com mais de 1000 pedidos de recuperação e falências, estima economista da Serasa
Os números de pedidos de recuperações judiciais e de falências de empresas explodiram no primeiro trimestre do ano, como reflexo do cenário de altos juros e demanda deprimida. Frente ao mesmo período de 2022, os pedidos de recuperação judicial saltaram 37,6%, enquanto para falências, o aumento foi de 44,1%. Os dados são do Serasa Experian, antecipados para reportagem do Valor Econômico.
A partir das tendências de março, a expectativa do Serasa é que o movimento de empresas em crise financeira continue: no mês passado, os pedidos de recuperação tiveram aumento anual de 6,8% e de falências, de 40,6%.
Um ponto de atenção é também a grande expansão dos pedidos de recuperação que acontecem por fora da judicialização, ou seja, sendo acordadas diretamente entre credores e devedores. De acordo com a pesquisa, as solicitações extrajudiciais aumentaram espantosos 900% no primeiro trimestre, enquanto as homologações dos processos cresceram 750%.
O movimento atinge empresas de todos os portes: o aumento anual de solicitações de recuperações entre as micro e pequenas empresas foi de 44,8%. Para as médias, o índice chegou a 9%. E no caso das grandes companhias, os pedidos subiram 94,44% – entre essas, estão os casos estampados em manchetes, como a Americanas, Grupo Petrópolis, Tokstok e Oi.
“Tivemos desde setembro de 2021 o início de uma tendência de crescimento da inadimplência”, afirmou o economista-chefe da Serasa, Luiz Rabi. “Atravessamos 2022 com curva ascendente em praticamente todos os meses, com a taxa de inadimplência crescendo por praticamente 15 meses seguidos. Era natural que em algum momento esse cenário levasse a uma situação de insolvência, que é o que está acontecendo”, disse ao Valor. Segundo Rabi, este ano “deve encostar nos mil ou acima de mil RJs”
JUROS ALTOS E INSOLVÊNCIA
As consequências de se praticar os juros reais mais altos do mundo é aumentar drasticamente o endividamento de empresas que precisam de crédito para investir, ao mesmo tempo que a demanda, reprimida pelas rendas achatadas – e também pelos juros altos – não consome.
Com a manifestação do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, de que os juros continuaram elevados por tempo prolongado e a taxa Selic não cairá antes de setembro, Rafael Ciampone, da Boa Vista, sinaliza que apenas um corte drástico na taxa básica de juros [Selic] mudaria o cenário para este ano. “Nosso cenário-base é de queda da taxa de juros básica [no segundo semestre], mas mesmo assim serão cortes pequenos, sobretudo neste ano. A Selic é componente muito forte da taxa de juros final para as empresas, então teremos um cenário ainda difícil até o fim do ano”, avaliou Ciampone.
O sócio da MGC, especializada em recuperação de crédito, Eduardo Martins, completa que, com a Selic em 13,75% ao ano, o custo das dívidas supera 20% anuais. “Uma vez que toda operação de crédito [para pessoa jurídica] é tomada com base no CDI, o encargo está na estratosfera”.
Segundo Salvatore Milanese, da Pantalica, especialista em recuperação de empresas, além de os bancos cobrarem garantias absurdas para conceder crédito, a prática de juros altos torna suas operações praticamente inviáveis. “Para pegar 10 milhões de linha, por exemplo, tem de deixar R$ 30 milhões em garantias”, exemplifica. “E não obstante as garantias, as empresas pagam taxas de juros elevadas, então acho que muitas companhias, simplesmente, não vão ter como adimplir as obrigações”, declarou ao Valor. “As empresas estão sofrendo por conta do juro alto, inflação e menor capacidade de gerar lucro para pagar obrigações”, completou.