Na quarta-feira, o procurador geral Augusto Aras não encontrou quem redigisse seu pedido para que a investigação sobre as “fake news” fosse encerrada.
O pedido fora, na prática, ordenado a Aras por Bolsonaro – que nem teve a discrição de telefonar ou mandar um recado: foi lá, na Procuradoria Geral da República, ostensivamente, falar com Aras, como se o Ministério Público Federal fosse departamento de acoitamento dos seus aprochegados.
Na “Piauí”, escreve Malu Gaspar:
“No bojo desse inquérito, a Polícia Federal realizou, nesta quarta-feira (27), 29 ordens de busca e apreensão em endereços de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro. Inconformado, Aras pediu no mesmo dia a suspensão do inquérito ao STF, alegando que o MP não havia concordado com as buscas. A questão é que, no final de outubro de 2019, pouco depois de assumir o cargo, Aras havia sido favorável ao prosseguimento da investigação. Com isso, contrariou um parecer da antecessora, Raquel Dodge, que considerava inconstitucional o STF abrir um inquérito, investigar e ainda julgar o crime de que a própria Corte teria sido vítima. Nesse movimento, Aras não só legitimou a ação do STF, como passou a participar dela.
“(…) Na quarta-feira, nenhum dos procuradores que normalmente auxiliam Aras na redação de suas peças aceitou escrever a manifestação enviada ao Supremo pela suspensão das investigações. A tarefa coube a uma assessora jurídica do gabinete. ‘Ele teve a oportunidade de fazer o certo e não fez. E agora está fazendo o certo pelos motivos errados’, me disse um dos membros da categoria, ecoando a indignação reinante.
“(…) Nesta semana, depois que o jornal O Globo publicou que os procuradores enxergavam evidências de crime de responsabilidade de Bolsonaro nas falas do famigerado vídeo da reunião ministerial de 22 de abril, Aras os pressionou a assinar uma nota redigida pela Secretaria de Comunicação da PGR, contestando as informações da reportagem. Mais uma vez, os membros da equipe se recusaram a fazê-lo” (cf. Malu Gaspar, Rebelião contra Aras, Piauí, 28/05/2020).
PORNOFONIA
Não é para menos.
No seu agora já costumeiro espetáculo à porta do Alvorada, na quinta-feira, 28/05, Bolsonaro disse que “ontem foi o último dia. Acabou, porra! Repito, não teremos outro dia igual ontem. Chega. Chegamos no limite“.
A vocação e capacidade para a presepada, talvez sejam as únicas que Bolsonaro possui.
Bolsonaro referia-se às ações da Polícia Federal (PF), mencionadas acima, no dia anterior, autorizadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF), para investigar uma quadrilha que se dedica à divulgação de fake news, perpetrando crimes de injúria, difamação, calúnia e atentados contra as instituições democráticas.
Na decisão em que permitiu as ações da PF para “apreensão dos equipamentos de informática (hardwares) e realização de perícia nos mesmos e oitiva dos envolvidos“, o ministro Alexandre de Moraes transcreve uma série de produções industriais de sujeira, dessa quadrilha, a maioria delas, em seguida, espalhadas, com algumas variantes, por robôs pela Internet (“As postagens são inúmeras e reiteradas quase que diariamente. Há ainda indícios que essas postagens sejam disseminadas por intermédio de robôs para que atinjam números expressivos de leitores“).
Como grande parte delas é excessivamente pornográfica para serem reproduzidas em um jornal de respeito, como o nosso, nos limitamos a transcrever duas dessas produções excrementícias, citadas pelo ministro Alexandre de Moraes:
“Fui treinada na Ucrânia e digo: chegou a hora de ucranizar! (Perfil @_Sarawinter, 20 de abril de 2020).”
Ou seja, chegou a hora de instalar uma ditadura nazista no Brasil.
Outra:
“Bolsonaro tirou o namorado do Moro da PF pra finalmente aparelhar essa porra e pôr o Witzel e o Doria pra mamar, descumprir ordem do inquérito ilegal do STF e descobrir quem pagou o Adélio. A DITADURA TA CHEGANDO (Perfil @Lets_Dex, 24 de abril de 2020).”
