
O desembargador Valdir Florindo, presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT2), condenou, em sessão plenária do último dia 28 de abril, os ataques contra a Justiça do Trabalho, com a recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de suspender os processos que analisam casos de “pejotização”.
“A pejotização aqui, em verdade, não é essa relação entre pessoas jurídicas que tanto afirmam. É neologismo que representa a tentativa de dissimulação de verdadeiros vínculos de emprego, negando direitos sociais em nome de uma suposta nova forma de trabalho. A suspensão nacional de processos, sob argumento da segurança jurídica, gera, paradoxalmente, insegurança social”, afirma o desembargador.
Leia, a seguir, a íntegra do discurso:
“Senhoras e senhores. Desembargadores, magistrados, servidores, advogados, representantes da sociedade civil e todos os que nos acompanham neste momento. Eu dirijo-me hoje a esta Corte, em sessão plenária, para reafirmar valores que nos são caros e que fundamentam a razão de ser da Justiça do Trabalho e do Direito do Trabalho no Brasil.
Todos os dias, ao julgarmos os litígios que nos são confiados, lidamos com valores. Não apenas com valores monetários, como poderiam sugerir à primeira vista o resultado econômico de muitas de nossas decisões. Nossa atuação vai muito além. A Justiça do Trabalho tutela diretamente direitos fundamentais: a isonomia e a igualdade de oportunidades, a liberdade – do combate ao trabalho escravo à garantia de liberdade de associação –, a saúde e a segurança do trabalho, por meio de tutelas de urgência que protegem a vida e a integridade física do trabalhador, entre diversos outros exemplos de amplo conhecimento.
Contudo, mesmo quando a decisão judicial determina a reparação pecuniária, cada valor fixado expressa, na verdade, o reconhecimento de um direito violado. Assim, se a Justiça do Trabalho recebe mais de quatro milhões de processos por ano, não é porque há muitos direitos trabalhistas, mas sim porque, infelizmente, ainda há muita violação de tais direitos.
E não se procura uma instituição na qual não se confia. Daí a nossa importância, que é inarredável.
Nós protegemos, diuturnamente, bens jurídicos de valor inestimável, que sustentam a democracia e garantem a dignidade da pessoa humana. A Justiça do Trabalho, cumpre dizer, não concede direitos. Faz cumprir as leis e assegura esses direitos – diga-se de passagem, plenamente vigentes. Entretanto, a conjuntura atual revela desafios institucionais que nós não podemos ignorar.
Em decisões recentes, a competência da Justiça do Trabalho vem sendo questionada e, por vezes, restringida. A mais recente determinação de suspensão nacional dos processos que discutem a chamada pejotização revela essa tendência. A Justiça do Trabalho, especialista que é na matéria, não confunde pejotização com terceirização. Fenômenos distintos, como sabemos. A pejotização aqui, em verdade, não é essa relação entre pessoas jurídicas que tanto afirmam. É neologismo que representa a tentativa de dissimulação de verdadeiros vínculos de emprego, negando direitos sociais em nome de uma suposta nova forma de trabalho. A suspensão nacional de processos, sob argumento da segurança jurídica, gera, paradoxalmente, insegurança social. Data venia.
A Justiça do Trabalho não se limita a examinar a formalidade de contratos, rótulos e protocolos burocráticos. Absolutamente! Com fundamento em um dos princípios mais caros ao Direito do Trabalho, o da primazia da realidade, analisamos a substância das relações e aplicamos a lei, atendendo aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum, como dispõe o artigo 5º da Lei Introdução ao Direito Brasileiro. Aliás, não só para a Justiça do Trabalho, mas para todos os juízes e tribunais brasileiros.
É certo que a decisão judicial se cumpre. Claro, se cumpre. Mas a Constituição e as leis também se cumprem. Cumpre-se o artigo 1º, inciso IV da Constituição, que coloca os valores sociais do trabalho como um dos fundamentos da República. Cumpre-se o artigo 9º da CLT, em plena vigência, que declara nulos os contratos que visem fraudar a legislação trabalhista.
Defender o Direito do Trabalho e a missão da Justiça do Trabalho é, portanto, ato de defesa da Constituição, da democracia e da dignidade do ser humano.
A história nos ensina que a Justiça do Trabalho sempre enfrentou resistências. E o fizeram porque nossa missão sempre foi cumprida – e isso não é fácil –, mas cumprida com eficiência. Ninguém ataca instituições que não dão resultados. Nenhum inseto se guia para onde não há luz. Nascemos sob desconfiança, amadurecemos sob questionamentos e resistimos a todas as tentativas de diminuição e sempre vencemos.
Hoje vemos, com esperança, projetos em tramitação no Congresso Nacional que visam ampliar a nossa competência. E isso demonstra que a sociedade brasileira reconhece, no cotidiano de suas relações de trabalho, o valor da Justiça que entrega dignidade, proteção e segurança jurídica. Por isso não há espaço para desalento. Há espaço para a entrega de resultados, há espaço para a reafirmação. Reafirmação de que a dignidade, a igualdade, a liberdade, a inclusão e a Justiça são valores fundamentais e permanentes da nossa democracia e da nossa República.
Renovemos assim o nosso compromisso de sermos agentes da Justiça. Instrumentos para a concretização da Constituição. Sigamos firmes, serenos e convictos. O futuro só se constrói com respeito ao trabalho humano. E a Justiça do Trabalho é a instituição para assegurar sua proteção. A importância da Justiça do Trabalho não está somente na sua história de compromisso com a entrega da justiça social, mas sim da sua indispensabilidade. E por isso reafirmo: continuamos sendo indispensáveis! Muito obrigado.”