E chega, leitoras. Podem imaginar o resto.
Mas não é algo inédito. Nem nisso, Bolsonaro e seus asseclas conseguem alguma originalidade.
Um dos criminosos nazistas enforcados em Nuremberg, Julius Streicher, dirigente do partido de Hitler, era pornógrafo “profissional” (assim como existe o cafetão “profissional”).
Pois é essa pornografia, importada e adaptada agora pelos seus sequazes, mas continuada totalmente nazista, que Bolsonaro chamou de exercício da democracia, liberdade de expressão, etc., etc.
Literalmente:
“Obviamente, ordens absurdas não se cumprem. E nós temos que botar um limite nessas questões.”
Bolsonaro está falando de decisões judiciais do órgão máximo da Justiça brasileira, o STF, que tem, segundo a Constituição, a função de vigiar para que esta não seja transgredida ou rasgada ou arrastada na lama da porta de algum meretrício.
Na porta do Alvorada, entretanto, continuou Bolsonaro:
“Ninguém mais do que eu, cada vez mais, tem demonstrado que tem um compromisso com a democracia e com a liberdade.”
Está se vendo:
“Agora, as coisas têm um limite. Ontem foi o último dia. Acabou, porra! Me desculpem o desabafo. Acabou! Não dá para admitir mais atitudes de certas pessoas individuais, tomando de forma quase que pessoal certas ações.”
“Atitudes de certas pessoas individuais”?
“Tomando de forma quase que pessoal certas ações”?
Caramba! O Bolsonaro encontrou a si próprio! Deve estar falando para o espelho.
Mas… quase. Ou, melhor, “quase” – aquele “quase” de “tomando de forma quase que pessoal certas ações”.
Mas é habitual que fascistas falem para um espelho desfocado, quando acusam e difamam quem não se submete a eles.
“Respeito o Supremo Tribunal Federal, respeito o Congresso Nacional. Mas, para esse respeito continuar sendo oferecido da minha parte, tem que respeitar o Poder Executivo também”.
O Poder Executivo, segundo Bolsonaro, tem até nome – e nasceu lá em Campinas: Jair Bolsonaro.
Porém, mesmo ele não sendo o Poder Executivo – mas é chefe dele – não está sendo desrespeitado. A questão é a inversa: ele é que não se dá ao respeito, com a sua falta de limite. Para ele, governar é não respeitar, não ter qualquer limite para destruir quem discorde dele.
Como isso não é compatível com o país – isto é, com a democracia – resta-lhe o estrebucho na porta do Alvorada, quando a lama da quadrilha bolsonarista é descoberta e colocada a nu.
“O objetivo dessa ação é atingir quem me apoia. Se eu tivesse feito algo contra a esquerda, estariam dando pancada em mim. Querem tirar a mídia que eu tenho a meu favor, sob o argumento mentiroso de fake news”.
Se o que ele tem a seu favor é esse fedor de esgoto prostibular, o que se pode fazer?
Deixar que ele asfixie o país? Com meia dúzia de pervertidos fabricando fake news?
“Repito, não teremos outro dia igual ontem. Chega. Chegamos no limite. Estou com as armas da democracia na mão. Eu honro os meus compromissos no juramento que fiz quando assumi a presidência da República.”
Hum… Será que são precisos comentários adicionais sobre o que é a honra ou honradez em torno de Bolsonaro, depois do depoimento do ex-ministro Moro?
Ou sobre o histrionismo das sessões na porta do Alvorada?
Pois, talvez bastasse o estilo pornográfico do próprio Bolsonaro – inclusive o uso da calúnia, da difamação e da injúria – para mostrar que essa presepada apenas serviu para ligá-lo a essa quadrilha (de quem ele mesmo é o beneficiário de seus crimes).
Mas até esse esforço é dispensável: quem está dizendo que essa quadrilha, com os seus crimes, é a sua, é ele mesmo.
Que crimes?
CHAVASCAL
Todo o material exposto pelo ministro Alexandre de Moraes em sua decisão, mostra a perpetração de, pelo menos, oito crimes previstos no Código Penal e na Lei de Segurança Nacional:
1) “Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime” (artigo 138 do Código Penal);
2) “Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação” (artigo 139 do Código Penal);
3) “Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro” (artigo 140 do Código Penal);
4) “Associação criminosa”, isto é, formação de quadrilha (artigo 288 do Código Penal);
5) “Tentar impedir, com emprego de violência ou grave ameaça, o livre exercício de qualquer dos Poderes da União ou dos Estados” (artigo 18 da Lei de Segurança Nacional – Lei nº 7.170/1983);
6) “Fazer, em público, propaganda: I – de processos violentos ou ilegais para alteração da ordem política ou social; II – de discriminação racial, de luta pela violência entre as classes sociais, de perseguição religiosa; III – de guerra; IV – de qualquer dos crimes previstos nesta Lei” (artigo 22 da Lei de Segurança Nacional – Lei nº 7.170/1983);
7) “Incitar: I – à subversão da ordem política ou social; II – à animosidade entre as Forças Armadas ou entre estas e as classes sociais ou as instituições civis; III – à luta com violência entre as classes sociais; IV – à prática de qualquer dos crimes previstos nesta Lei” (artigo 23 da Lei de Segurança Nacional – Lei nº 7.170/1983);
8) “Caluniar ou difamar o Presidente da República, o do Senado Federal, o da Câmara dos Deputados ou o do Supremo Tribunal Federal, imputando-lhes fato definido como crime ou fato ofensivo à reputação. Parágrafo único – Na mesma pena [reclusão, de 1 a 4 anos] incorre quem, conhecendo o caráter ilícito da imputação, a propala ou divulga” (artigo 26 da Lei de Segurança Nacional – Lei nº 7.170/1983).
Além dessa lista, do ministro Alexandre de Moraes, acrescentaremos mais três crimes:
9) “incitação ao crime” (artigo 286 do Código Penal);
10) “apologia ao crime” (artigo 287 do Código Penal);
11) “crime contra a ordem constitucional e o Estado democrático” (artigo 5º, inciso XLIV, da Constituição do Brasil).
E nem falemos da Lei nº 1.802/1953, que definiu os crimes contra o Estado e a Ordem Política e Social. Vai ser difícil encontrar, nela, algum dispositivo em que a quadrilha bolsonarista não esteja incursa.
ENREDADOS
Somente para resumir a fundamentação do ministro Alexandre de Moraes:
“… recaem sobre os indivíduos aqui identificados sérias suspeitas de que integrariam esse complexo esquema de disseminação de notícias falsas por intermédio de publicações em redes sociais, atingindo um público diário de milhões de pessoas, expondo a perigo de lesão, com suas notícias ofensivas e fraudulentas, a independência dos poderes e o Estado de Direito.
“Relatório técnico pericial, constatou a existência de um mecanismo coordenado de criação e divulgação das referidas mensagens entre os investigados, conforme se verifica a seguir:
“Utilizando a ferramenta de busca avançada da rede social Twitter, foram realizadas pesquisas por publicações (posts) contendo pelo menos um dos termos (palavras-chave): #impeachmentgilmarmendes, #STFVergonhaNacional, #STFEscritoriodocrime, #hienasdetoga, #forastf, #lavatoga, STF, SUPREMO, IMPEACHMENT, toffoli ou gilmar. Especialmente no período entre 07/11/2019 e 19/11/2019.
“As pesquisas resultaram em onze (perfis) da rede social Twitter, cujas publicações em questão foram transcritas nos anexos 1 a 11, conforme detalhado na tabela a seguir:
O mais interessante é o que vem a seguir: qualquer que seja o perfil de partida, a linha de chegada é sempre nos outros mesmos perfis.
Isto é, há uma trama de seguidores uns dos outros, para impor a manipulação de seguidores que não pertencem ao esquema.
A partir daí, invade-se as redes sociais de quem não é seguidor.
Essa invasão de milhões, invadindo as redes sociais das pessoas normais, é por conta, sobretudo, dos robôs.
Por exemplo, vejamos alguns dos 11 perfis da quadrilha bolsonarista:
1) Perfil @allantercalivre
2) Perfil @Bolsoneas
3) Perfil @carteiroreaca
4) Perfil @criticanac
5) Perfil @FilipeBarrosT
6) Perfil @Lets_Dex
7) Perfil @oofaka
8) Perfil @PATRIOTAS
9) Perfil @taoquei1
Desse núcleo participavam as deputadas federais Bia Kicis e Carla Zambelli; os deputados federais Daniel da Silveira, Filipe Barros, Cabo Junio Amaral e Luiz Phillipe Orleans e Bragança; e os deputados estaduais Douglas Garcia e Gil Diniz, o “carteiro reaça”.
MODUS OPERANDI
Assim age a marginália bolsonarista.
O ministro Alexandre de Moraes transcreve trechos do laudo realizado pelos peritos da Polícia Federal (PF):
“Conforme apresentado anteriormente, os perfis influenciadores iniciam os ataques selecionando um tema, por exemplo, o Impeachment de membros do STF.
“Nesta etapa inicial estes perfis não necessariamente utilizam uma hashtag [no Twitter] para disseminar o ataque escolhido, valendo-se muitas vezes de seus seguidores (followers) para ‘criar’ uma hashtag e impulsionar este ataque.
“Desta forma, os perfis influenciadores não apareceriam como criadores da hashtag que simboliza o ataque” (grifo nosso).
Por exemplo:
1) “… os perfis influenciadores identificados, iniciaram seus ataques a partir do dia 07/11/2019, declarando que o STF é uma vergonha e clamando por pedidos de impeachment de seus membros, sem necessariamente utilizar a hashtag #ImpeachmentGilmarMendes” (grifo nosso).
Eles identificavam Gilmar Mendes como uma espécie de calcanhar de Aquiles do STF, mas não queriam, no início, dar a impressão que atiravam em Gilmar apenas para atingir os outros ministros – o que era exatamente o que estavam fazendo. Por isso, a hashtag somente aparece depois. Continuemos com o laudo da PF:
2) “Em seguida, [estimulam] seus seguidores a compartilhar e comentar estas publicações, introduzindo a hashtag em questão”.
3) “Finalmente, no dia 11 de novembro de 2019, 10 (dez) destes perfis influenciadores adotam a hashtag #ImpeachmentGilmarMendes neste mesmo dia, de forma aparentemente coordenada, impulsionando ainda mais a adoção desta hashtag por seus seguidores de forma que esta alcançasse o ‘Trend Topics’ da rede social Twitter (grifo nosso).
4) “Uma vez que uma hashtag alcança o ‘Trend Topics’, sua visualização é ampliada significativamente para fora da ‘bolha’, alcançando muitos outros usuários, que não são seguidores dos influenciadores iniciais”.
Com essas provas, o ministro Alexandre de Moraes determinou a busca e apreensão na casa e trabalho dos suspeitos: Allan Lopes dos Santos, Luciano Hang, Bernardo Pires Kuster, Edson Pires Salomão, Eduardo Fabris Portella, Enzo Leonardo Suzi Momenti, Marcelo Stachin, Marcos Dominguez Bellizia, Rafael Moreno, Paulo Gonçalves Bezerra, Rodrigo Barbosa Ribeiro, Sara Fernanda Giromini, Edgard Gomes Corona, Otavio Oscar Fakhoury, Reynaldo Bianchi Junior, Winston Rodrigues Lima.
Além disso, o STF quebrou o sigilo fiscal e bancário dos supostos financiadores do esquema ilegal: Edgard Gomes Corona, Luciano Hang, Reynaldo Bianchi Junior e Winston Rodrigues Lima.
O ministro determinou, também, a convocação, para depoimento na PF, das deputadas e deputados envolvidos.
CARLOS LOPES
Toda essa quadrilha tem que ser punida pelos crimes cometidos, o Bolsonaro não pode impedir que criminosos como esses dessa milícia digital identificada, sejam investigados e punidos por práticas de delitos, caso queira interferir a Constituição também lhe enquadrará. O STF não pode recuar o ministro está apenas aplicando a lei que é para todos e a verdade tem que está acima de tudo e de todos.